INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 212 - Julho / 2010





 

Coordenador chefe:

Andre Pires de Andrade Kehdi

Coordenadores adjuntos:

Coordenadores adjuntos: Cecilia Tripodi, Eduardo Augusto Paglione e Renato Stanziola Vieira

Conselho Editorial

Pedro Yamaguchi Ferreira, foi uma honra ter conhecido e convivido com você!

Autor: Homenagem da Pastoral Carcerária

Pedro Fukuyei Yamaguchi Ferreira, 27 anos, filho de Paulo Teixeira Ferreira, e de Alice Yamaguchi Ferreira, formou-se como advogado na PUC-SP. Estagiou e trabalhou na Pastoral Carcerária e, nos últimos três meses, trabalhava como assessor jurídico da Diocese de São Gabriel da Cachoeira, a serviço dos Povos Indígenas. No dia 1º de junho, perto do meio dia, Pedro foi banhar-se no Rio Negro e foi arrastado pela correnteza. Seu corpo foi encontrado 48 horas depois, em Tapereira, a mais de 40 quilômetros de São Gabriel.

Pedrão, você já faz falta em nosso trabalho, em nosso Brasil e, especialmente, em nossos corações!

Nestes 27 anos de vida, Pedro muito honrou a profissão de advogado, honrou seu o nome, honrou a vida missionária e o compromisso cristão, e muito honrou o seu País.

Esta homenagem é para Pedro, mas também reconhece a família e a importância daqueles que o influenciaram. Pedro recebeu o nome em homenagem ao grande profeta e poeta Dom Pedro Casadáliga e teve como padrinho de batismo outro grande militante da defesa dos mais pobres e excluídos: Dom Angélico Sândalo Bernardino. E Pedro não somente “incorporou” estes modelos e influências na vida, mas cresceu e sua vida se tornou um testemunho. Pedro honrou o nome, honrou a militância, e a simplicidade e a fé de Dom Angélico.

Na sua missa de envio para o Amazonas, Pedro disse: “Aos meus queridos pais, também faltam palavras. Obrigado pelo exemplo, por me ensinar a olhar pelo outro, a ter consciência do mundo em que vivemos, a lutar por nossos sonhos. Muito obrigado por serem parceiros comigo e com meus irmãos em nossas investidas, em nossos projetos”.

Pedro estagiou em grandes escritórios de advocacia, mas, realmente, se encontrou quando começou estagiar na Pastoral Carcerária de São Paulo. O irmão dele, Caio, uma vez disse: “Houve uma época na vida de Pedro que ele estava muito inquieto, meio -perdido, buscando algo. Isso ele encontrou com vocês na Pastoral Carcerária”.

Nós, da Pastoral Carcerária, tivemos o imenso privilégio de conviver e trabalhar com Pedro por três anos. Começou como estagiário, já com aquela paixão de mudar o mundo, de abraçar as causas dos mais excluídos, e de indignar-se com as injustiças que vêm em nome da justiça.

Umas das unidades prisionais que Pedro visitava como agente da Pastoral Carcerária e advogado foi a Penitenciária feminina de Sant’Ana, com mais de 2.700 mulheres presas, e 30% delas ainda provisórias. Aí, Pedro brilhou como agente de pastoral, escutando as histórias, sendo solidário às lágrimas, indignando-se com as injustiças. Ele dava atenção e orientação jurídica a elas. Falava sério e jogava conversa fora, dava risada e às vezes broncas, e dava conselhos de advogado. Fez valer o nome de advogado quando canalizou sua indignação e militância em petições, denúncias e ações políticas. Pedro honrou muito a profissão de advogado.

Pedro cativava a todos que encontrava, conhecia e, também, com quem trabalhava. Ele não somente acreditava que era responsabilidade dele (e de todos) empenhar-se para a construção de um mundo melhor e mais justo, mas também acreditava que este mundo realmente era possível.

No discurso dele na missa de envio em fevereiro de 2010, Pedro disse: “Essa minha decisão de viver essa experiência na Amazônia é fruto do convívio com a realidade dos cárceres e a realidade social em sua forma mais cruel, o lado B de nosso País: o País dos esquecidos, dos humilhados. Pude estar em contato com a miséria da miséria, a injustiça, a segregação social e racial, a dor, o esquecimento. Ter visto de perto situações desconhecidas pela maioria das pessoas, ter conhecido um País que ainda maltrata seus cidadãos, tudo isso me despertou para a necessidade de luta, de trabalho para a profunda transformação dessa realidade”. E continuou, dizendo: “Não dá para ficarmos tranquilos diante de tanta injustiça. Porque preferimos a anestesia à luta? Porque não deixamos de lado um pouco nosso conforto para pensarmos e agirmos por uma sociedade melhor?”

