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Artigo: Da parcial inconstitucionalidade da lei 9.271/96, que deu nova redação ao artigo 366 do código de processo penal

As opiniões expressas nos artigos publicados responsabilizam apenas seus autores e não representam, necessariamente, a opinião deste Instituto

Ricardo Augusto Galvão de Souza

Estudante do quinto ano da Faculdade de Direito de Sorocaba. Estagiário da Procuradoria Regional de Sorocaba – Assistência Judiciária.

A previsão constitucional - penal da prescrição. O direito à prescrição consagrado como cláusula pétrea. Quis o legislador constituinte inspirado na instabilidade e periculosidade que alguns delitos possam causar à sociedade impedir que, em face do decurso do tempo, o Estado perdesse o jus puniendi ou o jus punitionis, do qual é o único titular. Assim, é da inteligência do inciso XLII, do artigo 5º da Constituição da República, promulgada em outubro de 1988, ipsis verbis: XLII – a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão nos termos da lei; (grifo nosso). Reza, por seu turno, o inciso XLIV, do artigo 5º da Constituição da República, verbo ad verbum: XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; (grifo nosso). Atente-se que o rol dos incisos XLII e XLIV é taxativo, isto é, não pode ter seu alcance aumentado ou suprimido, nem mesmo por emenda constitucional, pois ambos estão insertos nos direitos e garantias fundamentais, havendo, portanto, uma vedação de ordem material, em face do que prescreve o § 4º, inciso IV, do artigo 60 da nossa Constituição Republicana. Certo que, ao considerar esses crimes como imprescritíveis, logicamente que considerou todos os demais como prescritíveis. Conclui-se, então, que a prescrição é a regra, a imprescritibilidade, a exceção. Deve, assim, o Estado exercer o direito de punir ou o direito de executar a sanção, frise-se que somente a ele compete, dentro de um determinado tempo, previamente fixado, pois do contrário perderá aquele direito, ou seja, prescrita estará sua pretensão punitiva ou executória, ocasionando a extinção da punibilidade, de acordo com o preceito do artigo 107, inciso IV do Código Penal. Depreende-se, portanto, que o legislador constituinte inseriu entre os direitos e garantas individuais - as chamadas cláusulas pétreas, que nada mais são do que direitos oponíveis contra o Estado - o direito do indivíduo ver sua culpa provada de forma incontrastável e sua pena executada dentro de um determinado lapso temporal. Opõe-se o jus puniendi e o jus punitionis do Estado ao direito do indivíduo, acusado em processo penal, de ver sua culpa provada e expiada dentro de um certo período. No nosso Sistema Jurídico prescrição [1] é sinônimo de estabilidade social e se acha em consonância com a eqüidade, sendo sua existência indispensável em qualquer sociedade organizada. A prescrição no direito penal, conforme lição do Mestre E. Magalhães Noronha, “atende não só ao interesse do acusado como também aos interesses de caráter público”.[2] Não obstante o entendimento contrário à prescrição, pelos mais diversos motivos, principalmente o de ser um incentivo à impunidade, temos que qualquer discussão a respeito é de todo estéril, já que como acima foi exposto a prescrição constitui um direito inalienável, que não poderá ser modificado, pois que atualmente consagrada como cláusula pétrea. Em suma, constitui a prescrição um instituto basilar que atende aos imperativos de um Estado Constitucional e Democrático de Direito, sendo, pois, consagrado como um direito público subjetivo, que comporta em nosso Ordenamento Jurídico apenas duas exceções, quais sejam, a prática de racismo e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. [3] A alteração do artigo 366 do código de processo penal. Os motivos que inspiraram o legislador ordinário. A Constituição da República consagrou em seu artigo 5º, inciso LV, o direito à ampla defesa, elevando-o, dessa maneira, à categoria