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Arrazoados: Parecer oferecido no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária realizada em Brasília, em 24 de abril de 2000, sobre a privatização dos presídios.

As opiniões expressas nos artigos publicados responsabilizam apenas seus autores e não representam, necessariamente, a opinião deste Instituto

Maurício Kuehne - Professor/ PR

Maurício Kuehne

Membro do Conselho Penitenciário do Estado do Paraná;Membro Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e Professor da Faculdade de Direito de Curitiba

Como citar este artigo:

KUEHNE, Maurício, Privatização dos presídios – algumas reflexões, in

www.direitocriminal.com.br, 10.05.2001

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Será oportunamente publicada

I. Oferecemos junto ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária parecer contrário à proposta legislativa tendente a privatizar o Sistema Penitenciário, e o fizemos baseados nas reflexões que seguem, com algumas alterações, as quais, entretanto, não comprometem a substância do pronunciamento em referência, posto que a conclusão é no sentido de que não há guarida no ordenamento jurídico à proposta. Vejamos.

Conforme contido às fls. 8, a ilustre Secretária de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça submete a este colegiado, para manifestação a respeito do mérito, proposta legislativa consubstanciada em Projeto de Lei sob nº 2.146/99, de autoria do Deputado Luiz Barbosa. Objetiva a proposição autorizar o Poder Executivo a “promover a privatização do sistema penitenciário”, constando às fls. 4/6 a íntegra do objetivo colimado, bem como a justificativa.

O móvel da proposta se atém à crítica e calamitosa situação penitenciária, cuja realidade está a dispensar considerações outras, posto que se trata de fato público e notório.

Reconhece o nobre Deputado que “Embora a segurança pública seja dever do Estado, o presente Projeto de Lei visa compartilhar o gerenciamento e a participação da iniciativa privada na solução de um grave problema que não tem encontrado resposta enquanto limitado à exclusiva competência do poder público”.

II. A discussão que se trava a respeito da Privatização dos Presídios vem despertando, no Brasil, manifestações díspares por fatores e setores os mais diversos, principalmente no último decênio. Com efeito, a nível Internacional, conforme noticia Bernardo Del Rosal Blanco, em artigo intitulado “As Prisões Privadas: Um Novo Modelo Em Uma Nova Concepção Sobre a Execução Penal”, publicado na RT 665/243-257, traduzido que foi o artigo em questão por Luiz Flávio Gomes, a questão “...refere-se a um fenômeno relativamente recente - pois sua história começa nos primeiros anos da década de 80 - que está tendo lugar especialmente nos Estados Unidos da América (EUA) e que já estão tratando de importar para alguns países europeus...”

Após exaustivas considerações, posiciona-se contrariamente à Privatização, com o alerta, todavia, de que o debate está a iniciar.. Parafraseando Radbruch consigna que não quer “melhores prisões senão algo melhor que as prisões”.

III. Na esteira da posição retro, a lúcida manifestação do saudoso João Marcello de Araújo Júnior, o qual em forma de apresentação ao opúsculo “Privatização das Prisões” ed. RT, 1995, apresentava, a nosso sentir, irrespondíveis argumentos de ordem ética, jurídica e política, além de agregar aspectos práticos, contrários à tese em discussão.

IV. Destaque-se, também, o estudo realizado por Carmem Pinheiro de Carvalho, então Presidente do Conselho de Criminologia e Política Criminal de Belo Horizonte, publicado na Revista do Conselho em referência, v. 2. n. 2, p. 35/38, jul/dez de 1994. Analisa a questão relacionada ao trabalho, entendendo que a legislação vigente não estaria a contemplar qualquer forma de privatização. Entende que “Entregar as penitenciárias a uma direção estranha à nova ideologia do tratamento penitenciário e à filosofia da execução penal, quando a sua legislação já alcançou um estágio tão promissor, é uma perspectiva nova que merece estudos muito mais acurados quanto aos seus aspectos sociais, jurídicos e legais”.

V. Na visão externada, as proclamações de Luis Fernando Camargo de Barros Vidal, em artigo publicado na RBCCrim, vol 2, p. 56/63, ed. RT. Critica, de forma veemente, a inércia estatal à solução dos graves problemas, e não compactua com a idéia da privatização, posto que o preso “...deixa de ser sujeito em processo de ressocialização e torna-se objeto da empresa, resta privado de qualquer dignidade”.

Veja também:
Doutrina internacional: En torno al debate sobre la privatizacion de los presidios. Parte 1 - Autor: Raúl Cervini - Professor/ Uruguai
Artigo: Privatização de presídios - Autor: Lúcia Cristina Gomes da Silva - Acadêmica da UFMT
Livro: Privatização de Presídios e Criminalidade - A Gestão da Violência no Capitalismo global - Fonte: Editora Max Limonad - Autor: Laurindo Dias Minhoto

VI. Registre-se, sob outro ângulo, que o tema já foi objeto de estudos e reflexões por diversos segmentos jurídicos. A Ordem dos Advogados do Brasil, através de documento assinado por nomes da mais alta respeitabilidade nas ciências jurídicas, em particular penal - processual penal e de execução penal - e pertencentes à Magistratura - Ministério Público e à classe dos Advogados, em caráter preliminar, manifestou repúdio à proposta de Privatização do Sistema Penitenciário, que teria sido apresentada a este Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária em 27/01/1992, pelo eminente então Conselheiro e Presidente do Órgão, Prof. Edmundo Oliveira, proposta que será destacada adiante.

