INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 105 - Agosto / 2001





 

Coordenador chefe:

Janaina C. Paschoal

Coordenadores adjuntos:

Carlos Alberto Pires Mendes, Celeste Leite dos Santos Pereira Gomes, Celso Eduardo Faria Cora

Conselho Editorial

Editorial

A importância do Código Penal tipo Ibero-americano

André Luís Callegari

Advogado, doutorando em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid, professor de Direito Penal na Unisinos, coordenador da Revista Ibero-americana de Ciências Penais e membro Brasileiro da Comissão Redatora do Código Penal Tipo Ibero-americano.

Em recente reunião realizada na cidade de Bogotá, Colômbia, discutiam-se e votavam-se as novas disposições do Código Penal Tipo Ibero-americano. Inicialmente aprovaram-se as disposições referentes a aplicação da lei penal, as normas sobre a teoria geral do crime e, finalmente, sobre a imputabilidade. Na próxima reunião, a realizar-se na cidade do México, serão discutidos os problemas referentes às penas.

Há uma indagação setorial em saber qual a importância do Código Penal Tipo, pois os membros da comissão não têm vinculação política, é dizer, não são indicados pelos governos de seus países. Bem, justamente neste fato reside a principal importância e relevância do Código Penal Tipo. Como a comissão é composta de juristas sem qualquer vinculação política ou institucional, fica livre para buscar, dentro de uma estrutura dogmática coerente, o que há de melhor no que tange à matéria penal e a sua aplicação. Além disso, quase todos os países ibero-americanos estão representados, o que significa uma qualidade no desenvolvimento do trabalho realizado. Porém, deve frisar-se que a comissão debate os temas inerentes a todos os países e que, de uma forma geral, são os problemas que  preocupam todos os legisladores, inclusive os brasileiros. A título de exemplo, na última reunião discutia-se a idade para a imputabilidade penal, discussão também realizada no Brasil.

Ademais, nosso legislador parece desconhecer a importância da verificação do bem jurídico protegido para a criação de novos tipos penais, aliás, se realmente sabe o que isso significa. Portanto, a edição de novas leis penais num Estado social e democrático de Direito, deveria orientar-se, primordialmente, de necessidade penal de proteção de um bem jurídico e não por qualquer bem jurídico que possa ser protegido por outro ramo do Direito. É que a determinação do âmbito de proteção ou alcance do tipo pressupõe uma decisão político-criminal prévia: a valoração e a ponderação levada a cabo pelo legislador antes de promulgar os distintos tipos penais que decide quais são os casos em que existem boas razões para limitar a liberdade geral de atuação (norma de valoração). Este momento valorativo prévio à norma encontra-se estreitamente relacionado com o caráter fragmentário do Direito Penal, ou seja, este não defende os bens jurídicos contra todos os ataques possíveis(1).

De acordo com isso, a noção de bem jurídico é importante para a definição do rumo do Direito Penal, principalmente em tempos de reforma penal em que o Estado muitas vezes intervém em áreas onde não é necessário, pois existem outros ramos do Direito para a solução do problema(2). Nesse sentido,  torna-se importante o estudo aprofundado do Direito Penal por uma comissão supranacional e que se reflete na redação do Código Penal Tipo, pois, assim, admite-se a edição de tipos penais realmente necessários e de boa técnica legislativa, é dizer, que realmente possam ser aplicados. Ademais, do ponto de vista de uma política criminal racional, o legislador penal deve medir suas decisões com critérios justos e claros, utilizando-os, ao mesmo tempo, para sua justificação crítica. Tudo aquilo que não diga respeito a proteção de bens jurídicos deve ser excluído do âmbito do Direito Penal(3).

Além disso, torna-se mister salientar a existência de uma formalização comunicativa do Direito Penal através da política. Logo, as leis penais não servem somente para os fins instrumentais da efetiva persecução penal, senão que devem fortalecer os valores e as normas sociais(4). A discussão política, mediante a atenção a grupos de interesses, aterrissa no âmbito da legislação. Inclusive os "interesses abstratos do próprio Estado" encontram-se nos caminhos da atividade legislativa. Poder e influência pugnam na luta pelo Direito. As reformas da criminalização são apreciadas em todos os campos políticos como meio de afirmação simbólica de valores(5). Assim, em qualquer lugar sugerem-se normas penais e, independentemente da própria situação em jogo das maiorias parlamentares, estas colocam-se a caminho legislativo ou publicitário, utilizando-se o Direito Penal como um instrumento de comunicação(6). Tudo isso é evitado quando se tem como modelo um Código desvinculado de qualquer  interesse que não seja o de propor uma moderna legislação.

Deste breve resumo, qual a importância do Código Penal Tipo Ibero-americano? O Código somente serve como modelo, é dizer, uma sugestão de um grupo de estudiosos do Direito Penal de diversos países que se reúnem para apresentar um trabalho que espelha as diretrizes básicas de uma legislação penal moderna e garantista dos direitos do cidadão. Porém, um trabalho descomprometido com interesses políticos e institucionais, ou seja, um trabalho científico, sério. Portanto, baseado nestes motivos, os legisladores (leia-se nossos representantes) deveriam dar-lhe mais atenção na hora das reformas que estão sendo propostas dioturnamente na legislação penal pátria.

Notas

(1) FEIJÓO SANCHEZ, Bernardo. "Homicidio y Lesiones Imprudentes: Requisitos y Límites Materiales", Editorial Edijus, Madrid, pp. 70/71. Ver a respeito, MIR PUIR, Santiago. "El Derecho Penal en el Estado Social y Democrático de Derecho", Editorial Ariel, Barcelona, 1994, p. 159.

(2) ROXIN, Claus. "Problemas Básicos del Derecho Penal", Reus, p. 22. Nesse sentido, LUZÓN PEÑA, Diego-Manuel. "Curso de Derecho Penal, Parte General I", Editorial Universitas, Madrid, 1996, p. 82.

(3) HASSEMER, Winfried y MUÑOZ CONDE, Francisco. "Introducción a la Criminología y al Derecho Penal", Tirant lo Blanch, p. 103.

(4) ALBRECHT, Peter-Alexis. "El Derecho Penal en la Intervención de la Política Populista", em "La Insostenible Situación del Derecho Penal", Comares, p. 479.

(5) ALBRECHT, ob. cit., p. 479.

(6) ALBRECHT, ob. cit., p. 479.

André Luís Callegari

Advogado, doutorando em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid, professor de Direito Penal na Unisinos, coordenador da Revista Ibero-americana de Ciências Penais e membro Brasileiro da Comissão Redatora do Código Penal Tipo Ibero-americano.