INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

     OK
alterar meus dados         
ASSOCIE-SE


Boletim - 246 - Maio/2013





 

Coordenador chefe:

Rogério Fernando Taffarello

Coordenadores adjuntos:

Cecília de Souza Santos, José Carlos Abissamra Filho, Matheus Silveira Pupo e Rafael Lira.

Conselho Editorial

Editorial

O papel da polícia no Estado de Direito

O ano de 2012 foi marcado por uma série de acontecimentos ligados à atuação dos órgãos de segurança pública, dos quais emerge a necessidade de uma reflexão aprofundada sobre o papel das polícias e das guardas civis na atual sociedade, diante de suas características e problemas. No Estado de São Paulo, a Polícia Militar continua a ser questionada pelo uso desmedido da força, seja na repressão de manifestações pacíficas, seja nas cotidianas abordagens, operacionalizadas com a truculência habitual.

Noticiou-se que os altos índices de homicídios que se observaram no período podem ter sido alavancados, em certa medida, pela atuação de grupos dedicados à prática de execuções extrajudiciais e por possíveis excessos da própria corporação na repressão à criminalidade, acarretando uma nova “onda de violência” e instalando um clima de guerra entre o Estado e cidadãos. Uma guerra sem vencedores, ironicamente conduzida sob a bandeira da segurança pública.

Alguns acontecimentos também despertam a necessidade de análise do papel das guardas civis metropolitanas que, criadas com a função de proteger bens, serviços e instalações municipais, acabaram se tornando atípicas corporações de força de segurança pública. A falibilidade da interação das guardas civis com a sociedade foi simbolizada por uma desastrosa e violenta ação de seus membros contra skatistas na Praça Roosevelt em São Paulo, filmada e amplamente divulgada nos meios de comunicação, em que se observou a utilização do uso de força desproporcional e armas de efeito moral em uma situação que não demandaria um conflito policial. O caso, ali, exigia repensar-se a utilização do espaço público.

Longe de ser um incidente isolado, a violência contra os praticantes do skate, esporte amplamente difundido no Brasil, apenas demonstra o despreparo do órgão para lidar com a sociedade civil, o que já se observa há anos nas ações violentas contra ambulantes que têm suas mercadorias e bens pessoais arbitrariamente apreendidos e com moradores em situação de rua, que são simplesmente “varridos” ou “lavados” pelos órgãos de limpeza urbana com a ajuda das guardas civis. Recentemente, noticiou-se ainda que a Polícia Militar e Subprefeituras do Município de São Paulo teriam se unido para criar “Operações de Tolerância Zero”, cujo objetivo precípuo seria diminuir a criminalidade, o lixo e, pasmem, o número de moradores de rua.

São problemas sociais que lamentavelmente acabam adentrando a pauta dos órgãos de segurança pública e são agravados pelo despreparo de parte de seus membros na interação com a sociedade. Ademais, a militarização do policiamento ostensivo, apesar de ter guarida constitucional, já foi questionada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, que chegou a sugerir, no ano passado, a extinção das Polícias Militares no Brasil. Adicionalmente, as guardas civis, que não obstante não se estruturem como órgãos de polícia e tampouco sejam militares, demonstram-se historicamente eivadas de componentes daquela estrutura, bastando ver que dos onze Comandantes da Guarda Civil Metropolitana do Município de São Paulo, desde sua criação, nove são ligados à Polícia Militar ou ao Exército brasileiro, a indicar que se trata de “mais do mesmo”.

Diante de tal cenário, medidas recentemente anunciadas, apesar de louváveis, não parecem atingir os problemas estruturais das instituições de força pública. A Resolução SSP-05 de 2013, da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, proibiu a polícia de socorrer as vítimas de intervenção policial, com o fito de evitar a manipulação de cenas de crimes, e determinou que nos registros policiais sejam utilizadas as designações “lesão corporal  ou morte decorrente de intervenção policial” ao invés das malfadadas expressões “auto de resistência” ou “resistência seguida de morte”. Já a Secretaria de Segurança Urbana do Município de São Paulo anunciou que as abordagens da Guarda Civil Metropolitana a moradores em situação de rua deverão ser acompanhadas por assistentes sociais.

Mais do que medidas paliativas como essas, é urgente o debate sobre o papel da polícia e dos órgãos de força pública na sociedade. O aparato militarizado que se utiliza para a resolução de problemas da sociedade civil moderna se mostra cada vez mais anacrônico e inadequado, fomentando a arbitrariedade do Estado e colocando-o em choque contra seus próprios cidadãos. Enquanto sobrevier a cultura da repressão verticalmente hierarquizada, legado do período ditatorial, as forças policiais continuarão contribuindo para o aumento dos índices de violência no País e não permitirão a plena implantação do projeto de Estado arquitetado na Constituição da República há quase 25 anos. Como tantas leis e instituições, deve também a polícia se adaptar, ainda que com estrondoso atraso, ao Estado democrático material de Direito.



IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Rua Onze de Agosto, 52 - 2º Andar - Centro - São Paulo - SP - 01018-010 - (11) 3111-1040