VII. De igual postura a Carta de Joinville editada em março de 1993 pela Associação dos Magistrados Brasileiros, que rejeitou a tese, “sem embargo de recomendar sejam estimuladas as soluções que visem ao incremento do trabalho do apenado”.

VIII. Mesmo a assim propalada “terceirização” vem sendo objeto de contestação, devido aos elevados custos os quais estão sendo objeto de investigações e já ocasionaram mudanças de alto escalão em Governo Estadual. A propósito do tema, a reportagem “Rio paga mais caro por refeição a presos” (Folha de São Paulo, cad. 1, p. 13 - 8-4-2000).

IX. É sabido que o aspecto relacionado à dignidade dos presos está a exigir reflexões profundas, contudo, parece-nos, não é com a privatização que tal situação irá se resolver.

X. As ponderações e remissões efetivadas nos tópicos antecedentes não significam que a preocupação com o problema perde interesse. Ao revés, avoluma-se. Em sentido diametralmente oposto ao que retro se consignou, o eminente Prof. Edmundo de Oliveira apresentou proposta no dia 27 de janeiro de 1992, a este Colegiado, sedimentada em estudos realizados por experiências colocadas na prática em estabelecimentos prisionais dos Estados Unidos, França, Inglaterra, Bélgica e Austrália. Trata-se, em verdade, de uma forma de gestão mista envolvendo a administração pública e a administração privada.

Conforme já informado, referida proposta recebeu o repúdio da OAB (item VI), em documento assinado em 9/4/1992. Este Conselho, contudo, nos termos da Resolução de n. 01 de 24/03/93, atinente à proposta do Prof. Edmundo decidiu:

“I - submeter a proposta a amplo debate nacional pelos diversos segmentos da sociedade;

II - deixar que os Governos Estaduais avaliem a iniciativa de adotar ou não a experiência, em conformidade com as peculiaridades regionais”.

Atente-se que publicação específica foi editada em 1994 dando ampla divulgação ao assunto.

XI. De igual sorte, o magistrado Mauro Bley Pereira Júnior em propostas à crise penitenciária advoga a Privatização. Lembra, contudo, que há possibilidade legal de intervenção privada nos presídios consoante o ordenamento atual. Assim, não haveria qualquer necessidade de mudança legislativa, mesmo porque a situação dos reclusos estaria resguardada, posto que a questão relacionada à disciplina, segurança e os aspectos de índole jurisdicional não estariam a sofrer qualquer ingerência, pois a empresa é que estaria sujeita à fiscalização do juiz da execução e demais órgãos conforme dispõe a Lei de Execução Penal. Maiores detalhes no artigo “Propostas de solução da crise penitenciária. Municipalização e Privatização”, publicado na Jurisprudência Brasileira Criminal, Juruá Editora, Curitiba, volume 34.

XII. Nesta incursão doutrinária, releva salientar o que preconiza Luiz Flávio Borges D’Urso. Suas reflexões amplamente divulgadas constam de publicação específica (Direito Criminal na Atualidade - ed. Atlas, São Paulo, 1999, p. 71 e 75), assim como nas Revistas deste Conselho, vol. 1 n. 7, jan/jun - 1996, p. 53/57 e Consulex (Ano III, n 31, jul/99, p. 44/46).

O que propõe o autor Luiz Flávio, atrás citado, é a necessidade “que objetiva adotar em nosso país uma experiência, uma unidade privada experimental”, com o desideratum de afastar os grandes malefícios da prisão.

Aduz que: “...não se está transferindo a função jurisdicional do Estado para o empreendedor privado, que cuidará exclusivamente da função material da execução penal, vale dizer, o administrador particular será responsável pela comida, pela limpeza, pelas roupas, pela chamada hotelaria, enfim, por serviços que são indispensáveis num presídio.

Já a função jurisdicional, indelegável, permanece nas mãos do Estado que, por meio de seu órgão-juiz, determinará quando o homem poderá ser preso, quanto tempo assim ficará, quando e como ocorrerá a punição e quando o homem poderá sair da cadeia, numa preservação do poder de império do Estado, que é o único legitimado para o uso da força, dentro da observância da lei”.

