Publicado em 23/05/2019
“O evento se caracterizou como uma afronta aos princípios fundamentais da Constituição e do Estatuto da Criança e do Adolescente”, diz o texto
O Departamento de Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) repudia a atividade “Adoção na Passarela”, realizada pela Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (AMPARA) e pela Comissão de Infância e Juventude da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT). De acordo com as organizações, o evento tinha como objetivo “dar visibilidade” a crianças e adolescentes, entre 4 e 17 anos, que estão à espera da adoção.
De acordo com a nota do IBCCRIM, o evento impôs às crianças e adolescentes participantes um tratamento de exploração e de crueldade, “uma vez que reduz o direito à convivência familiar a um produto de mercado”.
Em nota, a OAB-MT afirmou que as crianças não só quiseram participar, como também “expressaram aos organizadores alegria com a possibilidade de participarem de um momento como esse”.
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Ana Paula Freitas, do Departamento de Infância e Juventude do IBCCRIM, discorda. “É inviável a fundamentação de que as crianças ficaram felizes em participar do evento, o que demonstra a falta de preparo em lidar com questões delicadas da infância, como o direito à convivência familiar”, diz. “Nota-se que foram ignorados alguns pontos essenciais do ECA, como a condição peculiar da pessoa em desenvolvimento, que tem como premissa o respeito ao estágio de constante transformações que passam crianças e adolescentes.”
Leia a nota do Departamento de Infância e Juventude do IBCCRIM na íntegra:
O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais vem demonstrar sua preocupação quanto ao evento intitulado “Adoção na Passarela” promovido no Pantanal Shopping, realizado pela Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à adoção em parceria com a Comissão de Infância e Juventude da OAB-MT, considerando que a conduta caracteriza violação aos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, impondo a essa parcela da população um constrangimento que pode vir a se transformar em um abalo emocional.
O art. 227 da Constituição Federal determina como obrigação da Família, do Estado e da Sociedade colocar a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão as crianças, os adolescentes e os jovens. Consideramos
que o evento promovido no Pantanal Shopping impõe às crianças um tratamento de exploração e, salvo melhor juízo, cruel, uma vez que reduz o direito à convivência familiar a um produto de mercado, afastando desse grupo a qualidade de sujeitos de direitos e
objetificando sua existência.
A despeito do argumento pretensamente bem intencionado de se estar dando a oportunidade da criança e do adolescente, nessa vitrine, conseguir uma família, é de se ponderar quais valores o Estado está incutindo nessas crianças (super importância à aparência como forma de conquistar os outros; objetificação e mercantilização de seu próprio corpo com consequente baixa da autoestima em razão do seu valor pessoal ser reduzido à aparência; competição entre as crianças e adolescentes pela atenção dos possíveis adotantes) e quais os pretendentes se estaria atraindo, ao que, ponderando-se os interesses envolvidos, não se mostra saudável à criança e ao adolescente, sendo dever do Judiciário zelar pelos direitos das crianças e adolescentes tais quais sujeitos de direitos e
não meros objetos de tutela e caridade.
O papel do guardião (entidade de acolhimento) e do juiz no acompanhamento do processo de execução da medida de proteção também é o de educar para a vida, não se podendo presumir que a criança, ainda que peça, possa escolher participar desse tipo de eventos que lhe tragam prejuízos. O melhor interesse da criança deve considerar a vontade da criança, mas não se resume a essa vontade, devendo antecipadamente os responsáveis constitucionais aplicar os princípios do ECA, principalmente a condição peculiar a pessoa em desenvolvimento.
O evento se caracterizou como uma afronta aos princípios fundamentais da Constituição e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
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