INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 132 - Novembro / 2003





 

Coordenador chefe:

Celso Eduardo Faria Coracini

Coordenadores adjuntos:

Carlos Alberto Pires Mendes, Fernanda Emy Matsuda, Fernanda Velloso Teixeira e Luis Fernando

Conselho Editorial

Editorial

Criado o observatório latino-americano de política criminal

Os vários países que integram a América Latina identificam-se com objetivos comuns : a necessidade de concretização da democracia e a busca da liberdade, da igualdade, da justiça material e da defesa dos direitos humanos.

O processo de desenvolvimento econômico hoje adota a teoria da globalização com nota neoliberal. Nessa eleição prevalecem os interesses de mercado, e a exclusão social é conseqüência para a manutenção desse modelo. O Estado compromete a sua soberania na assunção do papel de instrumento de interesses financeiros internacionais.

Nesse contexto, o homem em sua essencialidade perde sua posição fundamental no ordenamento jurídico.

Por essa razão, constata-se especialmente nos países do continente americano uma forte tendência à desconstitucionalização e à deslegalização.

E os reflexos desse menoscabo aos direitos fundamentais no Direito Penal, Processual e Execução Penal são incontestes, acarretando para essas áreas mecanismos de funcionalização e de desformalização.

A funcionalização vincula as ciências criminais a uma política que confere à legislação penal a função de conter a criminalidade. A desformalização, por sua vez, busca suprimir ou reduzir barreiras processuais para tornar possível o uso de um instrumento politicamente repressivo.

Em atendimento a essa suposta premência e eficácia no combate à criminalidade, pretende-se o controle repressivo sem nenhum limite ético, ao preço de garantias penais e processuais penais já incorporadas, há muito tempo, ao patrimônio jurídico dos cidadãos.

Nesse cenário proliferam projetos e leis de caráter alarmista que proclamam soluções não apenas drásticas, mas ineficientes e simbólica, distantes de uma reação estatal adequada e proporcional.

O Poder Judiciário, também no mesmo passo, assume especial destaque nessa equivocada atuação. Recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo conferiu bem essa dimensão: no 9º Seminário Internacional do IBCCRIM seria apresentada a peça "Mulheres de Papel", baseada no texto "Homens de Papel", de Plínio Marcos, por detentas da Penitenciária Feminina do Tatuapé. A concessão de liminar em mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público impossibilitou a exibição, forçando-nos a questionar de que modo vislumbram, as autoridades responsáveis, que a pena criminal tenha caráter ressocializador.

O processo executório da pena tem como um de seus principais objetivos proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado (art. 1º da LEP). Não poderia ser mais evidente que a pretendida manifestação artística das sentenciadas era significativa contribuição para a sua reinserção social.

A sociedade, que se pretendeu protegida nesse episódio, só pode ser realmente defendida na medida em que o Estado Democrático e Social de Direito, no exercício de seu poder, nas esferas Legislativa, Executiva e Judiciária, concretize a sua opção por valores supremos, de ordem humana, como formas democráticas que estabelecem a relação dessa sociedade com o homem-pessoa, e não com o homem-indivíduo.

É do Estado o papel protagonista para o resgate da democracia, liberdade e igualdade materiais. Bem por isso é extenso o rol de direitos fundamentais e tem ele destaque nos textos constitucionais das ordens jurídicas interna e externa. O valor que os unifica é a essencialidade da condição humana e a sua dignidade.

Em lugar de equacionar a problemática da criminalidade, decisões desse jaez, penas recrudescidas, construção de presídios de máxima segurança, equipamentos tecnológicos de afastamento dos atores do processo e, enfim, a estandartização das ciências criminais — conforme o modelo anglo-saxão, pelo qual se inclinam os diversos países da América Latina —, comprometem a estrutura e a organização política do Estado Democrático e Social de Direito, porquanto reificam o homem.

Existe uma similaridade de processos históricos e de evolução das instituições políticas, sociais e econômicas dos países latino-americanos e, conseqüentemente, dos sistemas de controle social.

É necessária, pois, uma integração no atendimento do constitucionalismo regional e não local.

Sob a iniciativa e direção do IBCCRIM e da Maestria em Criminologia da Universidad Nacional Lomas de Zamora, da Argentina, está-se criando o Observatório Latino-Americano de Política Criminal com o escopo de contribuir com uma visão crítica e criativa para, num primeiro momento, o exame das atuações legislativas nesses países.

Tanto a ordem internacional, como a ordem constitucional interna, são moldadas e preenchidas pelo ideal de paz e pela busca das soluções de conflitos. Nesse mister, pretende o IBCCRIM, com o Observatório Latino-Americano de Política Criminal, colaborar para uma sociedade mais democrática, livre, solidária e compromissada com a construção legal da justiça social, sob o aspecto material.

A democracia da proximidade (Canotilho), nesses moldes adotada, pode ser o caminho para a redenção da dignidade humana castigada nesses tempos de globalização hegemônica.



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