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Leonardo Coelho do Amaral e Giovanni Frederico Altimiras - Advogados/MG
Suspensão da pretensão punitiva. Lei 9.964/00. Retroatividade da lei mais benéfica
HC 2000.01.00.103415-7/MG
Relator: Juiz Hilton Queiroz
Julgamento: 21/11/2000
Trata-se de ordem de habeas corpus preventiva impetrada com o objetivo de suspender a pretensão punitiva do crime previsto no art. 95, letra d, da Lei 8.212/91 (falta de recolhimento das contribuições previdenciárias descontadas nas folhas de pagamento dos empregados), em razão da adesão da empresa ao programa Refis, na forma do art. 15 da Lei 9.964/00. O aludido dispositivo legal autoriza a suspensão da pretensão punitiva referente ao crime em tela, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente do crime estiver incluída no Refis, desde que a inclusão tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia. Na hipótese sub judice, o recebimento da denúncia ocorreu em data anterior à adesão da empresa ao programa. A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem para autorizar a pretendida suspensão, por entender aplicável o princípio constitucional da retroatividade da lei penal mais benéfica, haja vista que o art. 15 da Lei 9.964/00 é norma de natureza mista, com reflexos no Direito Penal material sendo cabível sua retroação por beneficiar o agente.” – in Boletim Informativo de Jurisprudência N1 010 de 20/11/2000 a 24/11/2000 – TRF DA 1ª REGIÃO.
A seguir, cópia do HC impetrado, do qual foram omitidos os nomes dos pacientes.
Exmo. Juiz Presidente do Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região –Brasília/DF
LEONARDO COELHO DO AMARAL, brasileiro, casado, advogado inscrito na OAB/MG sob o n. 62.602 e GIOVANNI FREDERICO ALTIMIRAS, brasileiro, divorciado, advogado inscrito na OAB/MG sob o n. 71.889, ambos com escritório na Avenida Prudente de Morais, n. 44, sala 703, Cidade Jardim, Belo Horizonte/MG, CEP 30.380-000, vêm, com fulcro no art. 5o., LXVIII da Constituição c/c arts. 647 e ss. do CPP, impetrar
HABEAS CORPUS PREVENTIVO
com pedido de liminar
em favor de K.G.M, brasileiro, casado, empresário, CPF n. 140.946-00, M.L.C, brasileiro, casado, empresário, CPF n. 245.489.366-53 e J.A.L.C, brasileiro, casado, empresário, CPF n. 241.718.676-49, todos com endereço comercial na cidade de Itaúna/MG, rua Safira, n. 601, Padre Eustáquio, contra constrangimento ilegal que vêm sofrendo em seu direito de liberdade, por parte do MM. JUIZ FEDERAL DA 4ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE MINAS GERAIS, conforme fundamentos de fato e de direito que passam a aduzir.
I. DOS FATOS
Os pacientes foram denunciados pelo Ministério Público Federal, como incursos nas penas do art. 95, “d” da Lei 8.212/91, por terem, na “qualidade de sócios-gerentes” da empresa ITAFUNDI – Comércio e Indústria Ltda. – processo criminal n. 1997.38.00.012.913-2 -, deixado de repassar ao INSS os valores referentes à contribuição previdenciária incidente sobre os salários de seus empregados, no período de 10/91 a 07/94 – cf. cópia anexa da denúncia.
Com o final do processo movido contra os pacientes se aproximando, na fase do art. 499 do CPP, a defesa requereu a suspensão do feito, tendo em vista a adesão da empresa ao REFIS, o que, segundo disposto na lei especial, acarretaria na “suspensão da pretensão punitiva” do crime imputado na denúncia – cf. cópia de petição e documentos anexos.
Todavia, acolhendo parecer do Parquet federal, o magistrado coator indeferiu o pedido de “suspensão da pretensão punitiva” formulado pela defesa dos pacientes, determinando, em conseqüência, a continuidade da ação penal contra eles movida, com a apresentação das alegações finais – cf. cópia decisão anexa.
II. DO CONSTRANGIMENTO ILEGAL AO DIREITO DE LIBERDADE DOS PACIENTES
Fundamentalmente, o indeferimento da suspensão da pretensão punitiva do delito imputado pelo juiz coator se deu em virtude de um único argumento: a adesão ao REFIS da empresa dos pacientes ocorreu após o recebimento da denúncia.
De fato, o caput do art. 15 da Lei 9.964/00, que instituiu o REFIS, dispõe que:
“Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no artigo 95 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no REFIS, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.”
