Publicado em 02/12/2011
Na mesma semana em que estreia o filme “Leite e Ferro”, que traz a questão da maternidade no cárcere, discute-se o uso de algemas em presas parturientes. O jornal Folha de São Paulo publicou notícia que expunha a situação a que presas gestantes são submetidas no momento do parto: muitas delas são obrigadas a realizar o dar à luz algemadas. Nos últimos meses, a Pastoral Carcerária recebeu denúncias de que pelo menos seis presas tiveram que passar pelo procedimento com mãos ou pernas atadas.
“Algemaram meus pés no aparelho ginecológico”, contou E.R., que cumpria pena em uma das unidades restantes do antigo complexo do Carandiru e foi levada ao Hospital de Vila Penteado, na zona oeste da capital paulista, ao entrar em trabalho de parto. De acordo com a detenta, a médica não pediu para retirar as algemas para realizar a cesariana. Relatos obtidos de outras presidiárias revelam que há casos em que o próprio obstetra pede que as algemas sejam mantidas durante o procedimento.
A prática de manter as parturientes algemadas foi confirmada ao jornal em dois hospitais públicos: o de Vila Penteado e o de Taipas, que são as unidades públicas de saúde que mais recebem presas em trabalho de parto por conta de sua proximidade à Penitenciária Feminina de Sant’Anna.
No complexo Hospitalar do Mandaqui, zona norte da cidade, também são realizados partos de presidiárias. Ali, no entanto, elas não são algemadas. Magali Proença, diretora do hospital, declarou que lá “elas são pacientes” e que tem trabalhado para “mudar essa cultura”. A equipe de reportagem do jornal afirmou ter constatado que na maternidade dessa unidade, os médicos de fato exigem a retirada das algemas durante o atendimento às parturientes. Detentas que deram à luz no hospital do Mandaqui também confirmaram a informação.
O secretário de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, Lourival Gomes, afirmou que desconhecia o uso de algemas durante o parto. “Não acredito nisso. É um absurdo.”, declarou. O secretário também advertiu que os relatos devem ser vistos com cautela: “É o que diz uma presa em universo de 12 mil mulheres”, referindo-se ao número total de presas no estado. De acordo com Gomes, a gestante recebe assistência total, “tem todo o tratamento necessário. Melhor até do que muitas recebem lá fora”.
Rodolfo Valente, advogado da Pastoral Carcerária, afirmou: “não há justificativa para usar algemas no parto, além de torturar e estigmatizar ainda mais as presas”. Para a advogada Thaisa Oliveira, também da Pastoral, “é estarrecedor que alguém imagine uma fuga mirabolante de uma presa durante o parto, momento de total vulnerabilidade”.
A respeito desta polêmica denúncia, Cláudia Priscila, diretora de “Leite e Ferro”, declarou: “Uma mulher em trabalho de parto não vai fugir. Ela vai dar dez passos. Sem contar que ficam policiais na porta do hospital. Não precisam ser algemadas. É uma violação de um direito feminino muito séria, um desrespeito a esse momento. Que elas percam a liberdade e cumpram suas penas, mas com dignidade”.
Curiosamente, de acordo com informações publicadas no site do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), no fina de 2010, o Brasil participou da elaboração das “Regras Mínimas da ONU para Tratamento da Mulher Presa”, em que é vedado o uso de qualquer instrumento de contenção no trabalho de parto, no parto e imediatamente após o nascimento.
Fontes: Jornal Folha de S. Paulo, Jornal O Estado de S. Paulo, My Clipp do CNJ.
(Érica Akie Hashimoto)
IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Rua Onze de Agosto, 52 - 2º Andar - Centro - São Paulo - SP - 01018-010 - (11) 3111-1040