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Entrevista do Dr. Marco Antônio R. Nahum ao jornal Diário de São Paulo, 08 de agosto de 2004

Publicado em 10/08/2004

JUIZ DIZ QUE A CONSTITUIÇÃO IMPEDE QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO INVESTIGUE

O Supremo Tribunal Federal deverá tomar nesta semana decisão sobre um tema que nos últimos meses tem provocado muita polêmica em todo o país: o Ministério Público pode ou não conduzir uma investigação? A instituição desfruta de credibilidade perante a população, ma há juristas que são contra esse poder

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve votar nesta semana a matéria que vai determinar se o Ministério Público (MP) pode ou não conduzir uma investigação. O assunto tem causado polêmica e é discutido por vários setores da sociedade. Por um lado, a instituição desfruta de credibilidade junto a população por causa de investigações que desarticularam braços do crime organizado, como a Operação Anaconda, onde um grupo formado por juízes e delegados federais foram presos acusados de vender sentenças judiciais. Para representantes do MP, há legalidade nas investigações, porque há amparo na Constituição Federal.
Do outro lado, inúmeros juristas são contra o poder de investigação do MP, pois consideram inconstitucional. O juiz de Direito Marco Antônio Rodrigues Nahum, do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo (Tacrim), acredita que não há nada na lei que justifique uma investigação conduzida exclusivamente pelo MP: "O MP é sempre parte do processo. Sua função é buscar provas para a acusação. Quem acusa, não pode ser responsável pela investigação, que deve ser feita pela polícia."
Nahum acredita que os ministros do STF votem contra o poder de investigação do MP. "A inconstitucionalidade das investigações do Ministério Público chegou até o Supremo Tribunal Federal. Não quero defender uma instituição, quero que a Constituição seja respeitada." A seguir, a entrevista que o juiz concedeu ao DIÁRIO.

-DIARIO -O senhor é a favor de que o Ministério Público (MP) conduza uma investi gação?
-Marco Antônio Nahum -A questão não se restringe a esse limite de ser favorável ou ser contrário. O importante é discutirmos se a Constituição Federal permite ou se ela não permite que o Ministério Público conduza uma investigação criminal de forma direta. Eu estudei um pouco essa questão e cheguei a conclusão que a Constituição impede o MP de fazer diretamente uma investigação criminal.

-Então, qual a posição do senhor nessa questão?
-Eu sou a favor da Constituição, porque ela não permite esse tipo de investigação direta realizada pelo MP. E como tal, eu considero toda investigação realizada dessa maneira direta inconstitucional.

-O senhor considera as investigações já realizadas pelo MP; como a Operação Anaconda, como ilegais?
-Eu particularmente acho que as investigações feitas pelo MP podem ser aproveitadas, desde que elas sejam aceitas pelas partes do processo, ou seja, a defesa, a própria acusação e, principalmente, o poder judiciário. Pois as provas colhidas pelo MP, em si, são ilegais, mas nada impede que elas sejam avaliadas pela polícia, que é a titular desse poder de investigação, e reaproveitadas no futuro durante o processo.

-Então, em que o MP se apóia para conduzir uma investigação direta?
-Um dos argumentos que o MP apresenta é do quem pode mais pode menos. Ou seja, quem é titular da ação penal, pode fazer a investigação. Para você propor uma ação penal é um tipo de procedimento, já o inquérito há outro. A Constituição é clara ao passar ao MP a possibilidade de passar o poder para entrar com a ação penal. Essa mesma Constituição diz que é de poder restrito da polícia fazer investigação criminal de forma direta. Em outras palavras, existe um poder para o MP e também há um outro poder para a polícia. Uma coisa não exclui a outra.

-O senhor acha que não há nenhum poder de investigação para o MP?
-A investigação indireta já é de responsabilidade do MP. Quando se conclui que o inquérito feito pela polícia é lento e mal feito, o MP indiretamente é responsável por isso, porque ele (MP) supervisiona essa investigação criminal feita pela polícia. O Ministério Público tem o poder de controle externo da polícia.

