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Jurisprudência: Processo penal. Suspensão condicional do processo. Concurso de crimes. Soma das penas mínimas.

As opiniões expressas nos artigos publicados responsabilizam apenas seus autores e não representam, necessariamente, a opinião deste Instituto

STF - HABEAS CORPUS Nº 80.837-9 - MEDIDA LIMINAR (DJU 06.04.2001, SEÇÃO 1, p. 113)

PROCED. : SÃO PAULO
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
PACTE.: N.J.C.T.
PACTE.: O.C.T.
IMPTES.: N.A. E OUTROS
COATOR: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Com apoio em julgamento emanado da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (HC 76.717-RS, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA), os impetrantes atribuem, ao E. Superior Tribunal de Justiça, situação de constrangimento ilegal, derivada de decisão, que, por este proferida, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 130):

"PENAL. PROCESSUAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO. LEI 9099/95, ART. 89. NÃO APLICABILIDADE. 'HABEAS CORPUS'.

1. A suspensão do processo, prevista na Lei 9099/95, Art. 89, não tem aplicação em relação aos crimes cometidos em concurso formal ou material e aos chamados crimes continuados, se a soma das penas mínimas cominadas a cada crime, computado o aumento respectivo, ultrapassar o limite de um ano.

2. 'Habeas Corpus' conhecido; pedido indeferido." (grifei)

A análise da questão, examinada sob tal perspectiva, evidencia que não se reveste de plausibilidade jurídica a pretensão deduzida nesta sede processual, pois a decisão ora impugnada ajusta-se à orientação jurisprudencial firmada por esta Suprema Corte na interpretação do art. 89 da Lei nº 9.099/95.

Com efeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 77.242-SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES, firmou entendimento no sentido de que as causas especiais de aumento de pena, pertinentes ao crime continuado e ao concurso formal, impedem a utilização do instituto da suspensão condicional do processo penal, desde que, de sua incidência, resulte superado o limite mínimo a que se refere o art. 89 da Lei nº 9.099/95.

Essa orientação plenária tem prevalecido na jurisprudência de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal (RHC 80.143-SP, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, Primeira Turma - HC 78.876-MG, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma), cabendo enfatizar que, neste último precedente, cuja ementa vem a seguir transcrita, consignou-se que, em função do julgamento efetuado pelo Pleno desta Corte (HC 77.242-SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES), "ficou superado o entendimento da Turma no HC nº 76.717-RS":

"Não cabe a suspensão condicional do processo, ou sursis processual (artigo 89 da Lei nº 9.099), no caso de concurso formal de crimes, quando a pena mínima cominada ao crime mais grave, acrescida do aumento mínimo, exceder a um ano." (grifei)

(RTJ 169/616, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA)

Vê-se, desse modo, ante a ausência de plausibilidade jurídica, que não se justifica a pretendida concessão de medida liminar, especialmente porque inexiste, no caso ora em exame, situação concreta de dano, atual ou iminente, ao status libertatis dos ora pacientes.

Nem se diga, de outro lado, que a iminência do interrogatório judicial dos ora pacientes justificaria, como enfatizado pelos ilustres impetrantes (fls. 22 e 24), a suspensão cautelar do processo penal em curso perante a 6ª Vara Criminal Central da comarca de São Paulo/SP (Processo-crime 1.262/99).

Na realidade, a alegada iminência do ato processual de interrogatório judicial não constitui, só por si, situação caracterizadora de constrangimento ao status libertatis dos réus.

É que, não obstante o interrogatório possa qualificar-se como meio de prova, "não se pode ignorar que é ele, também, ato de defesa, pois não há dúvida de que o réu pode dele valer-se para se defender da acusação (...), dando a sua versão dos fatos..." (JULIO FABBRINI MIRABETE, "Processo Penal", p. 275, 4ª ed., 1995, Atlas).

Tal entendimento - que se apóia em autorizado magistério doutrinário (FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, "Processo Penal", vol. 3/241, item n. 1, 11ª ed., 1989, Saraiva; MAGALHÃES NORONHA, "Curso de Direito Processual Penal", p. 108, item n. 63, 19ª ed., 1989, Saraiva; PAULO LÚCIO NOGUEIRA, "Curso Completo de Processo Penal", p. 168, item n. 6, 9ª ed., 1995, Saraiva; VICENTE GRECO FILHO, "Manual de Processo Penal", p. 200, item n. 46, 1991, Saraiva) - também justifica, no caso presente, por essa outra razão, o indeferimento do pedido de medida liminar.

Nem se alegue que a realização do interrogatório judicial poderia comprometer o exercício, pelos ora pacientes, de seu direito à auto-defesa, mesmo porque não se põe em evidência, no caso ora em exame, qualquer alegação de inépcia da denúncia, como se depreende da leitura dos fundamentos que dão suporte à presente ação de habeas corpus.

Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a nova Constituição da República, ao delinear o estatuto das liberdades públicas referente às pessoas sujeitas à ação persecutória do Estado, outorgou-lhes prerrogativa de inquestionável importância, consistente no reconhecimento do direito de permanecerem em silêncio, qualquer que seja a autoridade estatal perante a qual devam comparecer.