de princípio constitucional, devendo, portanto, ser respeitado, sob pena de se cometer afrontas aos direitos e garantias individuais. [4] O Brasil, através do Decreto nº 678, de 16 de novembro de 1992 ratificou, passando, assim, a integrar ao nosso Ordenamento Jurídico, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de 1969, que obrigam a comunicação prévia e pormenorizada da acusação formulada e a concessão ao acusado de tempo e meios adequados para a preparação de sua defesa. O direito de ser informado pessoalmente da acusação, que segundo o ilustre Luiz Flávio Gomes [5] é “pressuposto indeclinável da ampla defesa e do contraditório”, sendo, portanto, manifestação legítima do devido processo penal, foi a principal razão que norteou a alteração do artigo 366 do Código de Processo Penal. Prescreve o artigo 1º da Lei nº 9.271, de 17 de abril de 1996, que deu nova redação ao artigo 366 do Código de Processo Penal, in verbis: Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312. § 1º As provas antecipadas serão produzidas na presença do Ministério Público e do defensor dativo. § 2º Comparecendo o acusado, ter-se-á por citado pessoalmente, prosseguindo o processo em seus ulteriores atos. Não obstante a atecnia legislativa, já que mistura norma de conteúdo adjetivo com norma de conteúdo substantivo, a nova redação, no que concerne a suspensão do processo, constitui uma evolução do nosso direito processual penal, pois é certo que antes da alteração, o processo seguia à revelia do acusado que, citado por edital, não comparecia e nem constituía defensor, ocasionando daí, punições injustas, à margem dos Pactos Internacionais que o Brasil havia ratificado e, principalmente, à margem daquilo que fora estatuído em nossa Carta Magna. Indubitavelmente que foi a consagração do princípio constitucional da ampla defesa e do seu sucedâneo, qual seja, o direito de ser comunicado previamente da acusação, que corporificam, juntamente com o contraditório, o devido processo legal. É a aplicação do brocardo latino Nemo debet inauditus damnari. [6] Outro objetivo buscado pelo legislador com a nova redação segundo o ínclito Eduardo Araújo da Silva [7] foi o de “evitar o desgaste natural dos operadores do Direito em certos processos, cujos resultados práticos (imposição de sanção penal) não eram alcançados, à vista da contumácia do acusado, sem prejuízo da contribuição para uma apuração mais eficaz das infrações relacionadas à criminalidade organizada”. Assim, citado por edital o acusado e não comparecendo, nem constituído advogado, paralisa-se o processo e, concomitantemente, o prazo prescricional, sendo certo que o processo ficará paralisado até que o acusado seja encontrado e citado pessoalmente ou até que constitua defensor. [8] A parcial incostitucionalidade do artigo 366 do código de processo penal, no que tange à suspensão do lapso prescricional. A impossibilidade da suspensão indefinida e permanente do prazo prescricional. Vivemos num Estado Constitucional e Democrático de Direito, onde as garantias criadas pela Norma Fundamental não podem ser quebradas, assim o processo de produção das normas infraconstitucionais é formal e substancialmente constitucionalizado. Tanto a existência como a validade das normas está condicionada à Constituição, portanto é ela quem estabelece a forma e os limites substanciais do Ordenamento Jurídico, onde a validade de uma norma depende de sua coerência com a Carta Magna. As normas que tratam da imprescritibilidade na Carta Constitucional (incisos XLII e XLIV do artigo 5º) são normas constitucionais intangíveis [9] que não podem ter reduzido ou aumentado seu alcance pela atividade do legislador infraconstitucional, isto é, não podem ser criadas novas hipóteses de imprescritibilidade pelo legislador ordinário. Como acima foi exposto, a Constituição da República prevê de forma restrita os casos de imprescritibilidade. Trata-se de numerus clausus e, de acordo com o voto