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Arrazoados: Parecer do Promotor de Justiça de Pelotas sobre progressão de regime

As opiniões expressas nos artigos publicados responsabilizam apenas seus autores e não representam, necessariamente, a opinião deste Instituto

José Olavo Buenos dos Passos

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Processo de Execução nº 44958825

Apenado: R. B. C.

Parecer

Pelo Ministério Público

A sensibilidade ao decidir a sorte de seus pares é circunstância inerente ao julgador

Sem ela não se faz justiça, muito embora se opere o direito. Entre um e outro, que se proceda a justiça.

Autor desconhecido

MM. Juíza:

Trata-se de postulação de progressão de regime carcerário. O Pedido foi devidamente instruído, vindo os autos para lançamento do competente parecer ministerial.

É o sucinto relatório.

A Lei de Execução Penal prevê, e não poderia deixar de assim proceder, o sistema de progressão carcerária na execução da pena privativa da liberdade. É o que determinada a moderna criminologia; é o acatamento da ressocialização como o principal objetivo da sanção cerceadora da liberdade, único elo sustentador da manutenção, nos ordenamentos jurídicos atuais, de tal tipo de apenamento.

Douta magistrada, note-se que o recolhimento ao cárcere representa o afastamento temporário de indivíduo do seio da sociedade; de integrante do contexto social; de componente dessa mesma estrutura social. Afastá-lo! Por que motivo? Grande, imensa questão. Ora, muito embora possa buscar-se respostas em seara mais longínqua, é possível responder-se a interrogação de uma forma mais simples: o afastamento se dá para o tratamento; para a recuperação; para a reeducação do sancionado penalmente.

Dessa forma, o grande trabalho da área penitenciária deve ser o de buscar a recuperação do apenado.

Saliento aqui, para não deixar lacunas a falsas interpretações, que não se está a defender a revogação do processo penal e de sua conseqüência, ou seja, a pena. Pelo contrário, havido o delito, que se imponha ao seu autor, se for considerado culpado, a devida sanção legal. Faça-se isso, no entanto, com a clara noção de que estar-se-á operando a repressão ao delito, a prevenção de novos fatos, tudo procedendo-se, no entanto, para, em caráter primordial, durante o período de afastamento do condenado da vivência social, pois foi considerado inapto, momentaneamente, para tal vivência, tratá-lo, reeducá-lo (ao preso), conforme já se expôs in "A Educação como meio de Ressocialização do Condenado à Pena Privativa da Liberdade"(2000:EDUCAT/UCPEL), para futuro retorno à companhia de seus pares.

Cabe ressaltar, na mesma esteira anteriormente consignada, que não se está a sustentar o descumprimento da lei. Seria isso enorme absurdo, e o direito não permite que se pratique absurdos. Caso ocorram, devem ser de pronto combatidos. Prega-se, sim, a efetiva execução da Lei de Execução Penal e, para fazer-se valer a lei, cabe sua correta interpretação. Sabe-se que todo o texto legal trás em si o espírito motivador de sua prolação. Assim, não é de se fazer leitura literal de dispositivo por dispositivo, mas sim de seu texto conjuntural, aferindo-se, in totum, sua intenção, o seu sentido, tendo em vista, sempre, em qualquer caso, a realidade social vigente. Em não procedendo-se dessa maneira, agirá o jurista, o operador do direito, o intérprete legal, na contra-mão de direção da evolução social, de uma forma mecânica, de caráter puramente tecnicista - "Não necessita protestar contra a lei. De acordo sobre isso. Não se pode protestar contra a necessidade; mas não se pode esconder que o direito e o processo são uma pobre coisa e é isso, verdadeiramente, que é necessário para fazer avançar a civilização" - Carnelluti, Francesco. As Misérias do Processo Penal. 1957:Edizioni Radio Italiana, p. 59.

Nossa Lei de Execução Penal, registra-se, é uma das mais modernas do chamado mundo civilizado, contendo enormes avanços no campo da execução do sancionamento criminal.

Dentro do sistema progressivo, o avanço do regime mais gravoso para o de menor intensidade carcerária é uma das formas de reinserção do preso dentro sociedade de onde foi retirado. Testa-se a aptidão do condenado. Busca-se saber de pode ele voltar a vivência social.

