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DISCURSO DA ABERTURA DO 10º SEMINÁRIO DO IBCCRIM – Ministro Márcio Thomaz Bastos

Publicado em 28/09/2004

É com grande satisfação que aceito o convite para realizar a abertura deste 10º Seminário Internacional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Este evento já se tornou a principal referência no Brasil para estudiosos de Direito Penal e Criminologia, reunindo especialistas de todo o mundo, que em geral cumprem a função de oxigenar o debate sobre um tema no qual o discurso conservador tradicionalmente prevalece em nosso país. Eventos desta natureza e com este propósito são fundamentais para o gestor que pretende implementar políticas públicas progressistas de Segurança.

Neste contexto, gostaria de colaborar com a reflexão de todos, trazendo um pouco da visão acumulada neste pouco mais de ano e meio de Ministério.

Se há algo de que eu realmente me convenci neste período, é que a resolução dos problemas relativos à pasta da Justiça está muito menos ligada à reforma das Leis do que à luta pelo fortalecimento das instituições.

Nós que estudamos o Direito Penal e a Criminologia costumamos muitas vezes dar um enfoque muito maior a reformas legais do que ao aprimoramento institucional. No entanto, está claro que a melhora do problema da segurança, no Brasil passa, sobretudo, por reformas das instituições envolvidas.

O grande Alessandro Baratta distingue três mecanismos no sistema penal: “o mecanismo da produção das normas (incriminação primária), o mecanismo de aplicação das normas, isto é, o processo penal que compreende a ação dos órgãos de investigação e que culmina com o juízo (criminalização secundária) e finalmente, o mecanismo da execução da pena e das medidas de segurança.”

Se analisarmos o caso Brasileiro, parece claro que devemos nos concentra muito mais sobre os dois últimos tipos de criminalização, ou seja, devemos focar nossa atuação com mais ênfase sobre a aplicação do Direito (seja no processo, ou na polícia) e sobre a execução das penas do que em reformas legislativas.

O Instituto de Defesa do Direito de Defesa, recentemente, concluiu uma pesquisa que demonstra que o nosso problema não está nas leis penais. A Pesquisa analisou as decisões judiciais relativas aos casos de roubo. Percebeu-se que em 77, 19 % dos casos os juízes aplicam a pena no mínimo legal, mas em 80,75% destes casos o regime inicial aplicado é o fechado, para indivíduos primários. A justificativa para a imposição do regime fechado, em 82,34% dos casos, foi a gravidade em abstrato do delito. Esta é uma situação típica, no qual a legislação está correta, pois o artigo 33 do Código Penal prescreve o regime semi-aberto para condenados a penas entre 4 e 8 anos, mas em 80% dos casos isso não ocorre, por falha institucional. Para este caso específico foi editada há um ano a Súmula 718 do STF, esperamos que isso tenha um efeito significativo sobre as instâncias inferiores.

Podemos dizer o mesmo da aplicação de penas alternativas, “revolução copérnica nos sistema penitenciário clássico” segundo René Ariel Dotti, mas ainda aplicadas de forma muito mais tímida do que o desejável.

Na verdade, isso pode ser dito de uma maneira mais ampla do Sistema Penitenciário com um todo. Nos últimos 12 anos o Brasil passou por um dos maiores aumentos de taxa de aprisionamento da história. Enquanto em 1992, percentualmente 0,07% da população brasileira se encontrava privada de liberdade, em 1995 esse número salta para 0,09%, em 1999 para 0,11% e em 2003 para 0,17%. Em termos absolutos, isso significa dizer que a população prisional passou de 114.337 para 308.304 presos no mesmo período. É verdade que a criação de leis mais severas tem uma parcela de responsabilidade sobre isso, mas há outros fatores tão ou mais importantes. Na verdade hoje presenciamos uma enorme desarticulação entre os órgãos responsáveis pela execução penal. Isso se percebe desde o descompasso existente entre os responsáveis pelas políticas de segurança e os espaços judiciais e administrativos nos quais se dão a execução das penas, até a falta de uma política integrada entre o judiciário, a secretaria de administração penitenciária e o Ministério Público que possibilite o cumprimento da Lei de Execuções Penais.