erudito do juiz Márcio Bártoli [10] do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo é “inadmissível que uma ação perdure indefinidamente porque o réu não foi citado pessoalmente”. O preceito material da Lei 9.271/96 opõe-se, flagrantemente, à Carta Constitucional, pois a suspensão indefinida e permanente do prazo prescricional, até que o revel compareça ou constitua defensor (o que constitui fato imprevisível e incerto [11]), levaria à imprescritibilidade de qualquer delito, o que afrontaria sobremaneira os direitos e garantias individuais. A infelicidade do legislador ordinário foi o de não pressupor um tempo certo e determinado que findasse o transcorrer do lapso prescricional, e dessa maneira violou uma cláusula pétrea, qual seja, o direito à prescrição. A Constituição, no escalonamento normativo, deverá ocupar o ponto mais alto do sistema normativo. O legislador ao inovar a ordem jurídica infraconstitucional, obedecerá ao preconizado na Norma Fundamental, pois do contrário “restará ao Judiciário, como fiel guardião da Lei, reconhecê-lo expressamente, sem que se busquem alternativas de ordem meramente prática e que, pelo resultado que acaso alcancem, não afastarão o vício da lei inferior”. [12] Ante a aberração jurídica criada pelo legislador ordinário, escreveu o preclaro Alberto Silva Franco [13], ipsis verbis: “É evidente a impropriedade do texto legal que cria, de modo oblíquo, mais um caso de delito imprescritível, fora das hipóteses referidas nos incs. XLII e XLIV da CF (o racismo e ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático)”, e mais adiante conclui, verbis: “Assim, uma infração penal poderá ficar, por tempo indefinido, como uma espada de Dâmocles, sobre a cabeça do acusado”. --------------------- [1] A prescrição da pretensão punitiva foi regulada pelo Código Criminal de 1832 e leis posteriores; a prescrição da pretensão executória foi instituída pelo Decreto 774 de 1890. Assim como o Código vigente alterado pela reforma de 1984, os Códigos Penais de 1890 e de 1940 consagraram as duas modalidades de prescrição. [2] Direito Penal, p. 346. [3] Segundo o magistério do ilustre Antônio Rodrigues Porto in Da Prescrição Penal (Editora Revista dos Tribunais, 5ª edição, 1998, p. 25), verbatim: “O mais antigo texto legal de que se tem notícia, relativamente à prescrição penal, é a ‘Lex Julia de adulteriis’, do ano 18 a.C. A seguir, estendeu-se à generalidade dos crimes, exceto os de parricídio, apostasia e parto suposto; e não se aplicava quando já havia condenação. A Manzini pareceu que no direito romano a razão genética da prescrição resultara da idéia de reagir à negligência ou à malícia dos órgãos acusadores (grifo nosso)”. [4] Leciona brilhantemente Fernando da Costa Tourinho Filho in Processo Penal (Saraiva, v. 1, 19ª edição, 1997, p. 155), verbis: “...em todo processo de tipo acusatório, como o nosso, vigora tal princípio, segundo o qual o acusado, isto é, a pessoa contra quem se propõe a ação penal, goza do direito primário e absoluto (grifo nosso) da defesa. O réu deve conhecer a acusação que se lhe imputa para poder contrariá-la, evitando, assim, possa ser condenado sem ser ouvido”. [5] Estudos de Direito Penal e Processo Penal, p. 154. [6] Ninguém deve ser condenado sem (antes) ser ouvido. Expr. Equiv.: nemo inauditus damnari censetur (não é permitido condenar ninguém sem ouvi-lo). Trata-se da explicitação do direito de defesa, direito público subjetivo, autônomo e abstrato. Encontra-se o mesmo preceito no Evangelho de São João. [7] Boletim IBCCrim, nº 47, outubro de 1996, p.4. [8] Questão interessante e que suscitou controvérsia tanto na Doutrina como na Jurisprudência é a da aplicação ou não da Lei 9.271/96 aos fatos ocorridos antes de sua vigência em 17.04.96. Entendemos, em que pese o entendimento contrário, que a referida norma deverá ser cindida, isto é, a norma de conteúdo formal (suspensão do processo) deverá ser aplicada imediatamente, tendo em vista