Como se vê, a adesão ao REFIS das empresas relacionadas aos sujeitos do delito contra a previdência social, como qualquer outro crime fiscal, com a Lei 9.964/00 resultou na suspensão da “pretensão punitiva” durante o tempo em que durar a participação no programa, para no final, cumpridas as exigências e quitados os créditos devidos à Receita Federal e ao INSS, determinar a extinção da punibilidade dos crimes “fiscais” ou “contra a ordem tributária” em geral, dentre eles o do art. 95, “d” da Lei 8.212/91.
“Art. 15. ... § 3º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal.”
É importante, desde logo, perceber que a tal suspensão da “pretensão punitiva” está vinculada com a própria “punibilidade” dos crimes fiscais, dentre eles os delitos contra o financiamento da previdência social. A punibilidade de um crime, por sua vez, diz respeito ao próprio “poder-dever” de punir que caracteriza o Estado soberano contemporâneo.
A norma do art. 15 da Lei 9.964/00, pois, não pode ser vista, senão como “norma de direito penal material”, comportando-se como uma espécie de “cláusula condicionada de exclusão da punibilidade” dos crimes mencionados, vale dizer, um instrumento jurídico que visa limitar uma das maiores características do Poder Político moderno, o ius puniendi exercido de maneira exclusiva pelo mesmo Estado que tributa, segundo as regras democráticas e garantidoras da dignidade humana, longe dos tempos da “vingança privada”.
Atente-se, neste contexto, que a punibilidade, conquanto não seja, normalmente, colocada como um dos elementos do conceito analítico do crime, conforme corrente doutrinária predominante, revela uma questão fundamental do delito: a aplicabilidade da pena criminal ..!
Como leciona Cezar Roberto Bitencourt, a pena é conseqüência natural do crime, porém:
“... após a pratica do fato delituoso podem ocorrer causas que impeçam a aplicação ou execução da sanção respectiva. No entanto, não é a ação que se extingue, mas o ius puniendi do Estado, ou, em outros termos, como dizia o Min. Francisco Campos: “O que se extingue, antes de tudo, nos casos enumerados no art. 108 do projeto, é o próprio direito de punir por parte do Estado ... Dá-se, como diz Maggiore, uma renúncia, uma abdicação, uma derrelição do direito de punir do Estado. Deve dizer-se, portanto, com acerto, que o que cessa é a punibilidade do fato, em razão de certas contingências ou por motivos vários de conveniência ou oportunidade política”. ...” – cf. Manual de Direito Penal – Parte Geral, 4ª ed., RT, pp. 690/691, 1997 (destaque nosso).
Da mesma forma que não se pode concluir, face a inexistência de todos os elementos da tipicidade, ilicitude ou culpabilidade, ser uma determinada conduta criminosa, impossível admitir como pena criminal aquela sanção que não poder ser aplicada ..! Ação ou omissão sem tipicidade, ilicitude ou culpabilidade não é crime ..! Sanção sem punição, por sua vez, também não tem como ser taxada de pena criminal ..!
Além dos elementos do crime, segundo a teoria geral do delito, existem outras circunstâncias essenciais para a aplicação da norma penal que por vários motivos, seja em relação à própria tipicidade da conduta, como se dá com a sentença de falência em relação aos delitos falimentares, como por meras questões de ordem político-criminal, como as denominadas “escusas absolutórias” dos crimes contra o patrimônio ou quaisquer das causas de exclusão da punibilidade, são estabelecidas para que o agente possa sofrer a reprimenda criminal.
A suspensão da “pretensão punitiva”, tal como prevista no art. 15 da Lei 9.964/00, decorrente da adesão da empresa do agente ao REFIS, neste sentido, vinculada à própria punibilidade do delito, já que com a quitação integral dos créditos devidos, ocorrerá a extinção da punibilidade, é norma que limita o “poder-dever” de punir do Estado e portanto, produz efeitos absolutamente benéficos às pessoas que tenham praticado o crime do art. 95, “d” da Lei 8.212/91.
Ocorre que, o magistrado coator, com amparo no parecer do Ministério Público Federal, este elaborado, d.v., sob um discurso funcionalista e violador da garantia constitucional do art. 5º, XL da Carta Política, entendeu que os benefícios trazidos pelo art. 15 da Lei 9.964/00, não poderiam ser reconhecidos aos pacientes, pelo fato da denúncia contra eles formulada pela prática do crime previdenciário ter sido recebida antes da adesão da empresa de sua propriedade no REFIS.
Com efeito, entendeu o digno magistrado coator que - cf. cópia anexa:
“... Admitir a suspensão da pretensão punitiva quando da adesão ao REFIS em feitos com denúncia já recebida, não seria uma interpretação analógica ou extensiva como quer a defesa, e sim contrária, vem que o disposto no art. 15 da Lei 9.964/00 requer inclusão no programa antes do recebimento da denúncia criminal o que não ocorreu no presente caso ...”
