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Não é falta grave preso deixar de se apresentar para ser citado

Publicado em 03/04/2009

No HC nº 108616, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça - STJ - cancelou a anotação de falta grave e a anulação de dias remidos contra um preso que deixou de se apresentar ao oficial de justiça para ser citado.

Sobre o paradigmático caso, veja abaixo o texto analítico escrito por Luis Eduardo Crosselli especialmente para o PORTAL IBCCRIM:


Em data recente, a 6° Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou acórdão proferido por uma das Câmaras do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a qual considerou falta grave a recusa de preso em apresentar-se ao oficial de justiça para ser citado, determinando como punição, trinta dias de isolamento, bem ainda a perda dos dias remidos.

A Eminente Relatora, Jane Silva, em suas razões, entendeu pela ausência de previsão da conduta no artigo 50 da Lei de Execução Penal, considerando ainda, a proibição de interpretar-se extensivamente a lei para amoldar-se a conduta do réu, destacando, inclusive, a licitude da postura como a de qualquer pessoa comum, que não se encontra com sua liberdade cerceada.

Esperamos ansiosos o dia em que os demais órgãos do Poder Judiciário, mormente os Tribunais de Justiça dos Estados da Federação, possam ser contaminados pelos ares do bom senso, razoabilidade, e principalmente o respeito ao princípio da legalidade, espelhado por dois de seus vértices à saber, a taxatividade e a anterioridade, que nortearam o entendimento da i. Relatora da Corte Superior de Justiça sobre o caso.

Com efeito, é pertinente e consentâneo ao Estado Democrático de Direito o respeito aos princípios basilares inseridos nas leis ordinárias, que por sua vez, trazem em seu bojo, toda a carga de constitucionalidade que o sistema vigente autoriza.

E ainda como ingrediente importante desta análise, a questão da hermenêutica jurídica, que tem como um de seus postulados, a interpretação conforme a lei, mecanismo de controle a impedir a interpretação extensiva sobre os diplomas legais, e por conseguinte, garantindo maior razoabilidade e bom senso às decisões proferidas.

Neste aspecto, a lei penal para que esteja congruente com este Estado Democrático deve, diante do princípio da legalidade, não trazer dúvida quanto ao seu conteúdo por parte de todos os destinatários. Deve ser entendida e compreendida por todos os integrantes do tecido social.

Eis aí a característica da taxatividade como corolário da legalidade, ou seja, ausência de leis penais incriminadoras que sejam incertas, de conteúdo impreciso e vago, que denotariam a existência de terreno arenoso, podendo dar margens a interpretações diversas e atentatórias ao estado democrático social e de direito e por via direta, à dignidade da pessoa humana.

Sobre o prisma da anterioridade, a lei penal somente pode incidir sobre fatos tipicamente considerados penais, desde que vigente antes da ocorrência deste, dando ao indivíduo a segurança de que as leis alcançarão fatos futuros, e desde que nelas previstos.

Destes axiomas, resulta o cuidado que o intérprete deve ter ao aplicar a lei ao caso concreto.

E felizmente as deduções acima, foram observadas pela Corte Superior de Justiça, havendo em tempo, correção da má interpretação que vinha o Tribunal Estadual dando a lei penal, particularmente, no que tange ao artigo 50 da LEP.

Assim, correto é entender que o artigo citado não contempla a possibilidade de se constituir em falta grave, o fato do réu recusar-se a ser citado pelo meirinho que tenta dar cumprimento a ato judicial, no caso, a citação.

Porque o legislador não previu diante do rol que elencou no artigo 50 da LEP, para as faltas tidas como graves, esta modalidade de ação patrocinada pelo preso.

Ora, diante do que foi exposto, o único entendimento do intérprete que leve em conta o modelo legal constitucional delineado, é aquele que conclui pela não extensão da norma, levando ao brocardo “onde a lei não estende o entendimento, não cabe ao intérprete fazê-lo”, como quiçá, pretendeu a Corte Estadual de Justiça.

