Publicado em 16/05/2006
Nada, absolutamente nada, justifica ou legitima a situação de violência e insegurança que está sobre a sociedade paulista e nacional. Nada faz com que se tolere a violência dirigida contra os agentes públicos (inicialmente os policiais) e, já mais recentemente, contra prédios e entidades privadas. Nada cala a dor da morte de tantas pessoas e a todas devemos render a mais sincera e profunda consternação. São todas vítimas da violência, assim como, nos dias de hoje, todos nós nos sentimos vítimas da violência ou do medo da violência. Compreensivo que assim seja, mas inadmissível que assim continue.
Para toda a sociedade estão propondo um falso dilema: ou somos vítima da violência ou somos agentes da violência. Em palavras comuns nos nossos dias: temos que responder a violência dos bandidos com a mesma ou maior violência, matar ou morrer. Para piorar a nossa fragilização, ainda se divulga que um líder de facção criminosa diz a altas autoridades policiais que eles (bandidos) podem entrar em delegacias e matar policiais, mas que os policiais não podem entrar nos presídios e matar os bandidos. A frase, para além de ser verdadeira ou não, traz o emblema do falso dilema que nos apresentam: matar ou morrer. Para esse dilema já sabemos a resposta, e ela é matar. Essa resposta não vem da Constituição, do atual grau de desenvolvimento humano ou das experiências (todas fracassadas) de momentos da história do homem. A resposta vem do instinto de sobrevivência e acima dele não há outro argumento aceitável. Porém, lembremo-nos, o que nos oferecem é um falso dilema.
Se nas relações entre as pessoas é válido o ditado popular de que a toda ação haverá uma reação de mesma intensidade e sentido inverso, na relação entre Estado e indivíduo isso não é verdade, ou sequer é útil. Imaginemos que aconteça o que muitos, nas ruas e em gabinetes, já conjecturam: os agentes públicos estão liberados para sair às ruas e, em defesa da sociedade, matar a todos que julguem integrantes de facções criminosas ou agentes da violência. Imaginemos, por um breve instante, que isso aconteça e os assassinatos alcancem dezenas, centenas ou até milhares de “bandidos”. A pergunta que surgirá na manhã do dia seguinte é: o problema está resolvido? A barbárie imaginada e realizada resolveu o problema da violência? Surgirão mais “Marcolas”, “Geléiões” ou, como já se prefere, novos “Bins Ladens”? A resposta todos sabemos, porque a história da humanidade já mostrou isso para nós: sim, surgirão outros, talvez mais cedo, talvez mais tarde do que se imagina, mas, inevitavelmente, surgirão outros. Isso se, pior, alguns dos “bandidos” mortos não se tornarem mártires ou heróis para o crescente grupo social dos excluídos.
Antes que o “sonho” de matança desenfreada se torne uma realidade, será que alguém pode se perguntar qual foi a causa dessa violência? A resposta é simples: a causa está na inexistente gestão pública do controle da violência. Se hoje o que sobressai é a falta de controle eficaz da população carcerária, precisamos lembrar que controlar a violência não é apenas controlar a população dos condenados. Assim como controlar a doença não é apenas controlar os doentes, controlar o crime não é apenas punir e deter mais pessoas. É isso, mas não é só isso e, destaque-se, só isso (o controle dos condenados) não basta. Isto porque a gestão eficiente da violência está em evitar que ela surja. Assim como o melhor meio de controlar a doença é evitar suas causas e meios de transmissão, o melhor meio de controlar a violência é atuar em suas causas e meios de transmissão. Quando o Estado precisa punir é porque já foi ineficiente em evitar que o crime acontecesse. Quando a violência originária dos presídios extravasa suas muralhas e atinge as ruas, está claro que o Estado não cumpriu seu papel de, durante o cárcere, atuar para desestimular a reincidência criminosa.
O controle público da violência não é deter, punir ou matar os criminosos mas, antes disso, evitar o surgimento crescente de um contingente de excluídos, famintos, doentes e incultos que vão integrar o material humano usado pela criminalidade organizada.. Quanto mais excluídos tivermos, mais potencial contingente criminoso teremos e o ciclo se perpetuará. A ineficiência pública é completa e crescente. Em um primeiro momento está em não atender de modo eficiente a população que, desesperada, é usada pela criminalidade. Depois, cometido o crime, falhado na prevenção, o Estado falha em não atualizar suas leis para punir com mais técnica e rigor quem deve ser punido. A seguir, condenando em sua grande parte apenas aqueles que desde o início foram os excluídos e os esquecidos, continua a não lhes oferecer a menor condição humana de se reabilitar através do oferecimento do ensino, do trabalho, de alimentação e saúde. Por fim, não controla a população carcerária que eclode em movimentos de violência para além dos muros. Essas são as causas da violência que hoje assistimos. Sua solução não é rápida nem tampouco fácil, mas os vícios e os descasos têm conserto.
Hoje precisamos de um mínimo de rigor e eficiência (não de violência estatal) para neutralizar os atos criminosos e reconduzir os agentes dessa violência urbana ao cárcere com novas penas a serem cumpridas. Mas haverá amanhã e, para esse amanhã, não podemos mais admitir que aquelas causas continuem a existir por debaixo de uma falsa impressão de segurança, sob pena de no futuro a violência voltar a surgir sempre com maior força.
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