o disposto no artigo 2º do Código de Processo Penal, que agasalhou o princípio tempus regit actum, já quanto à norma de conteúdo material, por ser mais gravosa ao acusado, ela não poderá retroagir, pois é certo que o nosso Ordenamento Jurídico adotou o princípio da irretroatividade da norma mais maléfica (artigo 5º, inciso XL da Constituição da República e artigo 2º, parágrafo único do Código Penal). Certo que, agindo assim, o magistrado não estará criando uma norma, apenas estará se movimentando dentro do que permitem os princípios de direito penal (observação de Humberto Ibiapina in Boletim IBCCrim, nº 61, dezembro de 1997, p.19). Entretanto, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, de forma unânime, entendem que como a lei 9.271/96 é mista, pois tem uma parte processual e outra penal, prevalece a de cunho penal, mais gravosa, sendo, portanto, irretroativa. Nesse sentido: Supremo Tribunal Federal - HC nº 76.003, 1ª Turma, rel. min. Sepúlveda Pertence, Informativo STF nº 97, de 05.02.98, e Superior Tribunal de Justiça – RHC nº 6.858/SP, 5ª Turma, rel. min. Cid Flaquer Scartezzini, j. 10.11.97, v.u., DJU 15.12.97, p. 66.468. No sentido contrário: Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo – RJD 33/423, 33/421, 34/484, 35/438 e 36/473. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – HC nº 569/97, Marica, 3ª Ccrim, rel. des. Gama Malcher, vencido pelo des. Carlos Brazil, j. 22.07.97, e, ainda, RT 738/656. [9] Na lição do professor José Afonso da Silva (Aplicabilidade das normas constitucionais), trata-se de norma constitucional de eficácia plena e aplicabilidade direta ou integral, que incidem de modo imediato, dispensando legislação complementar. O professor de Direito Constitucional da Escola de Preparação e Aperfeiçoamento de Magistrados da Bahia, Uadi Lammêgo Bulos, in Manual de Interpretação Constitucional, entende que tais normas constitucionais são de eficácia absoluta, pois contra elas nem mesmo há o poder de emendar, contendo uma força paralisante total de toda legislação que, explícita ou implicitamente, vier a contrariá-las. [10] RJD 33/423. [11] Note-se que imprevisível é o que não se pode prever e incerto aquilo que é induvidoso, pois que carece de certeza, sinônimo de estabilidade. [12] Magistral o ensinamento do Juiz A. C. Mathias Coltro, cujo voto foi vencido, no julgamento da Ap. 1.018.175/1, da 6ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo – j. 26.06.1996 – Rel. desig. Juiz Almeida Braga. Cita em seu brilhante voto o decisium do Juiz Presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos em 1803, John Marshall (In The Supreme Corte – How it was, how it is, William H. Rehnquist, p. 112, William Morrow and Company, Inc., New York, 1987), verbatim: “A Constituição é um chefe superior do Direito, imutável por meios ordinários, ou estará num mesmo nível com as leis ordinárias e, como as outras, poderá ser alterada quando o Legislativo quiser. Se a primeira parte da alternativa é verdadeira, então a lei legislativa contrária à Constituição não é Direito; se a última parte é certa, então as Constituições escritas são tentativas absurdas, por parte do povo, de limitar um poder, por sua própria natureza ilimitado”. RT 733/600. [13] Boletim IBCCrim, nº 42 – Edição Especial – junho/1996, p.2. Convém ressaltar que, no tocante ao controle de constitucionalidade, a Constituição vigente adotou o jurisdicional, combinando os critérios difuso e concentrado, este de competência do Supremo Tribunal Federal, e de acordo com aquele, qualquer interessado poderá suscitar a questão de inconstitucionalidade, em qualquer processo, seja de que natureza for, qualquer que seja o juízo. Insta acentuar que, não comungamos da opinião de algumas correntes [14] que se formaram na interpretação dada à nova redação do artigo em comento. Certo que, para mitigar a monstruosidade criada pelo legislador infraconstitucional, sustenta hoje a corrente dominante, reconhecendo