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José Nabuco Galvão de Barros Filho - Advogado/Jaú
Processo no XX/99 – 22a Vara Criminal
Foro Central - São Paulo
Apelação Criminal
Razões de Apelação
Apelante: L. M. de O.
“Têm sido estudados os preconceitos e estereótipos que guiam a ação tanto dos órgãos investigadores como dos órgãos judicantes, e que os levam, portanto, a procurar a verdadeira criminalidade principalmente naqueles estratos sociais dos quais é normal esperá-la.”
(Alessandro Baratta)*
Egrégio Tribunal,
Colenda Câmara,
L. M. de O., já qualificado nos autos da ação penal que lhe move o Ministério Público, processo em epígrafe, foi condenado como incurso no art. 155, § 4o, IV, do Código Penal, pela r. sentença de fls. 142/144 a pena de 02 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo, sendo a pena de reclusão substituída por pena restritiva de direitos, especificamente prestação de serviços à comunidade, nos termos do art. 43, IV, do Código Penal.
Não tendo sido o réu encontrado para a intimação pessoal da sentença, foi intimado por edital.
Intimado, seu defensor dativo, nomeado pela Procuradoria de Assistência Judiciária, interpôs o Recurso de Apelação, nos termos do art. 593, I, do CPP, apresentando-se dentro do prazo legal as razões de seu inconformismo.
1. Síntese dos fatos
Junto com E. R. D. e D. N. S., o ora apelante L., foi surpreendido, em 18 de setembro de 1999, dirigindo o veículo Voyage, que fora subtraído no dia 24 de agosto do mesmo ano, ou seja 25 dias antes (cf. auto de prisão em flagrante, fls. 04).
Foi denunciado por furto qualificado por concurso de pessoas (art. 155, § 4o, IV), porque, supostamente, teriam subtraído o veículo em 24 de agosto de 1999 e “em momento posterior” (sic) foram surpreendidos pela polícia.
No interrogatório, L. afirmou que no dia em que foi preso, 18 de setembro de 1999, encontrou o veículo abandonado, quando resolveu usá-lo e depois devolvê-lo no local. Negou que tivesse subtraído o veículo na data apontada na denúncia (fls. 64).
Os co-réus D. N. dos S. e E. R. D. deram versão idêntica, nos respectivos interrogatórios (fls. 60 e 62).
A
vítima C. F. de C., em juízo, apenas confirmou a ocorrência do furto no dia 24
de agosto de 1999, sem que tivesse presenciado a subtração. Não pôde,
portanto, afirmar que os réus foram os autores do furto (fls. 102).
Por
sua vez, o policial militar Aparecido Donizete Vilela, condutor da prisão em
flagrante, apenas confirmou que surpreendeu os réus no veículo, no dia 18
de setembro de 1999. Nada podendo afirmar sobre o dia da subtração. (fls.
116)
Na
decisão de fls. 142/144, o MM. Juiz a quo
condenou o ora apelante, simplesmente porque ficou comprovada a subtração e a
confirmação de que os réus foram encontrados em posse da res furtiva, o que ensejaria a presunção de autoria, consoante
duas decisões desse Egrégio Tribunal.
No entanto, conforme se demonstrará a seguir, a condenação não deve prevalecer, porquanto não há lastro probatório que autorize a condenação.
2. Ausência de provas: a impossibilidade de condenação baseada exclusivamente na apreensão da res furtiva 25 dias após a prática da subtração.
O contexto probatório é demasiadamente frágil. Duas pessoas foram ouvidas: o policial militar que afirmou ter surpreendido os réus em posse do veículo no dia 18 de setembro de 1999 e a vítima que apenas certificou a ocorrência do furto em 24 de agosto de 1999, afirmando não ter visto os furtadores.
Há, apenas e tão somente, dois fatos: a subtração e a prisão em flagrante 25 dias depois. Nenhuma prova, nenhum indício sequer, existe a ligar, concretamente, a subtração com a prisão dos réus em posse do veículo furtado.
A rigor, nada mais há que uma presunção de autoria, o que afronta visceralmente, a Constituição da República que acolhe exatamente o princípio inverso, qual seja a da presunção da inocência (art. 5o, LVII).