Porquanto, o v. acórdão proferido vinha dando interpretação em desconformidade com a lei de execução penal, ofendendo o princípio da legalidade, e, portanto, sedimentando entendimento completamente desvirtuado com o estado democrático de direito de que se alude, merecendo reparação.

De se alinhavar ainda, que os erros pautados pelo v. acórdão vinham descendo pelo abismo da ilegalidade, daí o reforço do acerto e correção pela Corte Superior de Justiça.

Pois, pior do que amoldar à lei fatos por ela não previstos, é a utilização de mecanismos de repressão e punição tidos como legitimadores do Estado feudal vigente até o fim do século XVII, onde o poder soberano tudo ditava; as regras e não-regras eram unilateralmente decididas e aplicadas, não raro, sobre o corpo do condenado, onde o processo era instrumento poderoso a serviço do estado na supressão de direitos e garantias individuais.

Neste quadro tenebroso, se adéqua o v. acórdão que decidiu pela aplicação da drástica pena de isolamento pelo prazo de trinta dias ao preso faltante ao ato processual citatório, ato, aliás, plenamente suprível por outro, sem que houvesse prejuízo algum ao curso do processo.

Assim, não há como deixar de afirmar desarrazoada, desequilibrada e ilegal a decisão que perfilou o entendimento que ora se analisa, pois sem critério ou parâmetro algum, fixou penalidade administrativa de grande prejuízo ao réu, ante a prática de suposta falta plenamente suprível, vale dizer, a possibilidade da certificação do fato pelo oficial da não ocorrência da citação diante da ausência do citando, seguida da entrega do mandado dando o réu por citado (entendimento este assentado pela r. decisão da lavra da Senhora Ministra Relatora do caso).

Ainda descendo pelo gargalo da ilegalidade, a questão da perda dos dias remidos ante a suposta falta praticada pelo réu preso.

Não é de hoje que se discute da inconstitucionalidade do dispositivo inserido no caput do artigo 127 da LEP, na medida em que trata desigualmente os iguais.

Assim, dá referido artigo tratamento ao preso que trabalha, nítido viés discriminatório, na medida em que, se este comete falta grave no curso da execução penal, além da medida punitiva correspondente (artigo 53, inciso III e IV da LEP), perderá os dias remidos, ao passo que o preso que não trabalha, incidindo na mesma modalidade de falta, somente sofrerá a punição respectiva.

Tal discriminação ofende os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da individualização da pena.

Ocorre ainda, que a discussão não se esgota aí, e tangencia novamente o espectro da razoabilidade, na medida em que nos remete à seguinte questão: É justo, razoável e proporcional, que aquele que já se beneficiou do trabalho para redução de seu tempo no cárcere, perca este patrimônio adquirido, por ter cometido falta grave durante o transcurso da execução de sua pena?

Parece que diante do texto constitucional e das disposições já levantadas, a resposta é pela impossibilidade, e, apenas para dar sustentação à conclusão, usamo-nos de um dos efeitos da r. decisão que homologa referido beneplácito legal, vale dizer, o trânsito em julgado, fenômeno processual de segurança jurídica, à impossibilitar qualquer modificação ou revisão do título executivo uma vez ultrapassada a possibilidade de interposição de recurso.

Para acalorar o debate, frise-se que recentemente o Supremo Tribunal Federal editou a súmula vinculante n° 09, que em outras palavras, rubrica que à perda dos dias remidos causada pela prática de falta grave, pode ser superior a trinta dias, alcançando, portanto, e ao menos em tese, todo o tempo da pena já remido.

Entretanto, e por tudo visto, há várias razões para desejar seja a r. decisão proferida a esteira de novas prolatadas, e que estejam na direção do respeito aos preceitos contidos no texto constitucional e lei ordinária infra constitucional, à legitimar este estado como cumpridor dos seus mandamentos.

Luis Eduardo Crosselli
Advogado
Coordenador-adjunto do Departamento de Internet do IBCCRIM


        


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