INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Nota Pública

Publicado em 16/02/2017

Alinhado à tradição crítica das ciências criminais, o IBCCrim sempre questionou o axioma da neutralidade política do Direito e das instituições judiciais, que no âmbito da justiça criminal permite que polícias, Ministério Público e Judiciário atuem com seletividade e arbitrariedade contra os setores mais vulneráveis da sociedade. Justamente por compreender essa tendência política do Direito e da justiça é que o Instituto sempre se posicionou a favor de reformas legislativas e práticas processuais que, reconhecendo o caráter político da lei e de sua aplicação, buscassem efeitos reparadores de desigualdades e preservassem o devido processo legal, as liberdades fundamentais e a efetiva independência judicial.

Isso vale também e muito especialmente para o STF, mais alta instância judicial e corte constitucional do país. É ingênuo esperar que o Supremo seja politicamente neutro, em face dos mecanismos de recrutamento e investidura de seus ministros no cargo e da natureza das questões a eles submetidas. A indicação de Alexandre de Moraes para a vaga deixada pela morte de Teori Zavascki no STF, contudo, ultrapassa todos os limites aceitáveis do caráter político que se espera de qualquer corte constitucional.

Em primeiro lugar, pelas ideias e teses que Moraes defende e representa. Como Secretário de Segurança Pública do estado de São Paulo, adotou práticas repressivas autoritárias e coniventes com a violência policial. Sob sua gestão, nada foi feito para conter os crescentes índices de letalidade policial, o número de chacinas aumentou e a Secretaria foi acusada por organizações de direitos humanos e pela imprensa de alterar e omitir estatísticas oficiais.

Foi também durante a sua gestão que a Polícia Militar reprimiu violentamente estudantes secundaristas em legítima mobilização democrática. Moraes chegou a desafiar o Judiciário nessa questão, quando assumidamente descumpriu determinação judicial para que a Tropa de Choque da PM deixasse o prédio do Centro Paula Souza, instituição da rede estadual de ensino técnico na capital paulista, ocupado por estudantes em 2016. Antes de deixar a Secretaria de Segurança Pública, Moraes elaborou consulta à Procuradoria-Geral do Estado sobre a possibilidade do Executivo realizar diretamente a reintegração de posse de prédios públicos ocupados por movimentos políticos, com o emprego de força policial e sem o recurso ao Judiciário. Com parecer positivo do Procurador-Geral, a PM iniciou a desocupação de escolas técnicas estaduais ainda ocupadas, ao arrepio da Constituição, no mesmo dia em que Moraes assumiu o Ministério da Justiça e anunciou sua disposição em reprimir os movimentos sociais que àquela época protestavam em todo o país.

Como Ministro da Justiça, Moraes foi na contramão do amplo consenso mundial que progressivamente se forma pela descriminalização das drogas, e anunciou o objetivo – sabidamente inalcançável e custoso de vidas e recursos financeiros – de erradicar a maconha da América Latina. Pouco tempo após remanejar recursos do Fundo Penitenciário para investimento em políticas repressivas, presenciou no início deste ano a maior crise do sistema prisional desde o massacre do Carandiru, em 1992, à qual respondeu com um plano de segurança repleto de soluções comprovadamente equivocadas e com o emprego inconstitucional das Forças Armadas para controlar rebeliões em presídios. Com a eclosão de uma nova crise de segurança pública, dessa vez no Espírito Santo, Moraes mostrou descaso ao se licenciar do Ministério da Justiça para realizar de maneira acintosa – inclusive porque escancaradamente às raias das regras constitucionais que disciplinam sabatina pública com ritual adequado - sua campanha por uma vaga no Supremo.

Não bastassem esses fatos incontestes que demonstram visões e práticas de política criminal e de direitos humanos contrárias à Constituição e ao Estado Democrático de Direito, pairam ainda dúvidas sobre Moraes que justificariam, no mínimo, o adiamento de sua sabatina e nomeação, para o melhor esclarecimento dos fatos – se não a retirada de sua indicação.

A primeira dessas dúvidas diz respeito aos interesses de um governo altamente implicado em ruidosa investigação criminal, que tramita inclusive no STF, em ter um membro de seu núcleo político com assento na Corte.

A segunda dúvida diz respeito às acusações de conduta acadêmica indevida e às suspeitas sobre a qualidade da produção científica que produziu em uma carreira meteórica.

Por isso, dado o descompasso de suas práticas e ideias com os princípios constitucionais e democráticos, bem como as dúvidas sobre seu saber jurídico e sua reputação, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais repudia veementemente a indicação de Alexandre de Moraes para o Supremo Tribunal Federal, e conclama a sociedade brasileira e a comunidade jurídica para um amplo debate sobre os mecanismos de seleção das pessoas indicadas a exercerem cargo de ministros do STF e sobre os sentidos politicamente democráticos que deve assumir sua atuação como corte constitucional.


        


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