Trata-se de direito público subjetivo, revestido de expressiva significação político-jurídica, que impõe limites bem definidos à própria atividade persecutória exercida pelo Estado. Essa prerrogativa jurídica, na realidade, institui um círculo de imunidade que confere, tanto ao indiciado quanto ao próprio acusado, proteção efetiva contra a ação eventualmente arbitrária do poder estatal e de seus agentes oficiais.

O interrogatório judicial, para ser validamente efetivado, deve ser precedido da regular cientificação, dirigida ao réu, de que este tem o direito de permanecer em silêncio, não estando obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas e nem podendo resultar, contra o acusado, em virtude do exercício legítimo dessa prerrogativa, qualquer restrição de ordem jurídica no plano da persecução penal.

O privilégio contra a auto-incriminação traduz direito público subjetivo, de estatura constitucional, assegurado a qualquer indiciado ou imputado pelo art. 5º, inciso LXIII, da nossa Carta Política. Convém enfatizar, neste ponto, que, "Embora aludindo ao preso, a interpretação da regra constitucional deve ser no sentido de que a garantia abrange toda e qualquer pessoa, pois, diante da presunção de inocência, que também constitui garantia fundamental do cidadão (...), a prova da culpabilidade incumbe exclusivamente à acusação" (ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO, "Direito à Prova no Processo Penal", p. 113, item n. 7, 1997, RT - grifei).

Com o explícito reconhecimento dessa prerrogativa, constitucionalizou-se uma das mais expressivas conseqüências derivadas da cláusula do due process of law.

Qualquer pessoa que sofra investigações penais ou que ostente, em juízo criminal, a condição jurídica de acusado possui, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer em silêncio, consoante reconhece a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 141/512, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Esse direito é plenamente oponível ao Estado e aos seus agentes. Atua como poderoso fator de limitação das próprias atividades persecutórias desenvolvidas, na esfera penal, pelo Poder Público (Polícia Judiciária, Ministério Público, Juízes e Tribunais).

Cabe registrar que a cláusula legitimadora do direito ao silêncio, ao explicitar, agora em sede constitucional, o postulado segundo o qual Nemo tenetur se detegere, nada mais fez senão consagrar, desta vez no âmbito do sistema normativo instaurado pela Carta da República de 1988, diretriz fundamental proclamada, desde 1791, pela Quinta Emenda que compõe o Bill of Rights norte-americano.

Na realidade, ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal. Trata-se de prerrogativa, que, no autorizado magistério de ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO ("Direito à Prova no Processo Penal", p. 111, item n. 7, 1997, RT), "constitui uma decorrência natural do próprio modelo processual paritário, no qual seria inconcebível que uma das partes pudesse compelir o adversário a apresentar provas decisivas em seu próprio prejuízo...".

O direito de o indiciado/acusado permanecer em silêncio - consoante proclamou a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, em Escobedo v. Illinois (1964) e, de maneira mais incisiva, em Miranda v. Arizona (1966) - insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal. E esse direito ao silêncio inclui, até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o indiciado ou réu negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a prática da infração penal que lhe foi imputada.

É por essa razão que o Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 68.742-DF, Rel. p/ o acórdão Min. ILMAR GALVÃO (DJU de 02/04/93), proclamou que o réu, ainda que negando falsamente a prática do delito, não pode, em virtude do princípio constitucional que protege qualquer acusado ou indiciado contra a auto-incriminação, sofrer, em função do legítimo exercício desse direito, restrições que afetem o seu status poenalis.

Esta Suprema Corte, fiel aos postulados constitucionais que expressivamente delimitam o círculo de atuação das instituições estatais, em sede de repressão criminal, enfatizou que qualquer indivíduo submetido a procedimentos investigatórios ou a processos judiciais de natureza penal "tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calado. Nemo tenetur se detegere. Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal" (RTJ 141/512, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Em suma: o direito ao silêncio constitui prerrogativa individual que não pode ser desconsiderada por qualquer dos Poderes da República, notadamente por seus juízes e Tribunais.

Cabe enfatizar, por necessário - e como natural decorrência dessa insuprimível prerrogativa constitucional - que nenhuma conclusão desfavorável à situação jurídica da pessoa que invoca essa cláusula de tutela pode ser extraída de sua válida e legítima opção pelo silêncio. Daí a grave - e corretíssima - advertência de ROGÉRIO LAURIA TUCCI ("Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro", p. 396, 1993, Saraiva), para quem o direito de permanecer calado "não pode importar desfavorecimento do imputado, até mesmo porque consistiria inominado absurdo entender-se que o exercício de um direito, expresso na Lei das Leis como fundamental do indivíduo, possa acarretar-lhe qualquer desvantagem". Esse mesmo entendimento é perfilhado por ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO ("Direito à Prova no Processo Penal", p. 113, item n. 7, nota de rodapé n. 67, 1997, RT), que repele, por incompatíveis com o novo sistema constitucional, quaisquer disposições legais que autorizem inferir, do exercício do direito ao silêncio, inaceitáveis conseqüências prejudiciais à defesa e aos interesses do réu, como a advertência a que alude o art. 186 do CPP. Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, indefiro o pedido de medida liminar. 2. A presente ação de habeas corpus encontra-se adequadamente instruída, tornando desnecessária, em conseqüência, a requisição de informações ao órgão ora apontado como coator. Desse modo, ouça-se a douta Procuradoria-Geral da República. Publique-se.
Brasília, 30 de março de 2001.
Ministro CELSO DE MELLO - Relator



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