Nada existe, em termos legais, a obstar essa possibilidade, inclusive a chamada Lei dos Crimes Hediondos, inconstitucional em seu artigo fixador da integralidade do cumprimento da pena em regime fechado, como muito bem avistou e escreveu o douto Desembargador Antônio Carlos Netto Mangabeira, integrante na 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na Apelação nº 700010588460: "Conforme já me manifestei em inúmeras oportunidades, entendo ser inconstitucional o art. 2º, parágrafo 1º, da Lei dos Crimes Hediondos, a estabelecer que os condenados pelas infrações ali elencadas deverão cumprir o castigo segregatório em regime totalmente fechado. Tal norma, como se verá a seguir, impede a adequada individualização da pena à pessoa e significa ofensa ao princípio da humanidade da sanção, garantias contidas na Lei Maior 9art. 5º, incisos III, XLVI e XLVII)".

Na mesma linha, no sentido da possibilidade da progressão carcerária em crimes hediondos, o entendimento dos Ministros Vicente Leal e Fernando Gonçalves, integrantes do Superior Tribunal de Justiça: HC nº 7.185, 6ª Turma, Rel. Ministro Vicente Leal, DJU 10.08.98, p. 81; STJ, RHC 8,046, 6a, Turma, Rel. Ministro Vicente Leal, DJU 14/12/98, p. 306; STJ, RHC,7.856, 6ª Turma, Rel. Ministro Vicente Leal, DJU 14/12/98, p. 304; STJ, HC nº8.264, 6ª Turma, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, DJU 03/05/99, p. 179; STJ, HC nº 8.181, 6ª Turma, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, j. 08/06/99, DJU 20/09/99, p. 86; STJ, HC nº 8.640, 6ª Turma, Rel. Ministro Vicente Leal, DJU 20/09/99, p. 87.

Damásio de Jesus, escrevendo a respeito da progressividade do regime prisional, em crimes hediondos, expressa-se da seguinte forma: "...com fundamento no princípio constitucional da proporcionalidade. O art. 5º, XLIII, da CF, equipara o delito de tortura aos hediondos e assemelhados. Ora, se a lei de Tortura, posterior à Lei dos Crimes Hediondos, admite a progressão, de estender-se os benefícios a estes assemelhados, por aplicação retroativa da norma mais benigna (CF, art. 5º, XL; CP, art. 2º, parágrafo único"- Boletim do IBCCrim, Novembro/99, nº 84. p. 02).

Ressalte-se que a integralidade do regime fechado para os crimes hediondos esbarra no próprio objetivo principal da pena privativa da liberdade, já referido anteriormente, acatado por nossa Lei de Execução Penal, uma das mais modernas do mundo, qual seja, a ressocialização do apenado e, como ensinam doutrinadores do porte de Cesar Bittencourt, única justificativa para existência, ainda, de tal tipo de apenamento.

A reeducação do preso atráves do tratamento penal, operado através do trabalho e da educação, esta última o meio mais eficaz de alcançá-la, é o grande esteio da pena privativa da liberdade.

Aliás, há de se perguntar o que ganha a sociedade humana com o encarceramento integral, pelo período total da pena privativa da liberdade imposta? A resposta é simples: nada, absolutamente nada. Perde sim a chance de testar ao apenado, de reinserí-lo paulatinamente na sociedade de onde foi segregado. Ao final de sua pena, é jogado no meio dos chamados homens livres. Terá recuperado-se? O tempo que passou no cárcere terá mudado seu caráter; amainado sua revolta; dirimido sua violência; contido sua agressividade? Enormes indagações ficam sem resposta. Nada disso foi aferido pelo magistrado, pelo Ministério Público, pelos operadores da execução penal.

"Acontece para as pessoas, incluindo também os juristas, quando da condenação, alguma coisa de análogo àquilo que ocorre quando um homem morre: o pronunciamento da condenação, com o aparato que todos conhecem, mais ou menos, é uma espécie de funeral; terminada a cerimônia, depois que o acusado sai das jaulas e o recebem em custódia os policiais, recomeça para cada um de nós a vida cotidiana e, pouco a pouco, não se pensa mais no morto. Sob um certo aspecto, pode se assemelhar a penitenciária a um cemitério; mas se esquece de que o condenado é um sepultado vivo.

