INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - Ed. Especial 20 anos





 

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Conselho Editorial

Entre Prometeu e Cassandra, o IBCCRIM continua como bastião mais altivo e lúcido contra as violações constitucionais

Autor: Maurício Zanoide de Moraes

Faz 20 anos...  Passou rápido, muito rápido. Com todo esse tempo, que parece um único momento, já é possível se afirmar que o IBCCRIM fez e faz história, além de ter a sua própria história. Duas faces, a “história feita” e a “história vivida”, que se confundem no movimento dos dias e no balanço de nossa vida. Mas há um ponto que nos parece muito importante para que a separação se justifique: a “história vivida” serve de referência àqueles que estão dentro, executando tarefas para o IBCCRIM crescer e se renovar; já a “história feita” importa mais aos que, não menos infensos aos benefícios advindos da existência do IBCCRIM, não têm uma participação tão íntima no laborar e sustentar seu crescimento diário.

O IBCCRIM não foi criado pela Providência Divina, mas pelos anseios e trabalho de muitas pessoas que, após a edição da Constituição Brasileira (1988), sentiram a irrefragável necessidade de ter uma “ágora” para discussão, estudo e encaminhamento de um direito criminal mais avançado e, imprescindivelmente, afim aos novos ditames fundantes daquela Carta. Mas, se não foi criado pela Providência Divina, certamente é por ela abençoado. Não foram poucos os momentos em que isso se mostrou a quem teve olhos e quis ver. Se o IBCCRIM faz sua história forte e pujante, servindo de referência a outros institutos jurídicos, mesmo em áreas diversas da criminal, é porque há um corpo sólido e constate de colaboradores voluntários e apaixonados. Por isso sua “história feita” nos dá a certeza e ensina que o porvir não será menos feliz. Mas, ao lado dessas pessoas que nele trabalharam e com ele colaboraram, sua história se fez devido à sua crucial importância como porta-voz de muitos anseios legítimos e por sua alta credibilidade científica e institucional. O IBCCRIM é portal e sítio de plural e honesta catalisação juspolítica. É por isso e para isso que devemos lutar sempre.

Desde a origem deste Instituto, tal qual o mito de Prometeu, viu-se sua legitimidade nascer e florescer por ter ele reunido a importância do debate científico, com a participação política das instâncias comunitárias na análise legislativa e das atuações pública e privada. E, como Prometeu, ao criar o espaço para um debate intersubjetivo, orientado pelas regras constitucionais e voltado à melhoria das leis criminais, deu aos brasileiros um presente, assim como o fez aquele mito ao roubar o fogo dos deuses e com ele presentear a humanidade. Agora, qualquer cidadão tem a possibilidade de participar e contribuir ao avanço das Ciências Criminais, desde que orientado pelas balizas constitucionais e imbuído de um desejo de melhoria sistêmico-criminal. Mas, tal qual Prometeu que, descoberto pelos deuses foi castigado a ficar acorrentado e ter parte de seu corpo comido todos os dias por aves de rapina, também o IBCCRIM de há muito vem sendo injustamente criticado por aqueles que detinham a prerrogativa de ditar as diretrizes legais e políticas do Direito Criminal.

O IBCCRIM os incomoda, pois deles retirou aquela parcela de poder e a franqueou a todos. Senhores colaboradores, associados, funcionários e demais pessoas que acreditamos no IBCCRIM, que fazemos e ainda muito faremos por sua história, nunca esqueçamos que à noite, como no mito de Prometeu, as partes carcomidas se regeneram para o novo amanhecer, no qual sempre devemos reacender para todos a chama da liberdade de sentir, pensar e defender a Constituição e o melhor Direito Criminal para o Brasil. Lembrem-se, sempre, que a faina diária é abençoada, pois o propósito é nobre: suportar as críticas injustas e servir de anteparo para que sob nossos auspícios se possibilite o debate plural e livre para a melhora nacional. Nunca desistam, pois a luta se faz pelas vitórias, que sempre vieram, e os nossos 20 anos são a prova disso.