Não se trata, evidentemente, quando apontamos a necessidade de reformas institucionais, de colocar a responsabilidade exclusivamente no Poder Judiciário. O Poder Executivo tem muito a contribuir - e vem contribuindo - para a criação de um ambiente mais propício para a aplicação de políticas públicas consistentes.

Podemos citar, neste sentido, a integração das polícias estaduais que é conduzida pela Secretaria Nacional de Segurança Pública e, dentro disto a criação da Força Nacional, iniciativa inédita que alia a capacitação e formação integrada das polícias estaduais, com uma atuação, em momentos de crise, de uma Força composta por policiais de vários estados.

A atuação da Polícia Federal, que age de forma republicana, encarando o combate ao crime organizado e à corrupção como uma política de Estado, cortando na própria carne quando necessário, é também mais um elemento para a criação de um ambiente institucional favorável. As operações da Polícia Federal são um exemplo de como investigações bem estruturadas podem ter como desfecho ações policiais precisas. Vale notar que todas essas prisões foram efetuadas sem que nenhum tiro fosse disparado.

Com relação à construção de presídios federais, esta é uma obrigação imposta ao Executivo Federal desde 1984, com a LEP, no entanto apenas este governo cumpre o mandamento legal. Já iniciou a construção de 2 presídios federais e entregará 5 presídios até o fim do ano que vem.

Na área de combate à lavagem de dinheiro temos outro exemplo de articulação institucional que vem demonstrando resultados. Criamos um departamento de Recuperação de Ativos e pela primeira vez todas as instituições envolvidas com a questão trabalham juntas, tendo metas a cumprir dentro de prazos determinados.

Finalmente, devemos citar outro exemplo de ação do executivo que se desenvolve com êxito absoluto. A implementação do Estatuto do desarmamento. O Congresso cumpriu o seu papel ao aprovar a lei 10.826/03, mas foi a transformação deste marco legal na maior campanha de desarmamento da história país e numa ação articulada entre governo e sociedade civil que propiciou a entrega de, até hoje, quase 100.000 armas.

Isto não significa que não tenhamos que assumir a responsabilidade de realizarmos alguns ajustes na legislação penal brasileira. A Lei de Crimes Hediondos é sem dúvida um exemplo de legislação inspirada no pânico que deve ser reavaliada. O Ministério da Justiça já encomendou uma pesquisa para o ILANUD, com o intuito de entender os efeitos positivos e negativos da Lei, enquanto política criminal e sobre o sistema penitenciário.

Mas mesmo no caso da Lei de Crimes Hediondos, estamos passando por um momento em que se percebe que as reformas legislativas não são a única resposta para essa chamada legislação de pânico. O Supremo Tribunal Federal tem proferido decisões interessantíssimas sobre a matéria, que vão devolvendo a coerência ao nosso sistema. Isto se vê em casos como o da liberdade provisória e o da progressão de Regime dentro da Lei 8072/90 (este último deve ter seu julgamento prosseguido no próximo dia 30).

Isso se explica muito pelo que afirmou René Ariel Dotti, ao comentar os 20 anos da Reforma de 84. Ele disse que: “as deformações de uma legislação de pânico não conseguiram descaracterizar o sentido humano e social do novo sistema de penas.”Ou seja, na verdade, o arcabouço jurídico construído pela legislação de 84 e pela Constituição de 88, é ainda bastante sólido. E com sua aplicação integral por meio de instituições consistentes, é possível chegar bem próximo do sistema ideal. Portanto, em um seminário como este, é fundamental que possamos voltar boa parte de nossas energias para pensarmos em Reformas Institucionais e não apenas em alterações na legislação penal, visando a construção de um Brasil seguro, baseado em princípios republicanos e respeito aos Direitos Humanos.


        


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