INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 62 - Janeiro / 1998


Editorial

A criminologia clínica e a lei penal

Claudio Th. Leotta de Araújo

Médico criminologista do Centro de Observação Criminológica, professor colaborador da USP, professor de Criminologia da Academia de Polícia Civil do Estado de São Paulo e membro do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo

A Criminologia Clínica, aparentemente, tem suas raízes na "Antropologia Criminal" e, freqüentemente, usa de terminalogia de natureza "médica". Através de uma "postura clínica", chega a um "diagnóstico", pretende realizar uma ressocialização do infrator ("terapia") e elabora um "prognóstico" (quanto a uma possível e provável reincidência).

Alguns críticos dessa escola consideram na própria denominação Criminologia Clínica uma postura questionável que implica em se considerar o infrator "um doente". É necessário pontuar que os termos médicos aqui utilizados sempre se acompanham de um adjetivo (criminológico) que lhes atribui significado próprio e específico. Outros consideram o comportamento delitivo como "desviante" e produto de "uma patologia social". É preciso assinalar que a "escola clínica", afastando-se de conceitos genéricos, está fundamentada em "princípios permanentes", oferecendo recursos técnicos e científicos para uma adequada avaliação de cada caso particular. A Criminologia Clínica apresenta-se como ciência de "casuística", mas com base na pesquisa e até na experimentação. Tudo o que é "genérico" e "social" precisa ser convenientemente sopesado na específica e particularíssima dinâmica delitiva de cada infrator. Exige, em cada eventualidade, no exame do infrator, no estudo de sua personalidade, um estudo amplo e de duplo sentido: analítico e sintético. Portanto, na análise do comportamento individual de cada autor de delito ou delitos, se não forem respeitados os conceitos desta escola, seguramente, a "observação" terá adotado outros conceitos (provável e possivelmente de aplicação duvidosa ou de caráter generalista). A Criminologia clínica é "teórico-prática"; seus princípios fundamentais apresentam duas características: (1) são produtos de observações casuísticas e (2) são "permanentes", pois definem uma linha de pensamento em atuação. Essa escola clínica reitera que inexiste doutrina sem base na observação e esta se faz sobre fundamento científico (desprovido de ideologia). A vigente legislação penal brasileira (CP, CPP e LEP) adota conceitos da Escola de Criminoligia Clínica. Afora a legislação para o infrator anormal que não tem condições de entender a natureza ilícita do seu ato, vem de se determinar de forma adequada e cujo delito se apresenta em decorrência de sua patologia mental, adquirindo características de "sintoma" dessa anormalidade, não devendo ser apenado, pois disso não resultaria benefício algum, quer pessoal, quer social. Esse infrator necessita de tratamento psiquiátrico, que deve ser providenciado e até imposto. Ficam sujeitos à medida de segurança, em substituto à pena. Interessam-nos, na presente abordagem, as considerações do exame do infrator normal (sem perturbação mental), segundo a Criminologia Clínica, o que difere das anteriormente propostas pela Antropologia Criminal (que se inspirou nos conceitos lombrosianos) e pela Biotipologia Criminal (sob a influência dos conceitos de Pende).

O exame da personalidade do infrator em seus aspectos biopsicossociais, suas motivações delituosas e a participação na dinâmica do delito caracterizam a postura clínica dessa escola, que parece ter sido definida no 1º Curso Internacional de Criminologia Clínica, sob a liderança de Pinatel (início da década de 50).Trata-se de uma observação interdisciplinar e multiprofissional que busca uma compreensão global do comportamento do criminoso, com vistas a um planejamento da assistência a lhe ser oferecida, uma triagem para indicar o estabelecimento adequado a cada caso e obter dados que auxiliem na formação de um prognóstico criminológico.

Em síntese, esta postura clínica implica em:

a) um exame classificatório inicial;

b) uma triagem para endereçar o sentenciado ao estabelecimento adequado;

c) elaboração de um plano de assistência pluriprofissional;

d) reavaliações periódicas;

e) estudo prospectivo: prognose criminal.

Todos os fundamentos da Criminologia Clínica foram consagrados na vigente Legislação Penal Brasileira. Senão, vejamos.

