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Rodrigo Reis Moreira
Advogado
Das considerações iniciais.
Vexata quaestio, a diminuição da maioridade relativa, com termo final agora em 18, e não mais em 21 anos, conforme o previsto no Código Civil de 1916, Lei 3071/16, gerou uma série de questionamentos nos operadores do Direito, os quais têm por espinha dorsal a dúvida quanto ao âmbito dos efeitos da aplicação dos limites da antiga menoridade civil relativa ao suso mencionado, e já revogado, diploma legal em relação aos demais campos do Direito material.
Ou seja, de outra forma, se com a mudança impressa no art. 4º da Lei 10.406/ 02, quanto ao termo a quo de início da maioridade plena, a qual conferiria capacidade não apenas de direitos, mas capacidade de fato à pessoa natural, não teria ocorrido, a título de ilustração, uma ampliação ope legis do objeto normativo do referido dispositivo e de seus efeitos no ordenamento positivo, gerando transporte in utilibus das conseqüências da modificação da norma civil para norma penal.
Da análise hermenêutica
É cediço que a aplicação do artigo 4º do novo Código Civil já se opera de pleno direito tanto no campo do Direito Processual Civil, quanto no Direto Processual Penal, neles estendendo seus efeitos. Tal se deve ao fato de essas matérias, apesar de possuírem objeto próprio, serem regras procedimentais, atingindo o direito material por via reflexa, apesar de existir exceções a essa regra.
Dessa forma, regras que modifiquem o Direto material, afetarão diretamente os diplomas processuais, ou procedimentais, os quais dependem diretamente dos conceitos traduzidos pelos dispositivos materiais como forma de condução das matérias que lhes são atinentes.
Exemplo mais evidente, foi o fim da figura do representante do relativamente menor, segundo conceito do ab-rogado Código Civil de 16, para realização de atos jurídicos civis e mesmo em procedimentos de cunho penal.
Entretanto, como fica a questão da extensão dos efeitos da menoridade civil no direito material penal ? As mudanças expressas no diploma civil regulariam a mesma matéria traduzida em diversos dispositivos penais, derrogando-as, conforme o artigo 2º, § 1º da LICC, ou não surtiriam efeitos àquelas sobre estas por encontrarem esteio em objetos e princípios distintos, e por ilação, em matérias distintas ?
Da Exegese
Defendemos a segunda tese.
Para tal, tomaremos por espelho a circunstância atenuante tombada no artigo 65, I, 1ª parte do diploma penal, a qual se apresenta em nosso ordenamento desde o código de 1830, e que evidencia, cum grano salis, o cerne da questão em tela: ser o agente menor de 21 anos na data do fato.
Como se depreende do apresentado, se ignorado o diapasão temporal de existência da norma supra apresentada, bem como se analisada isoladamente, não aprofundando a hermenêutica do dispositivo a um aspecto lógico- sistemático em contraste conglobante com o ordenamento, poder-se-ia o, incauto operador do direito, ser tentado a realizar uma exegese gramatical da lei, sendo conduzido a erro ao equiparar os efeitos civis e penais da norma assistida.
Tal embaraço torna-se presente em razão do fato de as normas versarem sobre matérias de conteúdos, efeitos, condições e princípios distintos, não se podendo afirmar a ocorrência de revogação de direitos materiais penais, a menos que ocorra lei que o determine de forma expressa.
Outrossim, vislumbrado sob uma ótica teleológica, com fulcro na comparação lógico-sistemática do ordenamento, percebe-se também existir diferenças materiais entre os aludidos comandos legais, deveras significativas para simplesmente caírem olvidadas entre os conceitos civil e penal, em relação ao contraste criado entre o antigo e o novo marco de início da maioridade plena.
Exemplos destas distinções encontram-se nas exceções fixadas nos artigos 180 e 181 do Código Civil atual (com correspondência nos artigos 155 e 157 do diploma de 1916), onde fica demonstrada, pela efetiva perda da total proteção legal aos incapazes, estarmos diante de uma situação jurídica, de aplicação erga omnes, respeitados os limites de adequação e legitimidade das partes para figurar em eventual processo, de indubitável disponibilidade de direitos por força de lei.
Em oposição a isso temos, a exemplo do artigo 65, I, 1º parte do Código Penal, um direito indisponível, de aplicação obrigatória pelo juiz, sob pena de nulidade do decisum.
É de se perceber, inicialmente, a maleabilidade de direitos que versam sobre efeitos resultantes de atos jurídicos no planos cível, frente a diretos materiais penais indisponíveis, face o gravame de perda garantias que atenuem ou reduzam a pretensão à pena do agente.
Em relação a doutrina clássica, possuímos exemplos que evidenciam o posicionamento dos grandes mestres frente a não extensividade dos efeitos da maioridade civil em relação a penal.
O professor Damásio de Jesus sustenta e mantém, inclusive em suas obras mais recentes, ipsis literis:
É irrelevante que tenha havido emancipação ou seja casado. Mesmo emancipado, ou casado, o menor deve ser beneficiado pela atenuante. O benefício começa no dia em que o agente completa 18 anos e vai até o dia anterior em que faz 21 anos (menoridade relativa).
Já E. Magalhães Noronha, em suas obras, defende que a estipulação da menoridade em 21 anos para fins de recebimento do benefício no diploma penal, sempre foi fixada no limite citado, ao fundamento de que seria este um período de transição, quando ainda não está completo o desenvolvimento mental e moral da pessoa, em razão de suas condições psicológicas e éticas.
