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Arrazoados: Pedido de arquivamento em virtude de auto de prisão em flagrante ter nulidade material e formal - Ana Cláudia Bastos de Pinho - Promotora/PA.

As opiniões expressas nos artigos publicados responsabilizam apenas seus autores e não representam, necessariamente, a opinião deste Instituto

Excelentíssima Senhora Juíza de Direito da 5ª Vara desta Comarca,

IPL n.º 2001014236

Indiciado: F. B. S.

Vítima: O ESTADO

Cap. penal provisória: art. 10 § 1º, II da Lei 9437/97

O Ministério Público Estadual, através da Promotora de Justiça, ao final assinada, no uso de suas atribuições constitucionais, vem, respeitosamente, perante V.Exa., com fulcro no art. 28 do CPP, requerer o ARQUIVAMENTO da peça informativa em anexo, pelos fatos e fundamento a seguir exarados:

I – DOS FATOS

Consta dos autos que, no dia 08 de maio de 2001, policiais lotados na delegacia do Aurá, teriam recebido informações “de populares” de que F. B. S., suspeito de haver praticados dois roubos naquela circunscrição, poderia ser encontrado na residência de nº 58, na quadra 05, no Loteamento Jader Barbalho.

O Investigador de Polícia Civil PEDRO PAULO FERREIRA DA SILVA e seu colega citado como Bosco deslocaram-se até o endereço fornecido e, ao baterem à porta, foram recebidos pelo Indiciado que, imediatamente, foi detido e submetido à revista pessoal. Em seguida, os policiais passaram a fazer revista na residência, quando, então, afirmam ter encontrado, no interior de um armário, uma arma de brinquedo fabricada em plástico preto, o que ensejou a condução e posterior prisão de F., “em flagrante delito”.

Esse ilustre Juízo manteve a constrição, justificando não vislumbrar vícios formais ou materiais no auto e determinou a aplicação do instituto da fiança pela própria autoridade policial, por se tratar de crime punido com pena de detenção.

II – DA ILEGALIDADE DO FLAGRANTE

Concessa maxima venia, o auto de prisão em flagrante delito se encontra eivado de vícios, tanto de forma, como de matéria, que o maculam irremediavelmente, estando a prisão, via de conseqüência, ilegal, senão vejamos.

II.1. VÍCIO MATERIAL

Inicialmente, vê-se, de forma clara, que o Indiciado foi preso de forma totalmente arbitrária, tendo os policiais que efetuaram a prisão descumprido, inclusive, norma constitucional.

Diz o próprio condutor que populares teriam acionado a DP do Aurá, informando que o Indiciado estaria escondido numa casa, no Loteamento Jader Barbalho, o que provocou uma diligência policial no sentido de prendê-lo, pelo simples fato de ser “suspeito” de roubos naquela área.

Sabe-se que, de acordo com o art. 5º, LXI, da C.F./88, somente se justifica a prisão nas hipóteses de flagrante delito ou de ordem escrita e fundamentada de autoridade competente.

No caso vertente, os policiais procederam à prisão de F. sem qualquer ordem judicial para tanto e sem estar ele praticando qualquer infração penal. É imperioso observar que os policiais primeiro prenderam o Indiciado para, somente depois, efetuarem a revista onde foi encontrada a tal arma de brinquedo.

Na verdade, a polícia sequer poderia ter entrado na casa do Indiciado sem mandado judicial de prisão e, da mesma forma, jamais poderia ter procedido à revista sem ordem judicial de busca e apreensão domiciliar. É de ressaltar que o condutor sequer menciona provável consentimento do morador (Indiciado), limitando-se a afirmar que F., ao atender a porta, “não teve tempo de escapar, pelo que o detiveram e na presença do mesmo fizeram uma revista, primeiro pessoal e depois na casa” (sic.). Quer dizer, o morador não teve tempo de esboçar qualquer reação, pois, mal abriu a porta de casa, foi logo detido e revistado.

Não é demais lembrar a garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio, prevista no art. 5º, XI, da Carta Magna, in verbis:

“a casa e asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial” (grifos nossos).