A exposição de motivos do vigente Código Penal (Lei nº 7.209, de 11.07.84) no inc. 31 estabelece: "Institui-se, no regime fechado, a obrigatoriedade do exame criminológico para a seleção dos condenados conforme o grau de emendabilidade e conseqüente individualização do tratamento penal". Também a "exposição de motivos" da Lei nº 7.210, de 11.07.84, Lei da Execução Penal, retoma nos incs. 27 a 35: "A classificação dos condenados é requisito fundamental para demarcar o início da execução científica das penas privativas de liberdade e da medida de segurança detentiva. Além de constituir a efetivação de antiga norma geral do regime penitenciário, a classificação é o desdobramento lógico do princípio da personalidade da pena, inserido entre os direitos e garantias constitucionais. A exigência dogmática da proporcionalidade da pena está igualmente atendida no processo de classificação, de modo que a cada sentenciado, conhecida sua personalidade e analisado o fato cometido, corresponda o tratamento penitenciário adequado." — "Reduzir-se-á à mera falácia o princípio da individualização da pena, com todas as proclamações otimistas, se não for efetuado exame da personalidade no início da execução, como fator determinante do tipo de tratamento penal e se não forem registradas as mutações de comportamento ocorridas no itinerário da execução." — "O projeto cria a Comissão Técnica de Classificação com atribuições específicas para elaborar um programa de individualização e acompanhar a execução das penas privativas de liberdade e restritivas de direitos. Cabe-lhe propor as progressões e as regressões de regimes, bem como as conversões que constituem incidentes de execução resolvidos pela autoridade judiciária competente." — "Fiel aos objetivos assinalados, ao dinamismo do procedimento executivo, o sistema atende não somente aos direitos do condenado, como também, e inseparavelmente, aos interesses da defesa social. O mérito do sentenciado é o critério que comanda a execução progressiva, mas o projeto também exige o cumprimento de pelo menos um sexto do tempo de pena no regime inicial ou anterior. Com esta ressalva, limitam-se os abusos a que conduz a execução arbitrária das penas privativas de liberdade em manifesta ofensa aos interesses sociais. Através da progressão, evolui-se do regime mais rigoroso para outro mais brando (do regime fechado para o semi-aberto; do semi-aberto para o aberto). Na regressão dá-se o inverso, se ocorrer qualquer das hipóteses previstas para o projeto, entre elas a prática de fato definido como crime doloso ou falta grave." — "Em homenagem ao princípio da presunção de inocência, o exame criminológico, pelas suas particularidades de investigação, somente é admissível após declarada a culpa ou a periculosidade do sujeito. O exame é obrigatório para os condenados à pena privativa de liberdade em regime fechado." — "A gravidade do fato delituoso ou as condições pessoais do agente, determinante da execução em regime fechado, aconselham o exame criminológico, que se orientará no sentido de conhecer a inteligência, a vida afetiva e os princípios morais do preso, para determinar a sua inserção no grupo com o qual conviverá no curso da execução da pena." — "A ausência de tal exame e de outras cautelas tem permitido a transferência de reclusos para o regime de semiliberdade ou de prisão albergue, bem como a concessão de livramento condicional, sem que eles estivessem para tanto preparados, em flagrante desatenção aos interesses da segurança social." — "Com a adoção do exame criminológico entre as regras obrigatórias da execução da pena privativa de liberdade em regime fechado, os projetos de reforma da Parte Geral do Código Penal e da Lei de Execução Penal eliminam a controvérsia ainda não exaurida na literatura internacional acerca do momento processual e dos tipos criminológicos de autores passíveis desta forma de exame. Os escritores brasileiros tiveram o ensejo de analisar mais concretamente este ângulo do problema com a edição do Anteprojeto do Código de Processo Penal elaborado pelo professor José Frederico Marques, quando se previu o exame facultativo de categorias determinadas de delinqüentes, no curso do processo ou, conforme a condição do autor, no período inicial do cumprimento da sentença (Álvaro Mayrink da Costa, Exame Criminológico, São Paulo, 1972, pp. 255 e seguintes). As discussões amplamente travadas a partir de tais textos revelaram que não obstante as naturais inquietações a propósito dos destinatários das investigações e da fase em que se deve processá-las, a soma das divergências não afetou a convicção da necessidade desse tipo de exame para o conhecimento mais aprofundado não só da relação delito-delinqüente, mas também da essência do evento anti-social." — "O projeto distingue o exame criminológico do exame de personalidade como a espécie do gênero. O primeiro parte do binômio delito-delinqüente, numa interação de causa e efeito, tendo como objetivo a investigação médica, psicológica e social, como reclamavam os pioneiros da Criminologia. O segundo consiste no inquérito sobre o agente para além do crime cometido. Constitui tarefa exigida em todo o curso do procedimento criminal e não apenas o elemento característico da execução ou da medida de segurança. Diferem também quanto ao método esses dois tipos de análise, sendo o exame de personalidade submetido a esquemas técnicos de maior profundidade nos campos morfológico, funcional e psíquico, como recomendam os mais prestigiados especialistas, entre eles Di Tullio (Principi di criminologia generale e clinica, Roma, V. Ed., pp. 214 e seguintes)." — "O exame criminológico e o dossiê de personalidade constituem pontos de conexão necessários entre a Criminologia e o Direito Penal, particularmente sob as perspectivas de causalidade e de prevenção do delito." — "O trabalho a ser desenvolvido pela Comissão Técnica de Classificação não se limita, pois, ao exame de peças ou informações processuais, o que restringiria a visão do condenado a certo trecho de sua vida, mas não a ela toda. Observando as prescrições éticas, a Comissão poderá entrevistar pessoas e requisitar às repartições ou estabelecimentos privados elementos de informação sobre o condenado, além de proceder a outras diligências e exames que reputar necessários".

Escusado reiterar, como facilmente se percebe, que aí está um conjunto de conceitos próprios da Criminologia Clínica.

Claudio Th. Leotta de Araújo
Médico criminologista do Centro de Observação Criminológica, professor colaborador da USP, professor de Criminologia da Academia de Polícia Civil do Estado de São Paulo e membro do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo.



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