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Américo Bedê Freire Júnior
Juiz Federal/ES;
Ex-Promotor de Justiça/MA;
Mestre em Direitos Fundamentais-FDV;
Professor de Processo Penal na FDV
É sabido que, para a instrução e o julgamento dos processos criminais, o juiz natural é o juiz de primeiro grau, sendo a prerrogativa de foro exceção que precisa estar prevista na Constituição e deve, portanto, ser interpretada de modo excepcional.
A doutrina e a jurisprudência vêm admitindo que Constituições Estaduais fixem prerrogativa de foro, mas é preciso indagar se a prerrogativa de foro fixada exclusivamente na Constituição Estadual pode ser aplicada no âmbito da Justiça Federal.
O STJ recentemente decidiu que:
Acordão
Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Classe: HC - HABEAS CORPUS - 86218
Processo: 200701537761 UF: DF Órgão Julgador: SEXTA TURMA
Data da decisão: 09/10/2007 Documento: STJ000786504
Fonte: DJ DATA:19/11/2007 Página:298
Relator(a): PAULO GALLOTTI
Decisão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, verificado o empate na votação e prevalecendo a decisão mais favorável ao paciente, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Vencidos a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e o Sr. Ministro Nilson Naves.
O Sr. Ministro Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª Região) votou com o Sr. Ministro Relator.
Não participou do julgamento o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.
Ementa:
HABEAS CORPUS. SECRETÁRIO DE ESTADO. COMPETÊNCIA POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. CRIME DA ALÇADA DA JUSTIÇA FEDERAL. JULGAMENTO PELO TRIBUNAL FEDERAL COM JURISDIÇÃO SOBRE A UNIDADE DA FEDERAÇÃO ONDE O CARGO COM PRERROGATIVA DE FORO É EXERCIDO. ORDEM CONCEDIDA.
1 - Tendo em vista que o foro por prerrogativa de função visa a proteger o cargo e não seu ocupante eventual, aquele sim a ser amparado pela garantia legal, e tratando-se de delitos da alçada da Justiça Federal, a competência é do Tribunal Federal com jurisdição sobre a unidade da Federação onde o cargo com prerrogativa de foro é exercido.
2 - O Secretário de Estado em Pernambuco, que praticou crime no Distrito Federal em detrimento de bens ou interesse da União, deve ser processado e julgado pelo Tribunal Federal da 5ª Região.
3 - Habeas corpus concedido.
Respeitosamente, não entendo que as prerrogativas de foro estabelecidas exclusivamente na Constituição Estadual sejam aplicáveis à Justiça Federal.
Em primeiro lugar, é de se lembrar que a competência da Justiça Federal tem sede na Constituição Federal, não podendo norma estadual ampliá-la ou reduzi-la em desacordo com o previsto na Carta Federal.
Com efeito, o Poder Constituinte Decorrente dos Estados somente pode fixar competências para o Tribunal de Justiça, jamais podendo ampliar a competência da Justiça Federal ou mesmo excluir a competência do juiz federal de primeiro grau, ao conceder prerrogativa de foro a autoridades que não possuem tal prerrogativa fixada expressamente na Constituição Federal.
Em segundo lugar, frise-se que o STF superou a Súmula 3[1] em relação aos Deputados Estaduais, reconhecendo que a prerrogativa em favor deles encontra suporte na própria Constituição Federal. Ora, se o fundamento para a modificação do entendimento jurisprudencial reside no reconhecimento de que a prerrogativa de foro dos Deputados Estaduais está na Constituição Federal, é de se concluir que o STF não admitiu, nem mesmo de modo implícito, que a Constituição Estadual possa criar prerrogativas de foro válidas no âmbito da Justiça Federal. Ao contrário, reforçou que a prerrogativa de foro para os Deputados Estaduais é aplicada na Justiça Federal pelo simples fato ter sede na Constituição Federal.
Em terceiro lugar, o argumento de simetria (por exemplo, a Constituição Federal estabelece prerrogativa de foro em favor dos Ministros, então os Secretários normalmente possuem prerrogativa de foro no âmbito das Constituições Estaduais) não altera os fundamentos jurídicos que impedem o Poder Decorrente de modificar a competência da Justiça Federal, não sendo possível admitir ampliação da prerrogativa de foro pelas Constituições Estaduais. Até porque, o entendimento que prevalece é no sentido de que, se a Constituição Estadual não trouxer expressamente a previsão de prerrogativa de foro para os Secretários de Estado, tal prerrogativa não será aplicável, de modo que a simetria não serve de argumento, per si, para justificar a competência originária dos Tribunais.
Em quarto lugar, é preciso considerar a situação esdrúxula que pode advir da aplicação da prerrogativa de foro prevista apenas na Constituição Estadual para a Justiça Federal. Se um defensor público do Estado do RJ e um defensor público do ES praticarem crime federal, apesar do mesmo cargo e da competência do mesmo TRF, haveria uma diferenciação de competência, porque a Constituição Estadual do RJ prevê, no artigo 161, IV, d , 2, a prerrogativa de foro para os membros da defensoria pública, ao passo que a Constituição Estadual do ES não contém essa previsão, de modo que, na lógica da doutrina questionada, o defensor público do RJ seria julgado pelo TRF e o defensor público do ES seria julgado pelo juiz federal de primeiro grau, o que seria absurdo, pois não poderia existir tratamento diferenciado no âmbito federal.
Em quinto lugar, há que se recordar o texto da Súmula 721 do STF: “A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DO JÚRI PREVALECE SOBRE O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO ESTABELECIDO EXCLUSIVAMENTE PELA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL.”
Ora, tal súmula, mais uma vez, implica o reconhecimento de tratamento diferenciado para as prerrogativas de foro previstas na Constituição Federal e para as prerrogativas de foro estabelecidas apenas nas Constituições Estaduais, a indicar que as normas contidas na Constituição Estadual não podem alterar o juiz natural fixado pela Constituição Federal. Qual o fundamento para prevalecer a competência prevista na Constituição Federal tão-somente na hipótese do Tribunal do Júri?
Concluo esse breve artigo com a afirmação de que as prerrogativas de foro previstas exclusivamente nas Constituições Estaduais não devem ser aplicadas na Justiça Federal, devendo o processo tramitar no juízo de primeiro grau.[1] Informativo 413 do STF
Imunidade Parlamentar e Enunciado da Súmula 3 do STF
Declarando superado o Enunciado da Súmula 3 do STF ("A imunidade concedida a deputados estaduais é restrita a justiça do estado"), o Plenário negou provimento a recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal contra acórdão do STJ, proferido em habeas corpus, que, com base no disposto no § 2º do art. 53 da CF, revogara prisão preventiva do paciente, deputado distrital acusado da prática de crimes de formação de quadrilha, corrupção passiva, parcelamento irregular do solo urbano e lavagem de dinheiro (CF: "Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos ... § 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão."). Entendeu-se que, em razão do mandamento explícito do art. 27, § 1º, da CF/88, aplicam-se, aos deputados estaduais, as regras constitucionais relativas às imunidades dos membros do Congresso Nacional, restando superada, destarte, a doutrina da referida súmula (CF: "Art. 27. ... § 1º - Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.").
RE 456679/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 15.12.2005.
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