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Arrazoados: Pedido de arquivamento de crime de furto, de acordo com o princípio da insignificância
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Ana Cláudia Bastos de Pinho - Promotora / PA
Excelentíssima Senhora Juíza de Direito da 5ª Vara da Comarca de Ananindeua, PA,
IPL
nº 2001002424 - 3ª SU - Cidade Nova
Indiciada:R. S. F.
Vítima:E. S.B. S.
Capitulação penal provisória: art. 155, caput, do CPB.
O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, através da Promotora de Justiça, ao final assinada, no uso de suas atribuições legais, vem, respeitosamente, perante V.Exª, com base no art. 28 do C.P.P., requerer o ARQUIVAMENTO da peça informativa inclusa, pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir exarados:
Consta do Inquérito Policial anexo que, no dia 01/fevereiro/2001, por volta das 07h.,E.S.R.S., ao despertar e se encaminhar até o quintal de sua residência,percebeu a falta de algumas peças de roupa, que se encontravam no tanque de lavar. De imediato, suspeitou da Indiciada (com quem, inclusive, mantém relação de parentesco por afinidade), pois sabe que ela é viciada em consumo de substância entorpecente e costuma efetuar pequenos furtos para vender os objetos e comprar drogas.
Assim,E. saiu pela vizinhança à procura da Indiciada, quando encontrou M.S.B.F., que
informou ter visto R. passar, portando algumas roupas e as oferecendo à venda.
Em pouco tempo, a vítima, com facilidade, encontrou R., recuperou todas as suas peças
de roupa e conduziu a Indiciada à Seccional Urbana da Cidade Nova, onde a autoridade policial lavrou o flagrante.
É impressionante como no Brasil do crime organizado, da corrupção, da dilapidação
da coisa pública, das rebeliões e dos massacres, possam existir "Rosilenes" presas por pequenos furtos, praticados para satisfazer o vício
condenado pelo Estado, mas que ele próprio não consegue controlar, dada a incapacidade do sistema penal de lidar com o tráfico de entorpecentes e garantir um nível razoável de saúde pública, bem jurídico tutelado pela lei
nº 6.368/76.
Sob o ponto de vista jurídico-penal, não há como sustentar a imputação sugerida pela autoridade policial, em razão da insignificância (ou melhor, inexistência)da lesão causada ao interesse tutelado pela norma do art. 155, do CPB (patrimônio); senão vejamos.
Quando o legislador prevê as condutas típicas, o faz genérica e abstratamente, tendo
em vista a necessidade de tutelar determinado bem jurídico. Porém, é impossível ao legislador prever, casuisticamente, as hipóteses em que, de fato, esse bem chega a ser atingido pelo ato violador da norma. Aí reside importante tarefa
dos operadores do direito: identificar, no caso concreto, se houve ou não lesão ao interesse penalmente protegido.
O Direito Penal tem uma função: a proteção de direitos considerados relevantes para a vida em sociedade. Destarte, somente se justifica sua intervenção quando demonstrada, in concreto, a necessidade da tutela, sob pena de se dar lugar a um Direito Penal arbitrário e anti-democrático.
O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA afasta a tipicidade da conduta quando o dano trazido ao bem jurídico for nulo ou irrelevante. Nesse sentido, cumpre trazer à colação a lição de PAULO DE SOUZA QUEIROZ, Doutor em Direito Penal PUC-SP) e Procurador da República: "Por isso, qualquer lesão jurídica admite, em tese, que se afaste a tipicidade - para cuja compreensão não há de se exigir, assim, um mero juízo lógico-formal
de adequação do fato à norma penal abstrata - pela aplicação do que se vem chamando de "princípio de insignificância", posto que pode esse bem jurídico fundamental, protegido pela norma, não ser atingido (o perigo
de lesão é mera abstração) ou ser atingido perifericamente apenas, em mínima intensidade, grau e extensão(...) E é realmente preciso ir-se além do convencional automatismo que, alheio à realidade, à gravidade do fato, à intensidade da lesão, concretamente valorados em função de suas conseqüências, sobretudo, se perde e se desacredita na persecução de condutas de mínima ou
nenhuma importância social. A intervenção penal - traumática, cirúrgica e negativa - há de ficar reservada para a repressão de fatos que assumam magnitude penal incontrastável; havendo-se, assim, de recusar curso aos chamados delitos de bagatela" (In Do caráter subsidiário do direito penal: lineamentos para um direito penal mínimo.Belo Horizonte. Del Rey. 1998. Páginas 123/125) (grifos nossos).
No caso em tela, vê-se que as peças de roupa pertencentes à vítima sequer chegaram a permanecer durante um tempo juridicamente relevante em poder da Indiciada, pois foram quase que imediatamente recuperadas, retornando ao patrimônio de seu legítimo proprietário.
Portanto, se lesão houve ao patrimônio da vítima, foi de insignificante extensão. A conduta - apesar de formalmente típica - não foi apta a atingir o objeto de tutela da lei, de tal modo a merecer a traumatizante reprimenda penal.
Não fosse o princípio da insignificância que - por si só - justifica o presente pedido, dada a atipicidade do fato, outro argumento pode ser invocado em favor do arquivamento: a absoluta falta de justa causa para dar início à ação
penal.
Vive-se a época do processo penal reparatório, em que se procura valorizar a vítima, através de mecanismos que incentivem a reparação dos danos. Exemplos desse novo modelo são os institutos da composição civil extintiva da punibilidade,
transação penal, suspensão condicional do processo, multa reparatória, prestação pecuniária em favor da vítima (pena restritiva de direito), etc.
Na hipótese vertente, se iniciada a ação penal, caberia, em tese, a suspensão condicional do processo. Porém, pergunta-se: qual a justificativa para o instituto, se não há nenhum dano a reparar à vítima, já que seus bens
(roupas) foram integralmente recuperados? Será que se justificaria a suspensão apenas para impor à Indiciada as obrigações secundárias previstas no art. 89, da Lei nº 9.099/95 (proibição de freqüentar determinados lugares, por exemplo)? Não parece razoável.
A ação penal, portanto, vê-se esvaziada em razão da desnecessidade de dirimir qualquer conflito de interesse, visto que o Estado não possui nenhuma pretensão em reprimir conduta que - além de não ter afetado o bem jurídico tutelado - já teve seus efeitos devidamente reparados.
Quanto mais os cárceres se abarrotam - não raro de viciados que furtam - mais explodem rebeliões, como as que, recentemente, ocorreram em todo o estado de São Paulo, comprometendo a segurança jurídica e desafiando os operadores do direito que, dia a dia, precisam encontrar, na ciência e fora dela, soluções justas e razoáveis aos casos concretos.
ANTE O EXPOSTO, considerando que a conduta narrada no IPL em anexo é atípica, em razão da insignificância da lesão produzida ao bem jurídico protegido pela norma (patrimônio) e considerando, ainda, a falta de justa causa para iniciar a ação penal, o Ministério Público requer o ARQUIVAMENTO das peças inclusas, por ser medida que de Direito se reveste e de justiça se impõe. Via de conseqüência,esta Promotoria de Justiça requer, com base no art. 5º, LXV, da CF/88, seja
RELAXADA a prisão de R.S.F., expedindo-se, em favor da mesma, o competente alvará de soltura, pois, em virtude das razões ora expostas, a
manutenção no cárcere configurará constrangimento ilegal.
E.deferimento.
Ananindeua,PA, 21 de fevereiro de 2001.
Ana Cláudia Bastos de Pinho
Promotora de Justiça
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