Pedro juntou tudo que ele era e tudo que aprendeu em São Paulo e resolveu seguir o seu desejo de trabalhar com os povos indígenas no Amazonas. Pedro foi enviado para São Gabriel da Cachoeira como Missionário leigo da Igreja Católica e, no Amazonas, foi recebido e acolhido por Dom Edson Damian, bispo do grande território episcopal de São Gabriel da Cachoeira, que disse: “Pedro testemunhou que a vida não é um capital para ser acumulado, mas um dom de Deus para ser partilhado. Vida a serviço da vida dos pobres, dos povos indígenas para pagar-lhes a imensa dívida social que lhes devemos pelos massacres e genocídios perpetrados desde o ‘descobrimento’”. Pedro muito honrou sua fé, o evangelho e a Igreja Católica.

Na missa de corpo presente no sábado pela manhã (5/6), o pai dele, Deputado Federal Paulo Teixeira disse que “Pedro tinha, no coração, um nome grande, chamado Brasil e um desejo grande: a justiça”. E, certamente, amava o Brasil e ser brasileiro. Na missa de envio para a missão, desafiou os amigos e colegas: “Não é preciso ir até a Amazônia para mudar essa realidade social brasileira. A cidade de São Paulo está cheia de problemas para serem resolvidos e todos vocês podem colaborar para mudar essa situação. Visitem a favela do Moinho, o Jardim Pantanal, uma unidade prisional... Certamente lá existem muitos problemas e as pessoas que precisam de ajuda!” Pedro muito honrou seu País e sua cidadania brasileira e do mundo.

Em pouco tempo, Pedro já jogava futebol, oferecia o programa de “Cidadania e Samba” na rádio comunitária da cidade de São Gabriel da Cachoeira e entrava na questão carcerária, pela pastoral, em profundeza.

Ele escreveu em uma carta para o Padre Valdir, coordenador da Pastoral Carcerária:

“Ontem livramos cinco moleques presos por furto. Fui com oficial cumprir os mandados na delegacia, trouxe os cinco para falar com a juíza e, eu levei cada um na sua casa, falei com cada família. Todos terão emprego na diocese, farão tratamento para álcool e drogas... Aqui, vejo eles sem aquela malícia da malandragem dos grandes centros. São moleques ainda, de bom coração, boas famílias, mas as drogas e álcool desestabilizaram. Que mal faz isso aqui!... Faço Pastoral toda 4ª feira. Visito os familiares dos presos em casa. Tenho passado nos supermercados pedindo ajuda para doarem alimentos para essas famílias. Eles estão doando. Existe pobreza aqui, falta comida. Apesar que o índio ainda sabe viver com pouco.”

Na semana em que o Rio Negro levou nosso amigo, percebemos também que Pedro, com seu compromisso, com sua franqueza e amizade, com sua paixão pelo povo brasileiro e pela justiça, também era um grande sinal de esperança para muitas pessoas. Rogério Tomaz Jr. escreveu no blog dele: “Junto com a vida de Pedro, um sonho foi arrastado pela força das águas do Rio Negro, na altura de São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, extremo noroeste do Brasil”.

Mais de mil pessoas, entre elas, parentes, juizes, advogados, amigos, agentes da pastoral carcerária, colegas de governo do pai, Paulo, militantes de pastorais e movimentos sociais lotaram a Catedral da Sé, na sexta-feira, 4 de junho, para a missa de despedida. Neste momento, Alice, mãe de Pedro disse: “Percebi que meu filho era amado e tinha ajudado muitas pessoas... Meu filho morreu feliz no meio do rio, da floresta, entre os Povos Indígenas. Apesar de sua breve existência, ele soube viver tão intensamente que tenho a impressão de que ele viveu 100 anos em 27”.

Estes momentos de oração, missas, velório à noite toda na Catedral da Sé e enterro eram afirmações da caminhada e da militância de Pedro, e igualmente de seus pais, Paulo e da Alice. As pessoas vieram de longe para confortar e apoiar a família, dividir a dor insustentável e testemunhar uma vida doada para seu povo, para seu País e para um mundo melhor.
Pedro terminou o discurso dele na missa de envio com estas palavras: “Como diz a poesia do sambista Candeia, cantada na voz de Cartola: ‘deixe-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar, sorrir pra não chorar. Quero assistir ao sol nascer, ver as águas do rio correr, ouvir os pássaros cantar, eu quero nascer, quero viver’.”

Pedro se foi, mas a missão dele como advogado, como militante, como pessoa de fé, como filho e irmão e como cidadão brasileiro vive entre nós e desafia-nos a não deixá-la morrer.

Homenagem da Pastoral Carcerária.



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