Ora, d.v., existem duas questões de vital importância para a real compreensão da matéria, cuja a negativa de análise permite chegar a uma conclusão parecida com aquela manifestada pelo magistrado coator, quando na realidade não há que se falar em “interpretação analógica ou extensiva”, mas sim em garantir eficácia à um princípio jurídico que garante a pessoa contra o uso – ou abuso – do “poder de punir” ..!
A primeira diz respeito ao princípio tempus regit actium, do qual se exige a aplicação da lei penal vigente à época da ocorrência do fato criminoso. Tal assertiva, por sua vez, deriva da regra maior da reserva legal, segundo a qual não há crime sem lei anterior definindo o “fato proibido” e cominando suas penas. Mais uma vez, tem-se, aqui, normas de garantia, vez que se destinam a limitar o “poder-dever” de punir do Estado.
De outro lado, tem-se também a norma de garantia que exige a retroatividade da lei penal, “sempre que beneficiar o réu”, da mesma forma limitando o ius puniendi do Estado. Aqui, seria antijurídico, injusto ou até mesmo imoral, impor um tratamento severo ao agente, segundo as normas vigentes à época da ocorrência do fato delituoso, quando a lei nova e portanto, do “tempo presente”, dispõe sobre um tratamento mais benéfico aos agentes dos mesmos fatos ilícitos.
O princípio do tempus regit actum, por óbvio, não tem como sobrepor-se à norma de garantia da “retroatividade benéfica”, já que o contrário seria negar o próprio princípio da reserva legal. Na sucessão de leis penais no tempo, importante ressaltar que a lei mais benéfica aplica-se aos fatos anteriores – retroatividade – ou, as avessas, impedindo a lex gravior, lança seus efeitos para o futuro – ultratividade -, preservando, em conseqüência, a regra básica da reserva legal, cujo o objetivo é justamente garantir as pessoas contra as constantes mudanças na legislação penal, muitas vezes motivadas por questões pontuais, como se deu com o enorme e até então impagável passivo fiscal das empresas nacionais com a União Federal, mas que com a implementação do REFIS, pretendeu-se dar solução.
Lado outro, é por demais elementar que só se pode analisar a questão da lei penal no tempo, quando existam contradições entre normas que, de alguma forma, tratem sobre a mesma matéria. Assim, a norma posterior produz efeitos no tempo, quando existe uma norma anterior tratando da mesma matéria ou de questão a ela ligada.
Daí ser evidente a conclusão a que chegou o Parquet federal – cf. cópia anexa do parecer -, de que os pacientes não aderiram antes ao REFIS, porque esse não existia na época em que a denúncia foi recebida ..!
Porém, se naquele momento sequer se cogitava do REFIS, é lógico que os denunciados não tinham como usufruir da suspensão da “pretensão punitiva” e da extinção da punibilidade do delito imputado na denúncia, o que demonstra a necessidade de retroagir os efeitos da nova lei, justamente porque o tratamento penal anterior era diferente e mais prejudicial aos agentes.
Na verdade, o limite imposto pela norma do art. 15 da Lei 9.964/00 – antes do recebimento de denúncia – para a suspensão da “pretensão punitiva” viola frontalmente do inciso XL da Constituição, como aliás, já decidiu essa Colenda Corte Federal, por ocasião da edição do art. 34 da Lei 9.249/95:
“SONEGAÇÃO FISCAL – Recibo falso. Extinção da punibilidade. Art. 34 da L. 9.249/95: Interpretação extensiva. Interesse em recorrer do MP. Ao restabelecer no art. 34 da L. 9.249/95 o benefício da extinção da punibilidade para aqueles que pagaram o tributo antes do oferecimento da denúncia, o legislador infraconstitucional pôs em evidência o interesse público – que é a satisfação da dívida. Não pode o contribuinte sofrer as penas de um delito penal, quando a política criminal, no que diz respeito aos crimes de sonegação fiscal tipificados nas leis de IR, oscila constantemente quanto ao benefício da extinção da punibilidade, vindo, desse modo, a propiciar uma insegurança jurídica, trazendo conseqüências prejudiciais ao contribuinte, que, a depender da época do oferecimento da denúncia, não podem beneficiar-se do favor fiscal. A norma constante do art. 34 da L. 9.249/95 deve ser conferida uma interpretação extensiva, ampliando seus destinatários para atingir a todos aqueles que quitaram seu débito junto ao Fisco, mesmo após o oferecimento da denúncia. O limite temporal imposto pelo dispositivo – até o oferecimento da denúncia – infringe frontalmente o art. 5º, caput e inc. XL, da CF e o art. 2º, parág. único, do CP. É de ser conhecido o recurso apresentado pelo representante do MP, mesmo na ausência de apelação do réu, se age como custos legis, objetivando a justa aplicação da lei.” - TRF 1ª R. – ACr. 96.01.03936-8 – DF – 3ª T – Rel. Juiz Cândido Ribeiro – DJU 17.04.1998 (destaque nosso)
De fato, não se deve desprezar os motivos de ordem político-criminal que determinaram o tratamento dado aos optantes do REFIS. A suspensão da “pretensão punitiva”, com a posterior extinção da punibilidade do delito fiscal, trata-se de um escancarado incentivo concebido pelo legislador aos empresários nacionais, a fim de que se mostrasse possível a solução do grave problema do passivo fiscal das empresas brasileiras, abaladas por duas longas décadas de sucessivos “planos econômicos” e altos índices inflacionários.