É espantosa a arbitrariedade praticada pelos policiais em questão que, no exercício de tão relevante mister, deveriam zelar pelo cumprimento fiel das garantias individuais, previstas em nosso ordenamento maior. Porém, ao contrário, ignoram a Constituição, desrespeitam os direitos fundamentais do cidadão, procedendo como se, ao invés de um Estado Democrático de Direito, estivéssemos em franco período medieval, mercê da barbárie e desatinos daqueles que detêm o poder.

Em síntese, a prisão efetuada ocorreu antes mesmo dos policiais acharem a arma de brinquedo que “justificou” o flagrante. Impõe destacar, portanto, que a invasão à casa de F. – por ter sido totalmente ilegal – jamais poderia fundamentar o posterior flagrante.

II.2. VÍCIO FORMAL

Além do vício de matéria ora apontado há, ainda, um erro de forma que, igualmente, macula o auto. A autoridade policial presidente – em total afronta ao espírito que norteia o instituto da curadoria – nomeou, para funcionar como curador do Indiciado, que é menor de 21 anos, um investigador de polícia civil (Ivander Martins Santos), lotado na mesma Seccional Urbana onde estava sendo lavrado o flagrante (7ª Seccional Urbana – PAAR); procedimento este que, infelizmente, vem se tornando comum nesta Comarca e que urge ser combatido.

Ë sabido que quando a nomeação de curador para Indicado menor de 21 e maior de 18 anos recai sobre pessoa subordinada ao Delegado de Polícia que preside o Inquérito, lotado na mesma unidade policial, está maculado o auto de flagrante e, via de conseqüência, ilegal a prisão, sendo passível de relaxamento, nos termos do art. 5º, LXV, da CF/88.

Isto porque, a prisão em flagrante delito é constrição da liberdade que deriva de ato administrativo – e não judicial – devendo tal ato, portanto, ser absolutamente vinculado a todas as formalidades exigidas. Trata-se de um ato solene, em razão de sua excepcionalidade.

No que concerne à nomeação de curador – hipótese expressamente prevista no art. 15, do CPP – urge ter em mente que referida formalidade tem por fim evitar que o Indiciado, ainda incapaz civilmente (incapacidade relativa), fique vulnerabilizado pelo procedimento flagrancial. Presta-se, portanto, para resguardar a legitimidade das declarações a serem prestadas pelo indiciado.

Sendo assim, por óbvio que esse curador deve ser pessoa estranha aos quadros da Polícia, notadamente àquele determinado departamento ou unidade onde se está lavrando a peça informativa.

Nesse sentido, vejamos a lição de TOURINHO FILHO: esse curador pode ser qualquer pessoa sui juris. Pode ser um parente. Normalmente a Autoridade Policial nomeia um Advogado. A função desse curador é apenas a de dar assistência ao menor. Sabe-se que nessa idade, regra geral, os menores são sugestionáveis e, assim, frente a frente com os policiais, talvez nem saibam fazer valer seus direitos, ignorando-os até. Sem a necessária maturação biopsíquica e ausente muitas vezes a experiência da vida, ficariam eles mais desamparados se não houvesse alguém, preferentemente um parente, posto ser da sua confiança, ao seu lado, durante os atos a que deva estar presente”. E prossegue: “se o inquérito se iniciar através de auto de prisão em flagrante, esse auto, como peça coercitiva, perderá toda a sua validade se não for nomeado Curador ao indiciado menor. É que, em se tratando de prisão que se realiza sem o controle prévio do Juiz, todas as formalidades exigidas são ad solemnitatem e, por isso mesmo, a sua ausência torna imprestável o auto (In TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. 4ª edição ver. E atual. – São Paulo: Saraiva, 1999. Páginas 57/59) (grifos nossos).

No mesmo sentido, o julgado abaixo do Colento STJ, de lavra do eminente Ministro Francisco de Assis Toledo:

“Réu menor de 21 anos – Prisão em flagrante – Nomeação de curador na pessoa de escrivão de polícia, lotado na mesma delegacia. Embora a jurisprudência entenda não invalidar a ação penal a circunstância de recair a nomeação de curador em pessoa pertencente ao quadro policial, não se pode convalidar o auto de prisão em flagrante na hipótese dos autos, em que o curador nomeado, sendo escrivão da própria Delegacia, não estava em condição de exercer o seu múnus com total independência, nem possuía capacidade postulatória para atuar em favor do menor. Recurso de hábeas corpus conhecido e provido para anular-se a prisão em flagrante” (STJ – RHC – Rel. Assis Toledo – RSTJ 56/371) (In Código de processo penal e sua interpretação jurisprudencial. Coordenação Alberto Silva Franco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1999. Página 1955) (grifos nossos).