É bem verdade que o MM. Juiz a quo fundamentou o decreto condentório em dois v. acórdãos desse Egrégio Tribunal. Contudo, S. Excia., deixou de observar, no corpo dos v. acórdãos, as peculiaridades fáticas referentes à posse do bem que, naqueles processos, autorizaram a condenação. Com efeito, num dos acórdão citados o réu foi encontrado na rua após o furto com duas máquinas de escrever (TACrim-SP — Apelação nº 569.933/2 — Sétima Câmara — v.u. — Rel. Correa de Moraes — RJTACrim 6/132); noutro, foram os réus surpreendidos em posse das coisas furtadas de empresas nas quais trabalhavam (TACrim-SP — Apelação nº 611.859/8 — Quarta Câmara — v.u. — Rel. Passos de Freitas — RJTACrim 8/96).
Como se vê os dois precedentes jurisprudenciais citados pelo MM. Juiz a quo diferem em muito da hipótese dos autos, não servindo como fundamento à condenação, posto que naqueles casos não haveria possibilidade de que os réus não fossem os autores do furto.
Tanto é assim, que diversas decisões há desse Egrégio Tribunal entendendo que a simples posse da res furtiva, divorciada de outros elementos de convicção, não é suficiente para a condenação:
“Em sede de furto, impossível a condenação do acusado baseada exclusivamente no fato dos objetos subtraídos terem sido apreendidos em sua casa.”
(TACrim-SP — Revisão nº 317.608/3 — Segundo Grupo de Câmaras — v.u. — Rel. Carlos Bueno — RJTACrim 38/458)
“Em delitos contra o patrimônio, geralmente perpetrados às escondidas — como o furto — a apreensão da res assume inestimável valor probante. Todavia, urge esteja enfeixada a uma precisa e nítida convergência de outros indícios para se conferir serenamente a imputabilidade de quem tinha aquela suspeitosa detenção.”
(TACrim-SP, Ac, Rel. Juiz Gonçalves Nogueira, RT 606/357)
“Em crime de furto, apesar da posse da res furtiva constituir forte indício da prática da infração penal, o fato do objeto do delito ser localizado em poder dos acusados meses após o evento criminoso, sem qualquer outro adminículo probatório, não fecha o círculo da prova de maneira induvidosa, de forma a ensejar um édito condenatório.”
(TACrim-SP — AC — Rel. Juiz Aguilar Vallim, RJD 14/148)
“A afirmação de que a apreensão faz irromper a presunção de autoria de quem traz consigo, ou guarda, produto de crime e a ponto de estear decreto condenatório é equívoca, pois o processo penal como instrumento público de proteção de liberdade jurídica não opera com conjecturas, razão pela qual a autoria de certo delito necessita provar-se de modo cabal para justificar decisum penal condenatório.”
(TACrim-SP — Apelação 775.607/1 — 10a Câmara — v.u. — Rel. Juiz Sérgio Pitombo, RJDTACrim 18/119)
“Em crime de furto, a apreensão da res em poder do agente é um elemento indiciário relevante, muitas vezes indicativo da autoria do delito, mas que só pode ser considerado como convincente e suficiente para alicerçar uma condenação quando estiver conjugado a outros obtidos no curso da instrução criminal.”
(TACrim-SP — Apelação nº 975.261/4 — Décima Câmara — v.u. — Rel. Márcio Bártoli — RJTACrim 34/312)
“Para a tipificação do crime de furto é necessária a prova da retirada ou apossamento do bem, sendo que a apreensão de objeto subtraído, mais de trinta dias após o crime, em poder de terceira pessoa, por si só, não pode ser considerada como elemento comprovador da autoria do delito em questão.”
(TACrim-SP — Apelação nº 1.058.549/7 — 5a Câmara — v.u. — Rel. Angélica de Almeida — RJTACrim 36/209)
No caso sub judice, a condenação se baseou, estritamente, no entendimento de que caberia a inversão do ônus da prova, por terem sido os réus surpreendidos com o veículo, cabendo a eles dar uma justificativa para a situação. A propósito, cite-se o excerto do julgado supra citado, relatado pelo eminente Juiz Márcio Bártoli:
“É verdade que o apelante nunca ofereceu uma explicação razoável para a posse do bem subtraído à vítima. Porém, também é certo que não se coligiu prova suficiente que demonstrasse, com a segurança e certeza requisitadas à prolação de um decreto condenatório, ter sido ele o autor do furto.”