XII.1. Pelo que nos foi possível coligir, resta ainda o referencial à posição de Júlio Fabbrini Mirabete, em substancial estudo que procedeu e que foi objeto de publicação na Revista deste Colegiado, vol. 1 n. 1 jan/jul - 93, p. 61/71. Analisando o tema que intitulou “A Privatização dos estabelecimentos penais diante da Lei de Execução Penal”, separa as atividades inerentes à execução, destacando as atividades administrativas em sentido amplo, classificadas na divisão que propõe: atividades administrativas em sentido estrito (judiciárias) e atividades de execução material, podendo estas, em seu modo de pensar, serem atribuídas a entidades privadas. Afasta, pois, em termos legais, qualquer tentativa de privatizar as atividades jurisdicionais, bem como a atividade administrativa judiciária, exercidas estas últimas, v.g. pelo Ministério Público, Conselho Penitenciário, etc.

Demais disso, mesmo em relação às atividades que entende possa a empresa privada exercer, consigna que o ordenamento jurídico contém mecanismos à contemplação, dispensando-se, pois, qualquer reforma legislativa.

XIII. De tudo quanto se expôs, parece que, afora as radicais oposições a qualquer tentativa de cunho eminentemente privatizador, busca-se melhoria no sistema, com a terceirização de serviços, ou implementação de medidas que possam reverter o quadro atual.

Pela reportagem publicada no jornal Tribuna da Magistratura, edição de mai/jun-1998, p. 8 e 9, encontramos experiência válida que pode ser implementada sem que os postulados legais venham a ser afetados. A propósito, também, as lúcidas observações de Júlio Fabbrini Mirabete, conforme item XII.1, quando analisa as atividades administrativas de execução material.

Demais disso, é preciso que as verbas destinadas ao Setor Penitenciário sejam efetivamente aplicadas e não ocorram as situações contidas no noticiário constante das edições de 8-11-1999 e 11-01-2000, Jornal Folha de São Paulo, vale dizer em 1999 apenas 7% da verba destinada às prisões foram liberadas.

Os recursos próprios do FUNPEN (Fundo Penitenciário Nacional) assim como as dotações orçamentárias específicas, se aplicadas convenientemente, não estariam a propiciar a situação dramática ocorrente.

O problema, como se vê, assume proporções inimagináveis, e mesmo as recentes medidas implementadas no ordenamento jurídico, ampliando o rol dos substitutivos penais, não propiciarão, a curto ou médio prazo, minimizar o quadro, a não ser com medidas que deverão ser equacionadas e postas urgentemente em prática. Para tal mister, a união de todas as forças envolvidas com a problemática da execução deverá se efetivar, com a coordenação de Encontro, por parte do Ministério da Justiça. Segmentos comunitários - Magistratura - OAB - Ministério Público, todos poderão traçar estratégias.

Na perspectiva fundamental, contudo, do caso que temos em mãos, não vemos condição de êxito à propositura efetivada pelo nobre Deputado. Louve-se sua preocupação, contudo, o Projeto carece de sustentação à luz do ordenamento jurídico, sob o manto constitucional e legal. Na essência, transfere-se ao particular a custódia do preso, hipótese com a qual não se pode compactuar.

Com efeito, enuncia o Projeto que as assim denominadas Casas de Correção, como se propõe, serão dirigidas por um Diretor Administrativo e por um Diretor de Execução Penal, aduzindo que em relação àquele não deverá ter qualquer vínculo com o serviço público. Quanto ao Diretor de Execução Penal, o vincula à Secretaria de Segurança Pública como “...responsável pela observância de todos os preceitos relativos ao condenado articulados no Código Penal”.

Nenhuma menção à Carta Magna à Lei de Execução Penal; nenhuma referência aos aspectos jurisdicionais que suscita a execução; omissão completa, por assim dizer, do ordenamento jurídico.

Consoante atrás alinhado, a questão atinente à eventual terceirização de serviços pode ser viabilizada. Para tanto há lei e dispensável, neste aspecto, qualquer reforma legislativa. Neste particular, através de experiência recente, o Estado do Paraná, em ação pioneira, a nosso ver, firmou contrato com empresa, através do qual vários serviços foram terceirizados, dentre os quais aqueles que dizem de perto com as atividades de execução material propriamente ditas (alimentação, vestuário, assistência médica, jurídica, odontológica, vigilância, etc.), permanecendo o Estado com a tutela do Estabelecimento (Penitenciária Industrial de Guarapuava), nos aspectos relacionados à Direção, segurança e controle da disciplina. Em nenhum momento as atividades jurisdicionais ou as de cunho administrativo judiciário, adotando a classificação proposta por Mirabete, foi afetada. De igual forma, criaram-se canteiros de trabalho junto à Penitenciária referida, possibilitando a atividade laborativa dos internos, mediante remuneração, viabilizados os instrumentos de locação de serviços dos internos, com o Fundo Penitenciário do Estado.

Ante tudo o que se expôs, parece-nos, com a devida venia, que a proposta apresentada encontra óbices, quer sob o aspecto constitucional quer legal, frente à Lei de Execução Penal, daí porque não enseja possa ser objeto de recomendação. Alvitra-se, pois, seja rejeitada a proposição de fls.4/6 pelas razões consignadas.

(Parecer oferecido pelo Conselheiro Maurício Kuehne e aprovado em sessão do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária realizada em Brasília, em 24 de abril de 2000.)



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