que a suspensão da prescrição por tempo incerto (já que condiciona a um acontecimento imprevisível) criaria novas situações de imprescritibilidade, que a referida suspensão não poderia ser eterna, mas deveria ter um limite, um “período prescricional” computado pela pena em abstrato combinada com o artigo 109 do Código Penal. [15] Ora, realmente que constitui uma interpretação que atenua o absurdo criado pelo legislador ordinário, mas não elimina o vício que ela carrega. Além do mais, como a norma não prevê de forma expressa por quanto tempo o processo ficará suspenso, não é lícito ao aplicador do direito criar uma nova norma para incluir um “período prescricional” (pena máxima em abstrato combinada com o artigo 109 do Código Penal). [16] Em suma, a nova redação do artigo 366, do Código de Processo Penal é inconstitucional, pois ao suspender indefinidamente o prazo para o Estado exercer o jus puniendi, certamente que criou novas formas de imprescritibilidade, ao total arrepio da Constituição vigente. Outros casos de suspensão previstos no nosso ordenamento jurídico. Constitucionalidade. Sustentam-se, de forma equivocada e infeliz, principalmente aqueles que não comungam com objeto do presente trabalho, que os outros casos de suspensão da prescrição (artigo 53, § 2º da Constituição Republicana e artigo 116 do Código Penal), também seriam inconstitucionais pelos mesmos fundamentos acima lançados. Tentaremos, permissa venia, demonstrar a total improcedência de tal raciocínio, haja vista que os mencionados casos estão em perfeita sintonia com a Constituição da República. O artigo 53, § 2º da Carta Constitucional prevê a suspensão do direito de punir do Estado em face dos eventuais crimes cometidos por Parlamentares, pois é certo que somente com a licença do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados é que o Senador ou Deputado poderá ser processado criminalmente. De acordo com tal preceito constitucional, indeferido o pedido de licença ou a ausência de deliberação para que o membro do Congresso Nacional possa ser processado criminalmente, o curso da prescrição ficará suspenso até o término do mandato. É evidente que tal prazo não é indeterminado e muito menos incerto. Ë certo, determinado e previsível, pois findo o mandato o ex-Parlamentar será processado, devendo o Estado fazê-lo dentro dos ditames legais. Por seu turno, clara a dicção do artigo 116 do Código Penal, in verbis: Art. 116. Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: I - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime; II - enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro. Parágrafo único. Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo. Certo que, o fluxo do prazo prescricional fica obstado, suspenso enquanto não se resolverem ou ocorrerem certas e determinadas situações enumeradas de forma taxativa pelo referido artigo e parágrafo único. Quanto a primeira hipótese, devemos analisá-la em consonância com os artigos 92, 93 e 94 do Código de Processo Penal, pois que tratam da questão prejudicial, ligadas ao mérito da questão principal. O artigo 92 do mencionado Estatuto Processual Penal trata da questão prejudicial obrigatória, ou seja, o juiz DEVE decretar a suspensão do processo penal quando a decisão sobre a existência da infração penal depender do reconhecimento do estado civil das pessoas (cidadania, família e capacidade civil). Assim, se o juiz reputar séria e fundada a questão, deve suspender o processo penal e o prazo prescricional, de ofício ou a requerimento das partes (artigo 94), até a conclusão da ação civil. Não há o que tergiversar diante da inteligência do artigo 92 do Código de Processo Penal quando preceitua, litteratim: “...o curso da ação penal ficará suspenso até que no juízo cível seja a controvérsia dirimida por sentença passada em julgado...”