(RJTACrim 34/313)
Embora, exista o entendimento de que se o agente é encontrado com a res furtiva cabe a ele dar uma explicação razoável para elidir a presunção de autoria, isoladamente, todavia, “como no caso em exame, nada representa, além de fortíssima suspeita sobre a autoria do ilícito.” (Cf. Márcio Bártoli, decisão citada, RJTACrim 34/314)
Isso porque, se o crime de furto tem como ação típica o subtrair, há que se comprovar que o réu praticou a conduta descrita no verbo núcleo do tipo. Nesse sentido, aponta a eminente Juíza Angélica de Almeida: “A posse ou detenção de objeto, produto de crime, pode caracterizar diversos tipos penais, até mesmo do delito de furto. Mas, para tanto, é preciso que a conduta descrita pelo núcleo do tipo penal respectivo esteja demonstrada.” (RJTACrim 36/209)
É óbvio que se, diante de um furto recém praticado, o agente é preso em posse da coisa, é de se presumir sua autoria. Mas não por qualquer presunção jurídica, e sim por uma questão fática, já que é a realidade que impõe a presunção de autoria de furto se alguém, p. ex., é surpreendido dirigindo veículo imediatamente após a subtração; em tal caso não há como, plausivelmente, estar ele de posse da coisa se não tiver realizado a conduta típica do art. 155. Essa dita presunção, portanto, nada mais é que reflexo da realidade dos fatos. São estes que, de acordo com circunstâncias, podem levar à presunção de autoria; mas inexiste uma presunção que inverta o ônus da prova, suplantando a realidade dos fatos.
Assim, em determinadas circunstâncias a posse da coisa pode, até, ensejar a certeza de autoria, todavia no presente caso a posse não significa absolutamente nada no que se refere ao furto. A condenação, portanto, baseou-se em meras conjecturas, em ilações, mas não em provas.
Saliente-se que a única presunção prevista no ordenamento jurídico é a da inocência, consubstanciada no art. 5o, LVII, da Constituição da República. Assim, a presunção de autoria decorrente da posse da coisa:
“... não deve ser aplicada indistintamente, em razão da garantia constitucional da não-culpabilidade, inscrita no art. 5º, LVII. A inversão do encargo probatório, só se verifica excepcionalmente, nos casos de alegação de causa excludente de ilicitude ou de pena, quando o acusado tem a incumbência de comprovar sua alegação (Fernando Tourinho Filho, Processo Penal, vol. 3, Ed. Saraiva, 1994, pág. 214).”
(Cf. Márcio Bártoli, decisão citada, RJTACrim 34/314)
Destarte, totalmente incabível, o entendimento do MM. Juiz a quo de que, simplesmente porque não ofereceu justificação inequívoca, presume-se a autoria.
Data venia, a se prevalecer o entendimento do juízo recorrido, descurando-se dos demais elementos probatórios — sobretudo o fato de que a coisa foi encontrada 25 dias depois de realizada a subtração — a justiça ficaria a mercê de um automatismo incompatível com um processo penal de um Estado Democrático de Direito.
Desse modo, ao ser encontrado em posse do veículo tanto tempo após o furto, o máximo que se poderia ensejar seria uma denúncia por receptação. Não existindo a mais tênue ligação entre o dia em que foram surpreendidos em posse do veículo e o dia em que a coisa foi subtraída, 25 dias antes, a absolvição é a medida que se impõe.
Ademais, há que se salientar que o veículo foi encontrado na posse de três pessoas. Ainda que se prevalecesse o entendimento do juízo recorrido, como se saber, com a certeza que requer as condenações criminais, se os três estavam presentes no dia do furto?
Assim, a sentença condenatória foi absolutamente desamparada de provas, constituindo decisão injusta contrária aos mais elementares princípios de Processo Penal, sobretudo o in dubio pro reo, corolário do princípio constitucional da presunção da inocência.
3. Conclusão
Ante todo o exposto, é de rigor o provimento do recurso de Apelação, reformando-se a sentença condenatória para que seja o ora apelante absolvido, no termos do art. 386, IV, do Código de Processo Penal, como medida de
J u s t i ç a.
São Paulo, 04 de janeiro de 2001
José Nabuco Galvão de Barros Filho
OAB-SP 147.285/ Jaú
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* Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal, trad. Juarez Cirino dos Santos, 2a ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999, pp. 176/177.
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