A Constituição diz que é de poder restrito da polícia fazer investigação criminal direta

-Em recente entrevista, a procuradora do Ministério Público Federal Janice Ascari disse que os juristas favoráveis ao impedimento de investigações feitas pelo MP confundem diligências investigatórias com inquéritos conduzidos exclusivamente pelo MP; -A procuradora Janice Ascarié uma das pessoas que mais respeito no MP, mas isso é um jogo de palavras. Qual é a diferença de diligência investigatória e inquérito? Essa figura não está prevista no sistema jurídico. Eu quero discutir o ângulo constitucional do poder de investigação direta realizada pelo MP. Se o Congresso Nacional mudar a Constituição, considerando a importância do MP, tudo bem. Mas do jeito que está, é inconstitucional.

-Mas outras instituições, como o Ministério da Justiça, a Corregedoria Geral da União e até o Congresso Nacional, também não fazem investigações diretas?
-As investigações desses Órgãos são feitas por meio da polícia. Os elementos de prova para se tomar uma ação penal devem ser levadas para o Ministério Público pela polícia. A CPI, por exemplo, leva elementos de prova para a polícia buscar as provas criminais. Mas as CPls não são inquéritos policiais, que têm suas características próprias. Uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa.

-Se o STF determinar que o MP não tem poder de investigar, como ficarão as investigações já iniciadas?
-Acredito que no conteúdo da decisão, o STF irá definir se as investigações devem ser anuladas ou aproveitadas pela polícia, desde que apreciadas pelo Poder Judiciário.

-Nos últimos anos, o MP criou uma imagem de credibilidade junto à sociedade. Como seria a reação dela, caso o STF proíba o MP de conduzir uma investigação?
-Vou responder primeiro sob o ângulo da sociedade. Nem tudo que a sociedade acha bom é constitucional. Por exemplo, seria um imenso retrocesso para a sociedade a adoção da pena de morte. Eu tenho dúvidas, ante a campanha que alguns órgãos de imprensa fazem, que a sociedade não acha em alguns momentos que isso seria a solução. Mas quem discute seriamente o Direito sabe que uma medida como essa causaria mais traumas à própria sociedade. Ou seja, um leigo tem uma visão diferente de um especialista. O que vale é como faremos valer a Constituição.

-E quanto ao ângulo do MP?
- A medida que eu acho inconstitucional a investigação por parte do MP, algumas pessoas menos avisadas até da própria instituição acham que estou fazendo oposição. Muito pelo contrário, eu tenho o maior respeito pelo MP, que é uma das instituições mais salutares do país. No fundo, eu também tenho medo que o poder de investigação não passe um desprestigio imenso ao MP, porque normalmente quem trata direto com os problemas sociais, acaba se envolvendo. Temos vários problemas com a polícia, porque ela está diretamente envolvida no combate aos marginais. Isso me traz receio ao ver o MP numa investigação criminal como se fosse um elemento policial. Acho que abre a guarda para oportunidades que hoje a instituição não tem. O sucesso de uma investigação não está na instituição responsável, mas sim, na estrutura que o estado dá.

Não há legalidade em uma investigação conduzida diretamente pelo Ministério Público

-E se o MP tivesse a estrutura que o estado oferece à polícia?
-Tenho certeza que o resultado seria o pior possível, porque a polícia está sem estrutura para trabalhar. Qualquer outra instituição que trabalhe com as condições atuais da polícia chegará a péssimos resultados. A questão não está no nome da instituição, mas nas condições que os homens terão para desenvolver uma investigação. Ao invés de colocarmos o MP na frente de batalha, onde ele sofrerá baixas, como qualquer infantaria pode sofrer numa guerra.

