INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 154 - Setembro / 2005





 

Coordenador chefe:

Mariângela Gama de Magalhães Gomes

Coordenadores adjuntos:

Andréa Cristina D’Angelo, Leopoldo Stefanno Leone Louveira, Mariângela Lopes Neistein, Paulo

Conselho Editorial

Editorial

A questão da corrupção

Ao longo de aproximadamente quinze anos de existência o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais busca, com insistência, fomentar a pesquisa, o estudo do Direito e a difusão das ciências criminais. Sempre se conduziu no sentido de melhor conhecer, para melhor transmitir aos operadores do Direito a bioética, o biodireito, a criminologia e tantos outros ramos ligados às ciências criminais. Também é um defensor e difusor do Estado Democrático de Direito e dos princípios constitucionais. Seus editoriais abordam temas atuais ligados à defesa da igualdade e da humanização do Direito Penal.

Neste Editorial, porém, o IBCCRIM irá abordar a questão da corrupção, que interessa à sociedade como um todo e ao cidadão, em particular. A tripartição de poderes, idealizada por Montesquieu e adotada por quase todos os países democráticos em suas constituições, exige que os integrantes do Executivo, Legislativo e Judiciário guardem independência e harmonia entre si, mas pressupõe que todos tenham a ética e a moral como atributos e o cidadão como um fim a alcançar. O mesmo Montesquieu também admitiu ser “uma experiência eterna a de que todo homem que tem poder é levado a abusar dele; ele vai até que encontre limites”, razão pela qual preconizava no sentido de que “aquele que faz as leis não as execute nem julgue; que o que julga não faça as leis nem as execute e que aquele que as executa não faça as leis nem julgue” (I. Paris: Garnier Frères Libraires Editeurs, 1869, pp. 142-143).

Quando, no entanto, o Estado passa a ser um fim em si mesmo, a harmonia converte-se em desorganização e a independência cede lugar ao conchavo.

Esse o quadro que se apresenta atualmente: o Judiciário com mais processos do que o direito de cidadania permite, sem condições de vencer a carga de trabalho; o Legislativo destituído do seu poder de legislar, refém das medidas provisórias e desviado de seu objetivo precípuo, para investigar atos de corrupção que corrói seu próprio tecido, e o Executivo em estado de anomia, perplexidade, medo e suspeita (ou quase certeza) de que também alguns de seus integrantes faça parte da rede montada em desfavor do povo, visando alguns locupletar-se o mais rapidamente possível ou eternizar-se em cargos públicos.

O incessante noticiário da imprensa é aterrorizante e já não permite que se tenha uma visão clara do futuro próximo ou, até mesmo, do dia seguinte. O nível de corrupção na República ganhou dimensão inimaginável. Já em 1988 Fernando Pedreira dizia que “a corrupção na Nova República, deixou de ser marginal, periférica, para tornar-se central, medular” (“O Camundongo”, O Estado de S.Paulo, 24.04.88).

O momento, portanto, não é de passividade. Impõe-se investigar com maior objetividade e rapidez e menos flashes, câmeras, entrevistas e antecipação para a imprensa dos passos seguintes. A tarefa entregue às Comissões Parlamentares é de grande importância, pois do resultado das investigações dependem a governabilidade e o futuro do País. Mas esse momento também deve ser de responsabilidade, respeito ao direito de defesa dos suspeitos ou indiciados e comedimento, não se permitindo perseguições políticas, acusações infundadas e fios de suspeita para favorecer pessoas ou partidos em detrimento de outros. Ninguém deve tentar beneficiar-se da situação, sob pena de colocar a democracia em risco. Não se há de deslembrar de que em um Estado Democrático de Direito vigora a “rule of law, not of men”, ou seja, vigora a regra da lei e não a do homem.

Há, atualmente, em nosso país um entrelaçamento de leis e uma forte e incindível interação entre as esferas penal, civil e administrativa, não obstante a sua relativa independência. O Direito Público, máxime no plano repressivo, por força dos princípios estabelecidos em leis, que permeiam e norteiam a Administração Pública, mas derivados da Constituição Federal que é o seu tegumento principal, tende a unificar-se para atender a uma realidade atual e a uma necessidade fundamental: o combate à corrupção, que, como visto, alcançou níveis insuportáveis e vexatórios, e ao estabelecimento da moralidade e do respeito no trato da coisa pública.

Há, pois, um forte entrelaçamento entre as disposições legais e acentuada tendência de superar aquela independência a que se refere o art. 935 do Código Civil. Há, cada vez mais, uma interdependência entre esses institutos, nascendo questões prejudiciais a serem consideradas, com cada um deles sendo pressuposto dos outros.

Nossa estrutura legislativa está aparelhada de leis eficientes que, se aplicadas, poderão fazer retornar a níveis suportáveis a corrupção que assola o País e que vem sendo instituída, no âmbito dos agentes políticos e agentes públicos, de cima para baixo, atingindo, ainda, um movimento pendular perigoso, na medida ou proporção de sua capacidade de alcance. A LC nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e tem natureza administrativa-contábil.

A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) prevê sanções de natureza política, administrativa e civil, através da Ação Civil de Improbidade Administrativa, com rito especial e próprio, sem prejuízo da ação do Ministério Público para anular atos da Administração, coibir infrações à ordem pública e à economia popular e responsabilizar civilmente através da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) ou da Ação Popular (Lei nº 4.717/65), proposta por qualquer cidadão.

O Código Penal (arts. 359-A a 359-H) prevê crimes contra as finanças públicas praticados por qualquer autoridade em cargos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional. Também os arts. 312 a 327 deste Código estabelece os crimes praticados por funcionário público contra a Administração em geral. O DL nº 201/67 estabelece a responsabilidade penal dos prefeitos. A Lei de Licitação (Lei nº 8.666/93) prevê sanção criminal ao agente público com atribuição para autorizar ou dispensar a abertura de licitação. A Lei nº 10.028/2000 disciplina as infrações administrativas às leis de finanças públicas e estabelece pena de multa a ser imposta pelo Tribunal de Contas. Finalmente, a Lei nº 1.079/50, que define os crimes de responsabilidade e estabelece o procedimento para o afastamento do Presidente da República e a responsabilidade de autoridades dos três Poderes.

A previsão das diversas sanções acima enumeradas foi pulverizada em leis distintas e de naturezas diversas, enquanto estas mesmas sanções estão previstas, de forma concentrada, no art. 37, § 4º, da Constituição Federal, confirmando que o poder sancionador do Estado deriva de um tronco comum. Toda essa malha legislativa comporta, em alguns casos, aplicação cumulativa, sem que se possa argüir bis in idem. Ainda assim, a corrupção em nosso país enraizou-se e alcançou foros de verdadeiro status ostentado pelos ímprobos que não souberam respeitar quem lhes outorgou direito de representação. Mas calha a advertência do pensador: “Administração é máquina. Se em máquina perfeita introduzimos aço num extremo, no outro extremo sairão automóveis. Não haverá lugar para falhas técnicas, erros de medida, descuidos humanos. E numa perfeita administração, onde o homem representa o papel dum dente de engrenagem, coisas como a preguiça, a desonestidade ou a injustiça não podem prevalecer” (Antoine Saint-Exupéry, Piloto de Guerra, p. 59).



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