Seria, dessa forma tal agente, o menor púbere, fortemente influenciável no sentido do bem e do mal, por falta de reflexão perfeita e de plena resistência aos maus impulsos.
Destarte, a menoridade, para Noronha, também persiste independentemente de ter havido ou não emancipação. Até porque não se trata de matéria que verse sobre capacidade civil , mas de imputabilidade com fundamento na idade biológica.
Cezar Bitencourt, por outro lado, analisa o tema em abordagem diversa. Entende o autorizado doutrinador ser a menoridade um aspecto da personalidade, sendo circunstância mais relevante até mesmo que a reincidência, não sendo tal relevância, no entanto, absoluta.
Deve-se, pois, na análise da menoridade, levar-se em consideração motivos determinantes do crime (torpeza, imoralidade, futilidade, etc), que embora não justifiquem o crime, podem alterar profundamente a sua reprovabilidade, podendo em algumas hipóteses qualificar ou privilegiar a conduta criminosa (arts. 121, § 1º e § 2º, II, do Código Penal ).
Por outro lado, J. F. Mirabete, primando em sua explanação acerca do tema, contempla a questão considerando a imaturidade do agente, que não completou seu desenvolvimento mental e moral, sendo fortemente influenciável.
Suscita também o doutrinador, naquele que é ponto comum entre todos os mestres citados, que todos menores de 21 anos casados ou emancipados por outra forma, porque tal fato não se comunica à ordem penal, não perdem o benefício do direito à diminuição de pena (STF: RT 556/ 399-400; JTACRIM 69/548).
Válido também ressaltar que a menoridade de 21 anos também beneficia o réu diminuindo pela metade seu prazo prescricional (art. 115 CP).
Ressalta ainda que prova idônea da menoridade se faz indispensável.
Outrossim, considera ser a menoridade penal que conta, pouco importando a civil, a qual se funda em critérios puramente cronológicos, não considerando aspectos subjetivos do agente, o que evidencia mais uma vez a distinção dos fundamentos em que ambas se baseiam.
No âmbito da orientação jurisprudencial, o STF revela coerência ao acompanhar o posicionamento majoritário da doutrina, de forma a considerar nula a sentença que não considere a atenuante da menoridade no cálculo da pena (RT 666/94; 620/395), por ser esta de caráter obrigatório. No mesmo sentido TJSP ( JTJ 202/301); TJMT (RT 713/385); JTACRIM SP (JTACRIM 56/389).
Ressalta-se, entretanto, o valor relativo desta atenuante, conforme o disposto na RT 734/68, TACRIM SP, que apesar de lembrar que a atenuante da menoridade figura como atenuante desde o Código de 1830, não há mais como comparar o desenvolvimento mental, moral e de informação dos jovens de hoje com os de mais de 100 anos atrás. Desta forma, ao aplicar a aludida atenuante, a qual é obrigatória, sob pena de nulidade do decisum, deve-se aferir os elementos acostados aos autos, o grau de maturidade, tendência criminosa e a perfeita compreensão dos fatos, para se chegar a pena mais adequada, em observância ao princípio da proporcionalidade.
Da Conclusão
Quanto a interpretação da norma pelo aspecto teleológico, verificamos que o artigo 4º do Código Civil atual traduz o ensejo do legislador em proteger direitos da capacidade e da personalidade do agente.
A incapacidade relativa vem a ser, no entanto, um direito disponível, como o suso demonstrado nos exemplos dos artigos 180 e 181 do Código Civil e nos casos de emancipação, apresentando– se como uma proteção do Estado ao agente no que atine a exercício de sua capacidade de fato.
Já a menoridade em relação aos 21 anos do diploma penal, não vem a ser puramente normativa, possuindo adminínculo em critérios de avaliação biopsicológicos.
Tal aspecto concede a menoridade penal, enquanto benefício ao acusado, um caráter de proteção e garantia, em matéria de efeitos, na defesa de sua liberdade, adequação da pena, ampla defesa e diminuição do prazo persecutório prescricional, referente ao direito de exercício do jus puniendi estatal.
Logo, os bens jurídicos protegidos pela norma civil, não são, teleologicamente, os mesmos contidos na esfera de guarida da norma penal.
Com efeito, diante da exposição de motivos supra ilustrada, fomos levados a nos render diante da força dos argumentos doutrinários e jurisprudenciais expostos. Dessa forma, somos levados a concluir pela inaplicabilidade do disposto no art. 2º, § 1º da LICC, em relação a extensão dos efeitos da modificação do termo ad quem da maioridade relativa do Código Civil sobre o diploma penal, por acreditarmos existir, com efeito, a necessidade de norma expressa que assim o determine.
Tal ilação deriva do fato de a matéria regulada no código de normas civis garantir sob aspectos diversos, isto quando não mais amplos ou distintos, seus respectivos bens jurídicos protegidos, além de deitar raízes em princípios jurídicos diversos dos guardados na norma penal; o que, por via de conseqüência, torna distinta a matéria regulada por ambas, não havendo, assim, revogação e conseguinte esvaziamento ou obliteração do conteúdo de nenhuma delas, por força do art. 2º, § 1º da LICC.
Bibliografia:
Direito Penal, Parte Geral, 19ª à 23ª edição, Damásio E. de Jesus, 1º volume, editora Saraiva.
Direito Penal,Parte Geral, 27 à 31ª edição, E. Magalhães Noronha, 1º volume, editora Saraiva.
Manual de Direito Penal, 6ª edição, Cezar R. Bitencourt, 1º volume, editora Saraiva.
Código Penal Interpretado, 2ª e 3ª edição, J. F. Mirabete, editora Atlas.
Jurisprudência.
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