-Em termos de corrupção?
-Em termos de tudo. Todos os problemas que a polícia enfrenta, o MP também enfrentaria, não tenho a menor dúvida. Acho que deveríamos lutar para que a polícia fosse bem estrutura e valorizada. No dia em que valorizarmos a polícia, a carreira do policial, eu não tenho dúvida que a situação vai melhorar muito. Estamos tentando tapar o sol com a peneira. O que vai resolver é tratarmos a seriedade do problema como ela merece. Eu acho que essa atribuição que os próprios membros do MP estão querendo, pode macular a imagem da instituição.

- Alguns "segredos" do crime organizado foram desvendados por investigação do MP, como a Operação Anaconda, a Máfia dos Fiscais. O senhor acredita que a policia chegaria a esses resultados?
-A exceção não faz a regra. Se a polícia tivesse estrutura e, principalmente, uma corregedoria do próprio MP chegaria aos mesmos resultados. Por que se chega a resultados nas investigações como no caso Anaconda, mas não se chega ao mesmo resultado para o João da esquina, que não tem a mesma proteção da instituição? Por que selecionamento de casos? Há casos de primeira e de segunda categoria? Vai se criar um problema muito maior no país do que já existe.

Taxativamente está escrito na Constituição que o Ministério Público não pode investigar

-Qual decisão o senhor espera que o STF tome? -O STF vai verificar a constitucionalidade da questão. Até agora, não vi nenhum argumento jurídico que mostre isso. Todos os juristas com quem conversei chegam a mesma conclusão. Não há legalidade em uma investigação conduzida diretamente pelo MP. Na Constituição está vetada o poder de investigação da instituição. Assim, chego a conclusão que o STF não será contrário às leis que regem o país. Está surgindo uma nova especulação de que durante uma investigação da polícia, o MP pode assumir o comando da mesma, porque nada impediria isso. É claro que isso é um absurdo. Se você não pode investigar, você não pode investigar em nenhum momento. Taxativamente está escrito na Constituição que o MP não pode investigar.

-Por que o MP investigou vários casos e nunca se discutiu o assunto?
-É por isso que o caso está no STR quem tem de decidir é o Supremo. Se fala tanto na reforma do Judiciário, mas o que deve ser discutido é a reforma do nosso sistema processual. Outro ponto, é a reforma da nossa legislação, que é de 1940. Isso ninguém fala. As pessoas criticam o Poder Judiciário como só existisse no Brasil juiz que não trabalha. Isso não é verdade e nem é uma realidade. O Judiciário brasileiro está atolado em processos, porque temos uma legislação antiga que precisa ser adaptada para os tempos atuais. Só venceremos o problema quando o olharmos de frente e não tentando contorná-lo, como é essa questão do poder de investigação do MP. Quanto mais forte for estruturalmente as nossas instituições, MP, policia e Judiciário, mais forte será a democracia no nosso país.

- Marco Antônio Rodrigues Nahum é juiz do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo (Tacrim), mestre e doutorando em Direito das Relações Sociais pela PUC..SP e presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Ele assumiu o cargo no início de 2003 e o mandato termina em dezembro deste ano.
O IBCCrim é uma entidade não-governamental, sem fins lucrativos, fundada em 14 de outubro de 1992, com sede própria na Capital. Possui atualmente cerca de 5 mil associados, entre juízes, procuradores e outros juristas de vários estados. A entidade tem por finalidade a defesa dos direitos humanos, dos direitos das minorias e dos marginalizados, assim como a defesa dos princípios do Estado Democrático de Direito. "O nosso alvo é assegurar a dignidade da pessoa humana mediante um Direito Penal de intervenção mínima", diz Nahum.
Segundo o juiz, o IBCCrim é reconhecido nacional e internacionalmente, em especial por causa do trabalho especializado na área de ciências criminais. "Atuamos em um âmbito abrangente de influências no campo da atuação profissional, política, de formação continuada de profissionais, de pesquisa e de prestação de serviços à comunidade. Um dos nossos motivos de orgulho é que possuímos a melhor biblioteca de pesquisa na área de ciências criminais", salienta.


        


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