Vê-se, assim que o fundamento da nomeação de um curador é a necessidade de se garantir sejam legítimos todos os atos que exigem a presença do indiciado menor. Destarte, impossível aceitar a nomeação de um funcionário subordinado à própria autoridade processante, pois, nesse caso, não haverá isenção.

Assim, resta demonstrado, à saciedade, que o auto de prisão em flagrante delito lavrado contra o Indiciado está eivado de vícios – de forma e de fundo – e, por isso, ilegal está a prisão, merecendo ser, de imediato, relaxada por esse douto Juízo, a teor do que dispõe a norma do art. 5º, LXV, da CF/88.

A propósito, cumpre mencionar que, apesar desse douto Juízo haver mantido a prisão, nada impede que venha a relaxá-la, por se tratar de mandamento constitucional cogente, abstraindo-se, neste caso, as formalidades verificadas em sede de teoria dos recursos, no que concerne à impossibilidade de revisão do ato pela mesma instância judiciária.

Ultrapassada a questão da ilegalidade do flagrante, impende justificar o pedido de ARQUIVAMENTO.

III – RAZÕES DO ARQUIVAMENTO

Com efeito, o Inquérito Policial narra que foi apreendida, em poder de F. B. S., uma arma de brinquedo, o que tipificaria a conduta prevista no art. 10 , §1º, II, da Lei nº 9.437/97 (“utilizar arma de brinquedo, simulacro de arma capaz de atemorizar outrem, para o fim de cometer crimes”).

Referida norma penal incriminadora, tão logo entrou em vigor, foi alvo de incontáveis críticas de abalizados doutrinadores, lado a lado com decisões jurisprudenciais que, há muito, já se posicionavam em sentido contrário à novel incriminação.

As discussões sobre a “arma de brinquedo” não são de hoje, nem datam da Lei nº 9.437/97. Na verdade, sempre foi objeto de polêmica a causa especial de aumento de pena prevista no art. 157, §2º, I do CP, que impõe a majoração quando a violência ou ameaça, constitutivas do roubo, é exercida com o emprego de arma.

Para alguns, a “arma de brinquedo” deveria ser entendida como “arma” e, portanto, incidiria a majorante; muitos outros, em sentido inverso, entendiam, acertadamente, que não era possível o gravame, sob pena de bis in idem e de aplicação de analogia in malan partem, já que a arma de brinquedo, se de um lado justifica a caracterização do roubo pelo temor que infunde, por outro não legitima o agravamento da pena, por não possuir potencialidade lesiva.

Infelizmente, os tribunais passaram a adotar a primeira orientação, o que culminou com a sumulação da matéria pelo colendo STJ, (súmula 174: no crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento de pena).

O entendimento sumular – apesar das inúmeras manifestações de renomados penalistas em sentido contrário – foi a mola propulsora da previsão legal constante do art. 10 , §1º, II, da Lei nº 9.437/97. O legislador ordinário, em franco simbolismo, desrespeitou princípios constitucionais caros ao Direito Penal moderno.

A propósito, é oportuno salientar que a indigitada súmula 174 está sendo questionada e revista pelo STJ, no Resp 213.054, cujo relator é o Ministro Féliz Fischer, presidente da 5ª Turma, daquela Casa (GOMES, Luiz Flávio. O processo de revisão da Súmula 174 do STJ – arma de brinquedo e aumento de pena no roubo. In www.direitocriminal.com.br, 03/05/01).

