INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 46 - Setembro / 1996





 

Coordenador chefe:

Tatiana Viggiani Bicudo e Roberto Podval

Coordenadores adjuntos:

Conselho Editorial

Editorial

A amplitude constitucional do direito ao silêncio

Carlos Alberto Marchi de Queiroz

Delegado de polícia e Professor de Direito

Com a promulgação da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, consagrou-se, de forma definitiva, no Brasil, o brocardo nemo tenetur se detegere, ou seja, ninguém pode ser compelido a auto-acusar-se, colaborando com o Estado-Leviatã, de que falava John Locke, para sua própria condenação.

Assim sendo, ao estatuir o inciso LXIII do artigo 5º da Lei Maior que "o preso será informado de seus direitos, entre os quais de permanecer calado, sendo assegurada a assistência da família e de advogado", o ordenamento constitucional brasileiro acabou por consagrar o célebre Miranda Case, em boa hora convertido em standard, ou súmula, pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América.

Em termos brasileiros, todavia, e de acordo com nosso modesto entendimento, o direito de permanecer calado não se circunscreve, unicamente, à interpretação fria e literal do cânone insculpido no inciso LXIII do artigo 5º da CF, mas, igualmente, a outras situações processuais penais, como aquela registrada em repertório jurisprudencial relativa ao direito do indiciado em não participar de reprodução simulada dos fatos a que se refere o artigo 7º do CPP, e, doutrinariamente, identificada como reconstituição do crime.

Acreditamos, outrossim, que o alcance da norma constitucional não pára por aí. Protege, igualmente, o detido ou o preso no tocante à obrigatoriedade ao exame de dosagem alcoólica, ou de substância de efeitos análogos, v.g. entorpecentes, e, igualmente, ao exame de bafômetro, corriqueiramente realizado nos acostamentos de nossas rodovias.

Indo mais além, entendemos que o suspeito, o detido e o preso podem recusar-se a fornecer padrões gráficos para confronto em exame grafotécnico e, inclusive, recusar-se a participar de termo de acareação com a vítima ou com testemunhas do caso.

Recentemente, noticiaram os órgãos de imprensa escrita, falada e televisionada, sobre episódio em que um filho de importante empresário, após ser submetido ao teste da luva de parafina, também conhecido como exame residuográfico, transformou-se no principal suspeito da morte de seu pai, inicialmente tido como vítima de disparo acidental durante limpeza de sua arma de fogo.

Deve o exame residuográfico, assim como o de dosagem alcoólica, o teste do bafômetro, a reconstituição, a acareação e a colheita de material gráfico, ficar sob o manto de proteção do inciso LXIII do artigo 5º da Constituição Federal?

A resposta deve ser positiva, uma vez que ninguém pode ser submetido a tais situações precedimentais sem a prévia advertência exigida pelo comando constitucional, principalmente quando o futuro preso é ainda simples suspeito.

Cremos que ladear a imposição constitucional é provocar a exegese do inciso LVI do mesmo artigo que inadmite, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, cerne da teoria da árvore dos frutos envenenados.

Carlos Alberto Marchi de Queiroz
Delegado de polícia e Professor de Direito



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