Precisa-se pouco para compreender que, ao invés do cemitério, deveria ser um hospital; mas basta ter compreendido isto para se descobrir o erro de quem pensa que, com a condenação o processo esteja terminado. A condenação, vendo-se bem, não é nada mais que uma diagnose: não é também uma diagnose o juízo? O médico, quando, ao fim de sua indagação, admite a existência da doença, pronuncia também ele uma sentença, aliás uma condenação; também a ele acontece, como ao juiz, de absolver ou condenar, segundo reconhece no paciente um são ou um doente. Mas o que vem à mente que o médico com a diagnose teria cumprido o seu dever? O juiz, com a sentença de condenação, faz a diagnose, prescreve a cura: também a cura, então, é obra da justiça; ou tal obra deve deter-se quando foi acordado que uma pessoa é um delinqüente que não se preocupa por fazer o quanto é possível a fim de tornar-se um homem honesto?

A penitenciária é, verdadeiramente, um hospital, cheio de enfermos de espírito, ao invés que do corpo, e, alguma vez, também do corpo; mas que singular hospital! No hospital, a priori, o médico, quando percebe que a diagnose está errada, corrige-a e retifica a terapia. Na penitenciária, ao contrário, é proibido assim fazer. Não é um hospital, onde não se tenham médicos e enfermeiros: o diretor da penitenciária e os outros, que o auxiliam na direção, são mais que desprovidos daquelas condições, que podem servir para a cura de seus enfermos; e muitas vezes eles atendem com compreensão, com paciência e por fim até com abnegação. Por outro lado, para esses médicos, a diagnose do juiz é imposta com autoridade, em função da coisa julgada; a prova do progresso da doença não importa. O juiz disse dez, vinte, trinta anos e dez , vinte, trinta devem ser, ainda que a prova demonstre que é muito ou pouco, porque também, antes do período estabelecido, o doente recuperou a saúde, ou também ao contrário, o período transcorreu inutilmente" - Carnelutti, Francesco. As Misérias do Processo Penal, 1957: Edizioni Radio Italiana, p. 68 e 69.

É o mesmo doutrinador antes citado, do cume de sua sapiência, que declina, na mesma obra, p. 52 e 53: "O juízo, para ser justo, deveria ter em conta não somente o mal que um teria feito, mas também o bem que fará; não só da capacidade para delinqüir, mas também da sua capacidade para se redimir (grifo nosso)".

Estampou Carnelutti, na mesma obra, p. 35 e 36, lapidar lição: "Poderia também dizer que é questão de fé no homem a questão penal. Mas a fé no homem se conquista somente amando o homem. Mais que ler muitos livros queria que os juízes conhecessem muitos homens; se fosse possível, sobretudo santos e canalhas, aqueles que estão sobre o mais alto ou o mais baixo degrau da escada. Parecem imensamente distantes; mas sobre o terreno do espírito acontecem coisas estranhas. Aqui, assim pouco se quer para um canalha virar santo. Cristo, com o exemplo do ladrão crucificado, nos tem ensinado! Após tudo basta que o canalha se envergonhe de ser canalha; e pode também bastar que um santo se glorifique de ser santo para perder a santidade. Estas são realmente as coisas essenciais; mas não se encontram em nenhum manual de psicologia. Antes se aprende na igreja ou nas penitenciárias. Curiosa também esta aproximação, não? Entre a igreja e a penitenciária, qualquer coisa como colocar juntos o inferno e o paraíso. Mas o erro, o tremendo erro está no crer que aqueles que estão recolhidos na penitenciária sejam malditos" (Grifo nosso).

Assim, na linha de raciocínio exarada, entendo que, em tendo o apenado bom comportamento carcerário, tendo cumprido o lapso temporal exigido em lei para auferir a passagem do regime carcerário atual para outro menos gravoso, bem como tendo condições subjetivas para lograr o benefício buscado, partilhando da tese exposta na concepção "Neodefensista Social", que expõe o entendimento de que cumpre aos operadores do direito, aos magistrados, aos integrantes do Ministério Público, aos advogados, a execução de procedimentos que venham em defesa da sociedade e, portanto, todo o agir no sentido da recuperação do apenado é um agir em defesa da sociedade, já que um dia ele voltará ao convívio social, devendo, então, voltar recuperado, mesmo que ainda parcialmente, não importando examinar-se a natureza do delito praticado, circunstância já aferida no juízo da condenação, cabível a progressão carcerária.

Destarte, opina o Ministério Público pelo deferimento da progressão carcerária buscada pelo apenado R. B. C., procedendo-se às formalidades legais cabíveis à espécie.

É a conclusão.

Pelotas, 20 de fevereiro de 2001

José Olavo Buenos dos Passos

Promotor de Justiça



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