Vive-se, hoje, em um Estado Constitucional e Democrático de Direito – paradigma escolhido pela Carta Política de 1988 – no qual, diferentemente do Estado Liberal, deve-se obediência não à letra fria da lei, mas à ordem constitucional. É dizer, o juiz, na aplicação da lei, deve, antes de qualquer coisa, confrontá-la com a Constituição, a fim de verificar se existe compatibilidade material. Não basta que a lei tenha vigência, é preciso, acima de tudo, que seja válida, como ensina LUIGI FERRAJOLI, ao expor, com maestria, as bases da teoria do garantismo penal, em sua obra “Direito e Razão”. A esse respeito, é oportuno citar um trecho da lição do renomado jurista italiano:

“Para que la previsión de un hecho como delito por parte de una ley sea suficiente para que el juez lo considere como tal, en un estado de derecho es necesario que la ley sea, además de vigente, también válida, es decir, conforme a sus normas superiores tanto en el orden formal como sustancial. Sólo una ley (que el juez considere) válida comporta para él la obligación de aplicarla, es decir, de calificar y castigar como delito el hecho previsto por ella. De aí se sigue que un hecho es y debe ser considerado delito si y sólo si es tal conforme a una ley vigente y válida, o sea, si concurren todas las garantías penales e procesales(...)” (In Derecho y razón – teoría del garantismo penal. Prólogo de Norberto Bobbio. Editorial Trotta. Página 876) (grifos nossos).

No caso sub examen, temos uma lei vigente, que é, não obstante, totalmente inválida, por ferir princípios constitucionais do Direito Penal, tais como a ofensividade e a proporcionalidade e, por isso, impossível de ser aplicada.

Ao fabricar o tipo penal em comento, esqueceu-se o legislador, inicialmente, da própria ratio essendi da lei nº 9.437/97, que é garantir um nível razoável de segurança coletiva. Quer dizer, para justificar a intervenção do Direito Penal nas hipóteses delineadas pela lei, mister se faz que a conduta proibida cause algum dano ao bem jurídico, rebaixando esse nível razoável de segurança.

Pois bem, no caso da arma de brinquedo, pergunta-se: onde existe ofensa à segurança coletiva, se o brinquedo (que não é arma, diga-se de passagem) não possui qualquer potencialidade lesiva? Que lesão pode trazer ao bem jurídico em tela a utilização de um mero brinquedo, ainda que com o fim de cometer crimes?

Como se vê, impossível identificar a ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma. Porém, o legislador ainda atropelou outro princípio inerente ao Direito Penal moderno: a proporcionalidade.

É preciso não confundir o objeto jurídico da Lei nº 9.437/97 com os demais protegidos por outros tipos penais, em que o simulacro de arma é utilizado como meio de execução (vg., roubo, ameaça, contrangimento ilegal, etc).

Quando alguém utiliza uma arma de brinquedo, com o fim de cometer crimes, o máximo que consegue o sujeito ativo é provocar medo na vítima, e isto já está tutelado pela norma repressiva do crime-fim. Qualquer penalização além disso é desarrazoada e desproporcional, pois incorrerá em flagrante bis in idem. De outro lado, quando a arma utilizada é real, além de infundir temor, o agente provoca dano à segurança coletiva e gera perigo de dano concreto à integridade física da vítima, na medida em que aquele instrumento (arma de verdade) possui – para além do simples poder intimidatório – potencialidade lesiva inquestionável. Há, neste último caso, um plus, que legitima o tratamento mais rigoroso.

Assim sendo, criminalizar o uso da arma de brinquedo, como foi feito com a arma de verdade, é tratar de forma isonômica duas situações flagrantemente desiguais; é desrespeitar o princípio da culpabilidade, na medida em que se está impondo a mesma pena a agentes que não se houveram com o mesmo grau de reprovabilidade na conduta; é ignorar a proporcionalidade; é cometer injustiça, portanto.

