INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - Ed. Especial 20 anos





 

Coordenador chefe:

Fernanda Regina Vilares

Coordenadores adjuntos:

Bruno Salles Pereira Ribeiro, Caroline Braun, Cecilia Tripodi, Rafael Lira e Renato Stanzio

Conselho Editorial

A utopia possível

Autor: Alberto Silva Franco

Regressar ao tempo passado provoca sempre um turbilhão de sensações e de emoções. Não é tarefa fácil. É reviver fatos e rememorar pessoas. Fatos incomuns, e, por vezes, cruéis. Pessoas que ainda estão à vista ou que já se distanciaram da vida. É voltar para trás 20 anos e ter presentes os acontecimentos que foram capazes de tirar tanta gente da inércia acomodada. O mês de outubro de 1992 foi farto nesses acontecimentos. De um lado, o impeachment do Presidente da República: pela primeira vez, na história republicana, um presidente foi expulso do cargo porque não estava à altura de desempenhá-lo. Foi um fato político que mobilizou a opinião pública nacional e os meios de comunicação social, provocando profunda repercussão na consciência de todos. De outro, uma ação policial-militar redundou na morte torturante de pessoas que estavam detidas, em razão de prisão provisória ou de condenação, no Presídio de Carandiru. Foi um fato inominável: as manchas de sangue explodiam nas paredes das celas e uma água sanguinolenta escorria pelos degraus das escadarias do presídio. Nenhum ser humano, por mais condenável que tivesse sido sua conduta, seria merecedor de tratamento tão vil. E 111 pessoas indefesas foram mortas por um contingente policial-militar superarmado, comandado por autoridades militares e estatais irresponsáveis. As fotografias estampadas nos jornais do dia 04 de outubro de 1992 permitem ainda hoje visualizar o nível máximo que logrou atingir a maldade humana. Tem-se sempre presente à memória a longa fila de corpos estirados, lado a lado, no chão, com visíveis marcas de violência, num espaço físico que parecia não ter fim.

O encadeamento desses dois fatos – a desmoralização do poder político e o uso desenfreado do poder policial-militar – deixou patente a necessidade de criação de uma organização que, unindo operadores do campo jurídico, pudesse trabalhar no sentido de dar maior credibilidade às atividades políticas e constituir um foco de resistência contra os agravos aos direitos e garantias fundamentais do cidadão, consagrados na Constituição Federal de 1988. Mas, além disso, uma instituição que tivesse também, por preocupação básica, a defesa das minorias e dos excluídos sociais. A ideia de formar um instituto com essa configuração já tinha, há algum tempo, germinado no pensamento de muitos. E total era a carência de instituições com esses propósitos. O dia 2 de outubro de 1992 foi, sem dúvida, o fator desencadeante do movimento que, 12 dias depois, reuniu 108 pessoas numa sala do antigo prédio do Fórum Criminal, localizado no Viaduto Maria Paula, e deu origem ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

Uma sala acanhada num prédio da Rua Tabatinguera foi o primeiro abrigo do IBCCRIM. Ali, as reuniões se sucederam e, nesse local, nasceu o primeiro Boletim, com um editorial que versava sobre a pena de morte. Ali, teve início a dura tarefa de arregimentar associados os quais, juntamente com os fundadores, passaram a contribuir mensalmente para a sua mantença. Ali, as quintas-feiras eram sagradas: todos procuravam juntos, num bate-papo coletivo, avaliar o que já tinha sido feito e o que ainda estava por fazer. Ali, surgiu a ideia de uma revista que fosse capaz de suprir a falta da Revista de Direito Penal, desde a morte do grande penalista Heleno Cláudio Fragoso. E a Revista do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais apareceu, em dezembro de 1992, com a inestimável parceria da Editora Revista dos Tribunais e procurou, como seu próprio nome indicava, o horizonte mais largo das Ciências Criminais. Ali, foi arquitetado o primeiro Seminário Internacional que se tornou realidade no ano de 1994. Ali, foram adquiridos os primeiros livros e as primeiras revistas especializadas que, postos numa prateleira de aço, tornaram-se o núcleo inicial da Biblioteca. Ali, fez-se presente o propósito de ter uma sede e o IBCCRIM, num gesto de extrema ousadia, comprou, em 14 de julho de 1995, um andar num prédio deteriorado da Rua XI de Agosto. Ali, foi o local onde se sonhou – e muito – sem desistir de nenhum sonho.

Entre o marco zero e o ano de 2012, o IBCCRIM teve ganhos e perdas.

Chegou, 20 anos depois de sua fundação, sem depender nunca de recursos públicos, a ter prestígio, credibilidade e respeitabilidade no meio jurídico e fora dele. Onde quer que esteja, o membro do Instituto, há quase duas décadas, recebe, mensalmente, o Boletim, que alcança no corrente mês o número 238; a cada dois meses, o associado, se for assinante, tem em suas mãos a Revista Brasileira de Ciências Criminais (RBCCrim), de reconhecido valor acadêmico e cuja publicação se aproxima do número 100; a cada ano, obtém, gratuitamente, monografias de invejável qualidade científica. À disposição do associado, há uma biblioteca de indiscutível valor científico e da qual não se pode prescindir, no Brasil, para a feitura de qualquer trabalho acadêmico. No corrente ano, está sendo realizado o 18º Seminário Internacional, com um número cada vez mais avultado de participantes e com uma organização que nada fica a dever aos congressos feitos no exterior. 20 anos depois, o IBCCRIM recuperou o prédio deteriorado e é proprietário, no momento, da maior parte dos andares do edifício da Rua XI de Agosto. Por sua vez, de um único funcionário, o IBCCRIM ostenta hoje um quadro funcional de trinta e quatro pessoas.

Houve perdas, sem dúvida. Alguns companheiros dessa empreitada já partiram e as sagradas quintas-feiras não têm mais o significado do passado. As reuniões da direção do IBCCRIM continuam marcadas no mesmo dia da semana, mas, nesse dia, há um volume grande de problemas a serem solucionados e já não se consegue reunir associados para uma conversa semanal, informal e de avaliação, sobre os rumos assumidos pelo instituto. Isso é uma perda: faz falta e dá saudades. Mas é a consequência do crescimento.

Neste ponto, cabe uma indagação: em resumo, o que explica a existência e a mantença do Instituto há 20 anos? O IBCCRIM é o resultado final do trabalho de brasileiros sérios e honestos, pessoal e ideologicamente, o que significa que qualquer empreendimento que for gerido, no Brasil, com competência e inteireza de caráter, logrará sucesso. O IBCCRIM é a aglutinação de seres humanos, dotados de profundo idealismo e capazes de sonhos sem limites, mas com a forte convicção de concretizá-los. O IBCCRIM é a expressão mais explícita do valor do voluntariado: cada integrante, que assume seus órgãos diretivos e seus desdobramentos, doa boa parte de seu tempo útil, sem nada pedir em troca. O IBCCRIM é a estrada de que falava Tuahir, personagem de Mia Couto, num de seus livros: “O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro”. Que essa estrada, impelida pelo sonho, ande outros 20 anos! Em síntese, o IBCCRIM é a utopia possível.

Alberto Silva Franco
Ex-Presidente do IBCCRIM (2007/2008).
Desembargador aposentado do TJ/SP.



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