. O prazo em que ficará sobrestado o curso da ação penal e da prescrição é indeterminado, mas certo, pois que condicionado está à decisão do Juízo Cível. Encontramos no artigo 93 do Código de Processo Penal a questão prejudicial facultativa, isto é, o juiz poderá, por tempo razoável, suspender o processo até que a controvérsia referente à matéria diversa da do estado de pessoas seja resolvida no Juízo Cível. Pela leitura do referido artigo não nos permite mais elucidações, já que compete ao juiz marcar prazo para a solução da controvérsia, que poderá ser prorrogado, se a demora não for imputável à parte que o requereu. Evidente que tal prazo será certo e determinado. No tocante à segunda hipótese – cumprimento de pena no estrangeiro - o prazo prescricional também ficará suspenso até que o acusado cumpra a pena a ele imposta em outro país pela prática de algum delito. Certo que, cumprida a pena no estrangeiro e extraditado para o Brasil, o curso do prazo prescricional voltará a fluir normalmente, já que enquanto cumprir a pena no estrangeiro não é possível sua extradição. A última hipótese prevista no parágrafo único do artigo 116 do Código Penal, também se encontra em perfeita consonância com a Magna Carta. Trata-se da suspensão da prescrição executória, já que depois de transitada em julgado a sentença penal condenatória, enquanto o condenado estiver preso por outro processo, a prescrição ficará suspensa. Ora, seria contraproducente que fluísse tal lapso prescricional enquanto o condenado estivesse cumprindo pena. Em síntese, vê-se, pois, que os outros casos de suspensão da prescrição estão em total sintonia com a Magna Carta de outubro de 1988, já que o prazo em que a prescrição ficará sobrestada nunca levará a imprescritibilidade como, infelizmente, é o caso do artigo 366 do Código de Processo Penal. ------------------------ BIBLIOGRAFIA (OBRAS CONSULTADAS) BULOS, Uadi Lammêgo. Manual de Interpretação Constitucional, Ed. Saraiva, 1ª edição, 1997. GOMES, Luiz Flávio. Estudos de Direito Penal e Processo Penal, Ed. Revista dos Tribunais, 1ª edição, 1999. JESUS, Damásio E. de. Código Penal Anotado, Ed. Saraiva, 1ª edição, 1989. MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado, Ed. Atlas, 6ª edição, 1999. NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal, v1, Ed. Saraiva, 29ª edição, 1991. PORTO, Antonio Rodrigues. Da Prescrição Penal, Ed. Revista dos Tribunais, 5ª edição, 1998. SILVA, José Afonso da. Curso De Direito Constitucional Positivo, Ed. Malheiros, 13ª edição, 1997. ______. Aplicabilidade das normas constitucionais, Ed. Revista dos Tribunais FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal, v1, Ed. Saraiva, 19ª edição, 1997. TEMER, Michael. Elementos De Direito Constitucional, Ed. Malheiros Editores, 15ª edição, 1999. XAVIER, Ronaldo Caldeira. Latim no Direito, Ed. Forense, 5ª edição, 1999. Boletim IBCCrim, números 42, 47 e 61. Jurisprudências – Revista dos Tribunais (RT) -------------------------------------------------------------------------------- [14] O mestre Julio Fabbrini Mirabete sustenta que, in verbis: “Não havendo a lei delimitado o prazo máximo da suspensão, deve-se considerar o prazo máximo previsto para a prescrição, ou seja, 20 anos (art. 109, I, do CP)”. Outra corrente sugere o fim do processo quando o acusado completar setenta anos (Lucas Pimentel de Oliveira, A revelia..., Ministério Público, jul. 1996, p. 14, citado por Luiz Flávio Gomes, ibid, p. 163). [15] Damásio E. de Jesus, Boletim IBCCrim nº 42, p. 3, Luiz Flávio Gomes, ibid, p. 164. [16] Tal entendimento agride sobremaneira princípio sedimentado em nosso Ordenamento Jurídico, no sentido de que o interprete não pode fazer distinções quando a lei não a faz. Esse princípio se traduz no conhecido brocardo latino: Ubi lex non distinguit, nec nostrum est distinguere.
SOUZA, Ricardo Augusto Galvão de, Da parcial inconstitucionalidade da lei 9.271/96, que deu nova redação ao artigo 366 do código de processo penal. Parte 1,in www.ibccrim.com.br, 10.03.2001


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