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Mesa de Estudos e Debates: Projeto de Lei da Defensoria Pública, 16/jun/2005, às 10:00h (VEJA AQUI O RESUMO!)

Debatedores:

Maurício Zanoide de Moraes (Presidente do IBCCRIM)
Padre Valdir (Representante da Entidade pró-criação da Defensoria Pública)
Rodrigo Garcia (Presidente da Assembléia Legislativa) – a confirmar
Vitore André Maximiliano (Procurador do Estado)

Resumo da Mesa de Estudos, obtido da exposição realizada pelo Padre Valdir (Representante da Entidade pró-criação da Defensoria Pública):

Sistema prisional e assistência judiciária

Introdução

Nos alicerces de toda a sociedade humana existem corpos dilacerados de vítimas humanas... Isto é verdade mesmo materialmente. A arqueologia sabe disso, pois as escavações trouxeram à luz do dia os restos mortais, os esqueletos, dos que outrora foram sacrificados para consagrar a cidade.

A teoria de que são necessárias vitimas humanas para a sociedade avança se aplica a defensoria Publica do Estado de São Paulo.

Enquanto isso pessoas pobres, analfabetas não tem acesso a justiça, são enjauladas, punidas: pelo furto de uma cesta básica, algumas barras de chocolate, pacote de bolachas, chá, refresco e doce de leite, ou pelo furto de um vidro de xampu, como no caso da empregada domestica Maria Aparecida de Matos, que ficou presa um ano e sete dias.

O que temos no sistema carcerária de irregularidades de negação aos direitos de defesa da pessoa ainda não é suficiente. É preciso que mais corpos humanos sejam dilacerados. Prender, fura os olhos de uma mulher pobre, analfabeta, mãe de duas crianças , no cárcere é pouco, não basta.

O atual estado do sistema penitenciário paulista revela que, uma das principais barreiras para a melhoria do sistema, é a deficiente assistência judiciária aos presos do Estado. Das queixas e solicitações apresentadas pelos presos e familiares, aquelas relacionadas a questões judiciárias superam de longe as demais. A fim de elucidar essas afirmações, seguem abaixo números do relatório da Pastoral Carcerária a respeito das demandas de presos, nos meses de janeiro e fevereiro de 2005.

  Queixas e solicitações

Quantidade

Em %

Abuso de poder

9

0,75%

Agradecimento

13

1,09%

Consultas e manifestações em processos

458

38,26%

Pedidos de benefícios na execução penal

216

18,05%

Desinternação RDD/RDE

2

0,17%

Reclamações

3

0,25%

Transferência por aproximação familiar

179

14,95%

Risco de vida

59

4,93%

Problemas com saúde

27

2,26%

Remoções para regime adequado

41

3,43%

Remessa de carta guia e processo de execução

47

3,93%

Transferência para CR

13

1,09%

Solicitação de visita pastoral

1

0,08%

Pedidos diversos

129

10,78%

 Total de presos

1197

100,00%

Comentário dos números

Dos números acima apresentados, verifica-se que, de um total de 1197 contatos de presos e familiares com a Pastoral Carcerária, 60, 4 % referem-se à assistência judiciária. Desses, os pedidos de consulta e de manifestação em processo são, significativamente, o maior número, 38,26 % do total geral, o que significa dizer que os presos permanecem ignorantes sobre sua situação processual. Em geral, somente aqueles que têm advogado particular ou com pena muito alta e, portanto, sua execução segue um pouco mais regular, conhecem o estado de seu processo e de sua execução.

Os pedidos de benefícios, a saber: livramento condicional, progressão de regime, remição, indulto e comutação de pena, seguem em segundo lugar, representando 18,05 % do total.

Pode-se argumentar em desfavor desses números que algumas dessas solicitações sejam feitas quando já existem pedidos pendentes na vara de execuções criminais. No entanto, o número é elevado, e demonstra a carência de assistência judiciária nos estabelecimentos penais. Admitindo-se que alguns desses pedidos já tenham sido feitos pela assistência judiciária local, ainda assim, duas conclusões devem ser tomadas: Os pedidos levados à vara de execução demoram tanto para serem julgados que o preso freqüentemente crê que ele não foi realmente feito, ou mesmo que tenha sido negado.

Outra conclusão inevitável está relacionada à falta de informação ao preso sobre o andamento de seu pedido de benefício, e nisso transparece a carência de assistência judiciária. O preso, freqüentemente mal informado, busca outras instâncias, como a família, a Secretaria de Administração Penitenciária, envia cartas a órgãos de governo que nada têm a ver com a sua questão processual. Diante do vácuo deixado pela falta de assistência, busca o preso preenchê-lo de outras formas que não as vias ordinárias, resultando numa situação caótica e difícil de ser contornada.