Mas, se com essa similitude parcial com o mito de Prometeu se assemelha a “história feita” do IBCCRIM, sua “história vivida” se aproxima mais de Cassandra, a mulher que, pelo “pecado” de resistir aos desejos amorosos de Apolo, foi por este castigada a ser uma exímia profetiza, porém, sem crédito junto às pessoas. A nobreza de Cassandra foi retribuída, pelo deus Apolo, pelo descrédito, não obstante a verdade de tudo que conseguia antever. Nesse particular, basta uma pequena digressão pelos editoriais, pelos manifestos e manifestações institucionais do IBCCRIM para se certificar de que não foram poucas as vezes que a aprovação de leis penais desproporcionais e assistemáticas, assim como violações constitucionais por atitudes de órgãos públicos e instituições privadas, foram severamente criticadas e indicado que nessa toada só haveria desequilíbrio e mais insegurança jurídica. Por serem muitos os exemplos dessa luta, fiquemos apenas com as críticas à lei da criminalidade organizada e às invasões às casas e aos locais de trabalhos por meio das então midiáticas operações policiais.

O IBCCRIM nunca foi contrário à edição de uma lei que instituísse meios de obtenção de prova mais eficazes contra a criminalidade organizada, notadamente a de matiz econômica. Aliás, não raro, foi chamado para participar e colaborou em debates legislativos sobre o tema. Contudo, não poderia estar alinhado à Lei 9.034/1995, como foi redigida. Sempre alertou para a violação do princípio acusatório que ela representava pela atuação direta do juiz, em verdadeira assunção de papel de juiz-investigador. Após a edição da Lei 10.217/2001, que veio modificar – mas não melhorar – aquela lei, criticou a figura do “agente infiltrado”, por sua atipicidade procedimental representar verdadeira violação à legalidade processual e, portanto, à licitude probatória. O mais delicado e invasivo meio de obtenção de prova (“agente infiltrado”) não pode ser aceito e colocado em operação sem qualquer regulamentação que protegesse o agente envolvido e regulasse seus limites de atuação. Mas, por que a luta é justa, e o tempo traz a razão, suas primeiras críticas já repercutiram e o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o caput do art. 3.º da Lei 9.034/1995, em prol do sistema acusatório (ADIn 1.570-2, DJU 19.11.2004). Esperemos; e o restante das críticas ainda há de reverberar nas hostes judiciárias.

Não menos intensa foi a luta do IBCCRIM para fazer cessar as operações policiais espetaculosas, as concessões e cumprimentos de mandados de busca e apreensão coletivos e sem especificidade alguma e que permitiam, devidamente acompanhada pela mídia televisiva e imprensa, a vulneração da regra constitucional da inviolabilidade da casa do cidadão. Tal intransigente e constitucional postura, para ser levada ao descrédito, era tida como de advogados. E assim se manifestava, naqueles dias, a atualizada maldição de Apolo sobre Cassandra, ou seja, e assim se escondia a legítima crítica do IBCCRIM sob uma nuvem de vilania. O IBCCRIM, propalavam os seus detratores de sempre, não deve ter crédito pela posição profissional ou funcional de(s) seu(s) representante(s), sem contestar se o que o Instituto defendia tinha ou não apoio constitucional. Não se divulgava que o IBCCRIM afirmava que era possível ser rigoroso e eficiente na investigação, sem se abrir mão das vias constitucionais e sem que as pessoas fossem indefectivelmente marcadas pela exposição antecipada à mídia. Mas, se naquele exato instante se escondia o IBCCRIM sob mentiras, a sua história mostra que muitos operadores do Direito (juízes, promotores, defensores, delegados e agentes de segurança pública), definitivamente influenciados pelas críticas desse Instituto, fizeram aqueles arbítrios cessarem e, hoje, sem maiores ressaltos, há, como regra, buscas e apreensões dentro da necessária legalidade e judicialidade e sem um inconstitucional justiçamento prévio pela exposição à imprensa.

O IBCCRIM, nesses 20 anos de “história vivida” já contribuiu em muito com o desenvolvimento das Ciências Criminais no Brasil e, se hoje, pode comemorar a marca a qual muitos Institutos jamais chegaram ou chegarão, não pode deitar sequer um momento para descansar. Se vive essa magnífica história que todos testemunham, é por que, incansavelmente, todos os seus associados e as pessoas que nele acreditam não desistem ou descansam por um só momento e não deixam passar uma única oportunidade de fazer valer as liberdades constitucionais.

Que o IBCCRIM viva em cada um de nós sempre, e que todos vivamos sua história em cada um de nossos dias.

Maurício Zanoide de Moraes
Ex-Presidente do IBCCRIM (2005/2006).
Advogado.



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