Ademais, até mesmo por mera questão de “igualdade”, as idas e vidas do legislador penal, que parece mais preocupado com a arrecadação tributária, do que com o próprio combate à sonegação fiscal, não podem prejudicar as pessoas, ora prevendo o pagamento do crédito sonegado antes do recebimento da denúncia como causa especial de extinção da punibilidade dos crimes fiscais, depois revogando tal benefício e posteriormente ressuscitando-o, tal como ocorreu com as Leis 8.137/90, 8.383/91, 9.249/95 e agora, recentemente, a Lei 9.983/00 que incorporou ao Código Penal os crimes contra a previdência social, todas tratando, ao longo da década 1990, daquela excludente de responsabilidade criminal.
É certo que não existia o REFIS na época em que a denúncia oferecida contra os pacientes foi recebida. Caso existisse tal programa, não só a lógica, como o bom senso, d.v., indicam que os pacientes, como fizeram agora, teriam optado pela adesão de sua empresa àquela forma de pagamento de seus débitos para com o INSS e a Receita Federal.
Sem fundamento, portanto, a limitação que o magistrado coator pretendeu impor à garantia constitucional da “retroatividade penal benéfica” dos pacientes, visto que o benefício da suspensão da “pretensão punitiva”, com sua posterior, sendo o caso, acomodação em causa de extinção da punibilidade do crime a eles imputado na denúncia, não existia à época do recebimento da peça acusatória.
Nem se diga, ainda, que a Lei 9.964/00, para efeitos penais, possa ser considerada como lei “excepcional” ou “temporária”, de modo a impedir a retroatividade de suas disposições benéficas aos acusados de crimes fiscais, conforme disposto no art. 3º do CP.
Isso porque, na verdade, a Lei do REFIS é “excepcional” ou “temporária” do ponto de vista fiscal/tributário, já que estabelece forma especial e por tempo indeterminado de um sistema de “parcelamento” dos créditos tributários devidos à Receita Federal e ao INSS, condicionando a participação dos devedores aos pressupostos indicados na lei durante todo o tempo em que se levar para a quitação integral das dívidas. Apesar de tudo, a lei acabou retroagindo seus efeitos aos débitos resultantes de fatos geradores ocorridos anteriormente à sua publicação, o que per si permitiria a retroatividade da norma penal benéfica, posto que esta, vale a lembrança, apresenta natureza subsidiária e fragmentária, como ultima ratio na proteção dos bens jurídicos tutelados.
Sob a perspectiva meramente penal, por sua vez, a Lei 9.964/00 instituiu uma nova e especial forma de extinção da punibilidade dos delitos fiscais, para todas as pessoas que tenham promovido a adesão de suas empresas ao REFIS, permanecendo para os demais agentes de crimes fiscais, a causa de extinção da punibilidade “geral”, prevista no art. 34 da Lei 9.249/95.
Ora, excepcionais ou temporários são a adesão e o fiel cumprimento do REFIS. A conseqüência desse procedimento é a “suspensão da pretensão punitiva”, com a posterior extinção da punibilidade dos delitos fiscais, não havendo como impedir que tal benefício alcance também as ações penais em curso quando da vigência da nova lei.
Veja-se que a situação é um pouco confusa, mas nem por isso pode-se dizer que o art. 3º do CP impeça a retroatividade da norma do art. 15 da Lei do REFIS. Afinal, o país não passa por um momento de “convulsão social”, de modo a taxar a lei nova como excepcional, muito menos estipula um prazo determinado, já que o pagamento das dívidas tributárias nos termos do programa, dependendo da empresa, pode levar vários anos.