A demora nos julgamentos se deve, entre outros motivos, às freqüentes transferências de presos dentro do sistema com conseqüente remessa do processo de execução, sem considerar que, não poucas vezes, há pedidos de benefícios pendentes; à ignorância de muitos advogados a respeito do processo de execução, pois estes, por não conhecerem bem a execução, não poucas vezes atropelam o andamento do processo com pedidos descabidos; a falta de sistematicidade do processo de execução, pois os pedidos, em virtude das exigências do processo, demoram meses e até anos para serem julgados. É comum haver presos no regime fechado, que vêem suas penas extintas sem terem a oportunidade de receber o benefício do livramento condicional e da progressão de regime.

Mulheres

A situação das mulheres é absurda. Na cadeia pública feminina de Pinheiros, onde há mais de 1200 mulheres presas, não existe nem sequer um advogado no atual momento para orientá-las. Muitas mulheres estão em prisão cautelar e mesmo condenadas por crimes de insignificância. Abaixo citamos alguns casos de presas na cadeia pública, que só estão lá em virtude da insuficiência da assistência judiciária gratuita paulista.

ROSIMEIRE ROSA DE JESUS (33) - condenada a 11 meses e 20 dias de reclusão mais ao pagamento de 7 dias multa, por tentativa de furto. Presa DESDE 20 de agosto de 2004, SEM DIREITO A APELAR EM LIBERDADE. Sentença datada de  18 de março de 2005. - objeto: uma duchinha elétrica - O segurança do supermercado viu a atitude da moça pelo monitor e quando ela saiu, foi atrás com a polícia militar para prendê-la.  

JAQUELINE APARECIDA DA SILVA  (24) - PRESA EM 30/08/2004 - SOLTA EM 17 DE MAIO DE 2005, após passar todo o tempo de gravidez e ter o filho dentro do sistema prisional -  motivo. Furto de 9 barrinhas de chocolate, 1 pacote de bolachas, chá, refresco e doce de leite. -  ela estava acompanhada de  um rapaz que assumiu o furto consumado dizendo que era para ela que grávida estava com fome. Foram os dois condenados . Condenada a 9 meses e 10 dias de reclusão e 3 dias multa, substituída por restritiva de direitos.

ALESSANDRA APARECIDA DE SOUZA  (30)  - presa em 26/04/04 - por tentativa de furto qualificado  de 30 barras de chocolate (10 estavam com ela e 20 com um rapaz) - pelos péssimos antecedentes (crimes semelhantes) condenada a 1 ano e 6 meses, mais 6 dias multa, regime inicial fechado, sem direito a qualquer outro benefício. - não poderá apelar em liberdade.

MARIA APARECIDA VIEIRA (43) produtos de perfumaria avaliados em R$35,54 - foi presa antes de sair da perfumaria e antes de passar pelo caixa - presa em 10/11/04, por tentativa de furto e denunciada por furto consumado; grávida de 8 meses sem qualquer atendimento pré-natal; concedida a liberdade provisória em 15 de março de 2005. Ainda não foi sentenciada - e é analfabeta

Defesa durante o inquérito

Não há razão para que o preso provisório, em especial o que foi em flagrante, esperar até o interrogatório para que lhe seja constituído um advogado. Mesmo aceitando que durante a fase de investigações não se admita o contraditório e a ampla defesa, nada impede que se constitua advogado a fim de velar pelos interesses do preso. De fato, a falta de previsão legal de assistência judiciária gratuita tem gerado situações discrepantes, pois aqueles que podem custear advogado particular, mais facilmente respondem aos processos em liberdade e sofrem menos os eventuais abusos perpetrados por autoridades.

Se o defensor não pode exercer em favor do preso o contraditório, poderá ao menos impetrar hábeas corpus, pedir liberdade provisória, relaxamento do fragrante e orientar o preso e seus familiares sobre sua situação.

Do que foi dito, não resta outra conclusão se não a de que é premente a necessidade de instituição da Defensoria Pública no estado de São Paulo, a fim de amenizar a crescente violação dos direitos dos presos e fazer retornar por parte dos cidadãos a crença na justiça.

Dessa forma, ainda que já estejam mencionados no anteprojeto de lei que cria a Defensoria Pública em São Paulo, cremos que três previsões legais sejam importantes:

1 – Presença de defensores permanentemente em todos os estabelecimentos prisionais;

2 – Que seja dado conhecimento à Defensoria Pública de toda prisão em flagrante, quando houver concordância do preso;

3 – Criação, dentro do Núcleo Especializado para a situação carcerária, de uma “comissão” para a mulher presa.

Finalizando, creio que deveriam ser punidos os órgãos e instituições que, até hoje, negaram ou impediram a criação da defensoria Publica no Estado de São Paulo. Que sejam punidos, criminalmente, por terem deixado presas pessoas como Maria Aparecida de Matos por ter furtado um vidro de xampu e tantas outras, como as citadas acima.

Termino perguntando: Quantas pessoas, ainda serão necessárias, ser oferecidas em sacrifícios ou ter vazado a vista, para que a Defensoria Publica seja criada no Estado de São Paulo?


           


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