A propósito, cumpre trazer à colação o entendimento de LUIZ FLÁVIO GOMES a respeito do assunto. É ler-se:

“Confundiu-se “potencialidade lesiva” (que é de caráter objetivo) com “capacidade de atemorizar” (que tem natureza subjetiva). Expressamente a lex nova reconhece que a arma de brinquedo ou simulacro de arma pode “atemorizar outrem”. Mas o que justifica uma criminalização autônoma, com base na realidade social, é a idoneidade da conduta (do instrumento) não para atemorizar, senão para lesar, ofender, danificar bens jurídicos alheios. O que está na base do delito do art. 10 da Lei 9.437/97 é a periculosidade inerente ao instrumento (arma de fogo), que deve ser encarada de per si, não em relação a outros crimes. Qualquer objeto lesivo, em tese, pode servir para atemorizar, ameaçar. Mas nesse caso torna-se instrumento do crime cometido, e jamais pode configurar delito independente, sob pena de violação ao princípio ne bis in idem (...). Em suma, a arma de brinquedo serve para a configuração do delito de roubo. E isso já implica em pena severa para o autor do fato. É o quanto basta. É o quanto a proporcionalidade permite. Querer, no entanto, extrair da arma de brinquedo mais do que isso significa violar a natureza das coisas, isto é adotar postura equivocada, sem base estatística, sem fundamento criminológico ou empírico ou experimental. Por não ser arma de fogo, com real potencialidade lesiva, parece evidente que a arma de brinquedo não pode nem sequer agravar a pena do delito de roubo (quanto mais configurar crime autônomo). Nossa posição, como se percebe, distancia-se da Súmula 174 do STJ” (In Lei das armas de fogo (comentários). Luiz Flávio Gomes, William Terra de Oliveira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. Páginas 170/171) (grifos nossos).

E conclui, brilhantemente, o penalista pátrio:

“Em suma: seja porque o legislador ignorou a verdadeira ratio essendi da criminalização da arma de fogo, seja porque acabou descrevendo conduta caracterizadora de um crime impossível, só nos resta considerar letra morta o disposto no art. 10 , §1º, II, da Lei nº 9.437/97, pois nele reside inequívoca violação ao princípio da ofensividade, que tem cunho constitucional, porque no fundo, nada mais representa que o princípio da proibição do excesso) (In op. cit. Página 172) (grifos nossos).

Por fim, cumpre notar que os princípios da ofensividade e da proporcionalidade, amplamente difundidos pela doutrina pátria e alienígena e concretamente reconhecidos pela jurisprudência – a par de não estarem previstos expressamente no texto constitucional - são dele inferidos, como corolários do Estado Democrático de Direito, onde desponta a dignidade da pessoa humana como fundamento e que, em momento algum, pode ser abalada pelo uso desnecessário do Direito Penal.

O próprio princípio da legalidade – pedra angular do Direito Penal – dá abrigo à ofensividade e à proporcionalidade, na medida em que não pode mais ser visto em seu aspecto puramente formal, senão a partir de uma análise substancial, em que a legalidade perpassa pelo terreno da legitimidade e se submete a todo o arcabouço dos direitos fundamentais inseridos na Carta Política.

Recorrendo novamente a Ferrajoli, é preciso que os operadores jurídicos abandonem o iuspositivismo dogmático no qual se encontram encastelados, e que os torna reféns das leis inválidas, para que – adotando postura mais crítica e comprometida – passem a ser paladinos da Constituição e da justiça.

IV – DO PEDIDO

Pelo exposto, considerando inconstitucionalidade da norma contida no art. 10, §1º, II, da Lei nº 9.437/97, na medida em que o legislador, ao cuidar da sua elaboração, ignorou de forma clara, os princípios constitucionais da ofensividade e proporcionalidade, o Ministério Público requer o ARQUIVAMENTO do Inquérito Policial anexo, bem como seja, de imediato, relaxada a prisão de F. B. S., expedindo-se em seu favor o competente alvará de soltura, pois, não fossem os vícios que maculam a peça flagrancial, a prisão se torna ilegal a partir das razões de mérito aqui expendidas.

Por derradeiro, o Ministério Público requer, sejam encaminhadas cópias do auto de prisão em flagrante delito à Corregedoria Geral de Polícia Civil, para apurar a responsabilidade administrativa dos policiais responsáveis pela prisão ilegal aqui narrada (IPC Pedro Paulo Ferreira da Silva e IPC Bosco, ambos lotados na DP do Aurá), solicitando que, ao final do procedimento, as peças, em fotocópia, sejam enviadas ao Ministério Público de Ananindeua, para as providências judiciais cabíveis.

E. Deferimento.

Ananindeua, 19 de junho de 2001.

Ana Cláudia Bastos de Pinho

Promotora de Justiça



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