INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - Ed. Especial CPP Ago/2010





 

Coordenador chefe:

Andre Pires de Andrade Kehdi

Coordenadores adjuntos:

Cecilia Tripodi, Eduardo Augusto Paglione e Renato Stanziola Vieira

Conselho Editorial

Editorial

EDITORIAL - Anteprojeto do novo Código de Processo Penal e a importância de sua exposição de motivos.

Alguém talvez diga que a intransigente defesa da consonância entre a exposição de motivos de um diploma legislativo e o corpo normativo que a ela se segue significa chover no molhado; ou que não passa de um inócuo - e, assim, ingênuo - truísmo.

No caso da Exposição de Motivos do Anteprojeto elaborado pela Comissão de Juristas do novo Código de Processo Penal (PLS 156/2009), a intransigência nada tem de indiferença aos pingos que caem no solo. E esse não é infértil. Ao contrário, os ditames da nova exposição de motivos são, assim espera o IBCCrim, frutuosas sementes do diploma que tanto, e há tempo, se aguardava.

A exposição de motivos parte da constatação da absoluta convergência quanto à necessidade de um Código Processual adaptado à nova ordem constitucional. Resgata lição fundamental em Estado que se pretenda de Direito e Democrático, segundo a qual a “eficácia de qualquer intervenção penal não pode estar atrelada à diminuição das garantias individuais”, até porque “as garantias individuais não são favores do Estado. A sua observância, ao contrário, é exigência indeclinável para o Estado.

A tal Exposição de Motivos aspira a uma refundação da matéria, quer sob o prisma da necessária luta por dar a cada cidadão e cidadã a segurança para exercer seus mais comezinhos direitos, quer sob o outro, de que todos os jurisdicionados (de imputados às vítimas) e participantes da cena processual em geral (defensores, advogados, juízes, promotores, assistentes, serventuários) tenham suas expectativas satisfeitas ou contidas, observado o limite de legitimidade da ação do Estado. Para tanto, seja pelo tratamento cuidadoso (e por isso inédito) que dá ao princípio acusatório, seja pela alvissareira idealização do juiz das garantias, seja por tratar em detalhes de cada participante da cena processual, a Exposição de Motivos remodela em boa medida os papéis de juízes, promotores, advogados, vítimas e assistentes.

A refundação do direito processual penal brasileiro não poderia se dar sem se lutar pela implementação do princípio acusatório, encampado, linha a linha, na exposição de motivos, até como ideal a se buscar na concretização do dia-a-dia forense da prática de cada norma do futuro Código.

Já a proibição do excesso na aplicação das normas de direito processual penal (particularmente em matéria de medidas cautelares) e a correlata adoção do chamado princípio da proporcionalidade - entendido na Exposição de Motivos como desdobramento do Estado Democrático de Direito e do devido processo legal - prenunciam novos e alvissareiros tempos.

Por outro lado, ao ter a Exposição de Motivos indicado que no novo Código não mais se admitirão as chamadas medidas cautelares inominadas, apegou-se salutarmente à regra da legalidade e também, ao ter previsto - pela primeira vez em nosso país - prazos máximos de duração de prisão preventiva, animou-se a obedecer a ideia de duração razoável do processo. Não há, pode-se ver agora, processo penal legítimo que não tenha amparo em normas constitucionais garantidoras dos direitos fundamentais.

O IBCCrim insiste na sensação de que a correlação a existir entre a exposição de motivos e o corpo normativo subsequente não deverá ser mais uma (entre tantas...) chuva no molhado. Espera-se seja um semear. Espera o IBCCrim, e para tanto tem dado sua parte, que o solo seja fértil e permita a germinação e a frutificação.

É com esse espírito, pois nosso instituto já se orgulha de, até aqui, ter-se manifestado sobre pontos parciais do anteprojeto ao se fazer ouvir pelos Senadores da República, ao ter-se manifestado por escrito em nota técnica encaminhada aos parlamentares e, também, ter mostrado sua opinião em outro Editorial (pelo habeas corpus, outra vez, edição 205), que apresentamos a edição especial deste Boletim.

Que do debate legítimo, democrático, aberto, franco e atento aos ideais da Exposição de Motivos e - porque não insistir em outro mérito dos integrantes da Comissão de Juristas? - dos princípios fundamentais do Anteprojeto de Código de Processo Penal, possamos - destinatários das normas do novo Código - felicitar-nos ao final por termos, oxalá, um Código de Processo Penal à altura da maturidade de nosso Estado Democrático de Direito. Já era tempo de provarmos se vivemos, ou não, num Estado de liberdades, sem o quê não seria nem democrático.

Tanta esperança histórica, sedimentada em nossa mais prestigiada doutrina, representada em boa parte pelos integrantes da Comissão de Juristas e também por sólida jurisprudência garantista e responsável dos nossos Tribunais de cúpula, que se percebeu encampada na Exposição de Motivos, corre, contudo, dois riscos de soçobrar. Um é a desatenção da comunidade destinatária das normas do PLS 156/2009 quanto aos pormenores que podem ser observados nos meandros do processo legislativo; outro, a interpretação retrospectiva das novas normas. Defende o IBCCrim que, se por um lado não há cheque em branco para o legislador em matéria de limites às garantias individuais, por outro, já é tempo de se ver os Códigos e as leis em função da Constituição, não o inverso.

A responsabilidade de todos - legisladores, operadores, cidadãos em geral que já se manifestaram e certamente continuarão a se manifestar no processo legislativo - é grande. A atenção também há de ser. Observemos a consonância à Exposição de Motivos e, particularmente, o apego que há, ali e em boa parte - como já disse o IBCCrim no editorial 205 -, com as normas que modelam o Estado de Direito brasileiro. Boa leitura e boa interpretação a todos, e que também este Editorial seja uma exposição de motivos dos instigantes artigos que seguem.



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