Além do mais, o inciso XL do art. 5º da Carta Republicana, como se vê de sua redação, ante sua natureza de autêntica “norma de garantia” da pessoa frente os “poderes” do Estado, inclusive o “poder” de punir, não permite a limitação imposta pelo legislador ordinário à retroatividade do art. 15 da Lei 9.964/00, muito menos, permissa venia, pelo juiz criminal.
A suspensão da “pretensão punitiva” prevista no art. 15 da Lei 9.964/00, tendo a empresa optante do REFIS cumprido integralmente com o programa, acaba se transformando em causa de extinção da punibilidade do crime do art. 95, “d” da Lei 8.212/91, ou seja, o mesmo delito que os pacientes foram acusados de terem praticado.
Desta forma, é evidente a ameaça ilegal que os pacientes vêm sofrendo contra sua garantia de liberdade, por parte do digno magistrado coator, haja vista a retroatividade dos benefícios instituídos pela Lei 9.964/00.
III. DA LIMINAR
Embora o Código de Processo Penal não preveja a figura da liminar no habeas corpus, certo é que tal ação se caracteriza, especialmente em sua face preventiva, como uma verdadeira garantia constitucional da pessoa ameaçada de ter sua liberdade constrita de maneira abusiva. Assim que, não obstante a importância de outras demandas, a liberdade ganha especial preferência de forma a legitimar a célere concessão da ordem em caráter provisório, quando evidenciada a possibilidade de procedência do feito, bem como, a urgência da medida.
Neste ponto, nunca demais lembrar o leading case do STF a respeito da possibilidade de cabimento da liminar no habeas corpus, no qual o então Ministro Gonçalves de Oliveira fez ver que:
“... se no Mandado de Segurança pode o relator conceder liminar até em casos de interesses patrimoniais, não se compreenderia que, em casos em que está em jogo a liberdade individual ou as liberdades públicas, a liminar, no h.c. preventivo, não pudesse ser concedida ...” - in RTJ 33/590.
Os pacientes, como relatado retro, estão sendo processados criminalmente, sendo certo, ainda, que a ação penal encontra-se em fase final, aguardando apresentação das alegações finais das partes, o que demonstra a urgência para a concessão da medida, pois que, em se aguardando o julgamento final desse writ, o magistrado já poderá ter proferido eventual sentença condenatóra.
Da mesma forma, os fundamentos jurídicos que sustentam a impetração da presente ordem de habeas corpus, por si só, são capazes de garantir uma grande probabilidade de que será concedido, deixando, também, evidente, a presença da “fumaça do bom direito”.
Presentes, assim, os pressupostos para a sua concessão, a liminar, na verdade, acaba se apresentando como uma espécie de garantia do direito ao acesso à Justiça, de maneira rápida e eficaz.
IV. CONCLUSÃO
Como demonstrado retro, o art. 15 da Lei 9.964/00, muito embora a circunstância temporal nele prevista, por traduzir norma benéfica aos pacientes, deve retroagir seus efeitos ao caso dos autos, independentemente do fato da denúncia ter sido recebida quando a empresa dos denunciados ainda não tinha como aderir ao REFIS.
A garantia constitucional da “retroatividade benéfica” da lei penal não comporta limitações colocadas pelo legislador infraconstitucional ou pelos órgãos do Poder Judiciário, pois que visa justamente afastar a intromissão do Estado daqueles bens inerentes ao próprio ser humano, como a liberdade.
Ex positis, os impetrantes requerem:
a) a concessão da liminar, como forma de suspender, mesmo que provisoriamente, a ação penal – proc. n. 1997.38.00.012.913-2 - movida contra os pacientes, até o julgamento final da presente ordem de habeas corpus;
b) a notificação da autoridade coatora para, querendo, prestar as informações que desejar;
c) a intimação do representante do Ministério Público Federal nesta Corte ad quem, para tomar conhecimento do feito;
d) a concessão da presente ordem de habeas corpus, a fim de que, reconhecida a retroatividade do art. 15 da Lei 9.964/00, seja determinada a suspensão da “pretensão punitiva” do crime imputado aos pacientes, bem como do respectivo processo criminal – n. 1997.38.00.012.913-2 -, enquanto a empresa dos mesmos estiver cumprindo com seus compromissos junto à previdência social na forma prevista pelo REFIS.
Nestes termos.
Pedem deferimento.
De
Belo Horizonte p/ Brasília, 05 de setembro de 2000.
Leonardo Coelho do Amaral - OAB/MG 62.602
Giovanni Frederico Altimiras - OAB/MG 71.889
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