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Decisões: Penal. Falso testemunho. Início do processo imediato. Possibilidade

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STF - HABEAS CORPUS Nº 81.381-0 – Liminar (DJU 01.02.01, SEÇÃO 1, P. 131)

PROCED.: SÃO PAULO
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
PACTE.: S.C.L.
IMPTES.: ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTRO
COATOR: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado contra acórdão, que, emanado do E. Superior Tribunal de Justiça, entendeu possível a imediata instauração de persecução penal contra a ora paciente, por suposta prática do crime de falso testemunho (CP, art. 342), independentemente da conclusão, por sentença, do processo que se originou do inquérito policial em que supostamente cometido esse ilícito penal.

Passo a apreciar o pedido de medida liminar.

Como se sabe, o crime de falso testemunho, tipificado no art. 342 do CP, constitui delito de mera conduta, pois basta – para efeito de sua configuração jurídica -a mera realização de qualquer das atividades referidas no preceito primário de incriminação, consubstanciado na cláusula penal mencionada.

O momento consumativo dessa infração penal – segundo enfatizam os autores (HELENO CLAUDIO FRAGOSO, \"Lições de Direito Penal\", vol. II p. 536, item n. 1.190, 6ª ed.; 1988; Forense; NELSON HUNGRIA, \"Comentários ao Código Penal\", vol, IX, p. 478, item n. 182, 2ª ed., 1959, Forense; GUILHERME DE SOUZA NUCCI, \"Código Penal Comentado\", p. 867, item n. 59, 2ª. RT; CELSO DELMANTO/ROBERTO DELMANTO/ROBERTO DELMANTO JUNIOR/FABIO M. DE ALMEIDA DELMANTO, \"Código Penal Comentado\", p. 620, 5ª ed., 2000, Renovar; LUIZ ALEXANDRE CRUZ FERREIRA, \"Falso Testemunho e Falsa Perícia\", p. 90, item n. 1.3, 1998, Del Rey) - coincide com o término do depoimento e a subscrição do respectivo termo pela testemunha (CPP, art. 216), mostrando-se irrelevante, para efeito da realização integral do tipo penal, que a falsidade do depoimento testemunhal tenha efetivamente produzido a conseqüência desejada pelo agente, consoante adverte o magistério da doutrina (MAGALHÃES NORONHA, \"Direito Penal\", vol. IV/368, item n. 1.470, 17ª ed., 1986, Saraiva):

\"Consuma-se o falso testemunho, quando, proferida a inverdade, é encerrado o depoimento.

É necessário que o ato do depoimento esteja findo, isto é, reduzido a termo e assinado pela testemunha, pelo juiz e pelas partes (CPP, art. 216).

Até então, o depoente pode retificar o que disse e não se poderá dizer consumada a falsidade.

Independe a consumação do efeito ou influência do depoimento na decisão do causa: basta a falsidade. \" (grifei)

É por tal razão que se toma desnecessário aguardar o encerramento da causa em que praticado o crime de falso testemunho, revelando-se lícito, ao contrário, fazer-se instaurar, desde logo, a concemente persecutio criminis, pois, nesse contexto, a existência da sentença, que põe termo ao processo principal, não se qualifica como requisito procedibilidade (RT 660/283).

Torna-se relevante insistir, bem por isso, tal como enfatizado pela jurisprudência dos Tribunais (RT 623/322) - notadamente a emanada desta Suprema Corte (RTJ 57/397 – RTJ 79/782) -que a consumação do crime tipificado no art. 342 do CP ocorre com a simples realização de qualquer das condutas nele definidas, independentemente da produção do resultado material efetivamente desejado pelo agente (RT 650/316-317), pois a concretização de tal evento nada mais traduz senão o próprio exaurimento da infração penal em referência:

\"Crime de falso testemunho.

- Esse delito se caracteriza pela mera potencialidade de dano à administração da Justiça, sendo, portanto, crime formal que se consuma com o depoimento falso, independentemente da produção da efetivo resultado material a que visou o agente.\"

(RTJ 124/340, Rel. Min. MOREIRA ALVES - grifei)

Cabe rememorar, neste ponto, que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a alegação - ora renovada na presente impetraÇão - de que o exame em conjunto do art. 342, § 3° do CP e do art. 211 do CPP impunha que não se iniciasse a ação penal, por falso testemunho, antes de proferida a sentença no processo em que supostamente prestado o depoimento alegadamente falso, veio a repelir essa tese, denegando, em conseqüência, por votação unânime, no julgamento do HC 73.976-SP, a ordem de habeas corpus, como bem revela o voto vencedor então proferido pelo eminente Ministro CARLOS VELLOSO, Relator:

\"Não tem razão o impetrante, quando afirma que o exame conjunto das arts. 342, § 3°, do Código Penal e 211 do Código de Processo Penal recomenda que a ação penal por falso testemunho não se inicie antes de proferida a sentença no processo em que foi prestado o depoimento tido como falso.

É que o crime de falso testemunho é de natureza formal e se consuma com a simples prestação do depoimento falso, sendo de toda irrelevante sua influência no desfecho do processo.\"

(HC 73.976-SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - grifei)

Daí o reconhecimento, também por esta Suprema Corte, de que a existência de sentença, no processo em que se teria registrado o falso testemunho, não se reveste de prejudicialidade em relação à instauração da persecução penal:

\"Falso testemunho. Caracterização. O crime de falso testemunho se caracteriza pela simples potencialidade de dano para a administração da justiça, não ficando condicionado à decisão judicial condenatória no processo, em que se verificou.

Recurso de Habeas Corpus denegado.\"

(RTJ 95/573, Rel. Min. RAFAEL MAYER - Veja-se, portanto, que, ainda que não sentenciada a causa em que prestado o depoimento alegadamente falso, mesmo assim revelar-se-a lícito, ao Poder Público, proceder, desde logo, à instauração da persecução penal:

\"Nada impede o oferecimento da denúncia no crime de falso testemunho, mesmo não se encontrando findo o processo originário, onde foi prestado o depoimento acoimado de falso.\"

(RT 460/281 - grifei)

\"Sendo o delito de falso testemunho de natureza instantânea, que se aperfeiçoa com a assinatura do respectivo termo, a providencia recomendada pelo art. 40 do CPP independe da solução do processo civil em que o depoimento foi prestado.\"

(RT 531/294 - grifei)

É por isso que os Tribunais, pronunciando-se a respeito da questão suscitada na presente impetração, têm advertido que a persecução penal, em tema de falso testemunho, pode iniciar-se, desde logo, independentemente da conclusão do processo em que supostamente cometido esse delito:

\"O momento consumativo do delito de falso testemunho se verifica com o encerramento do depoimento. O proferimento da sentença não constitui condição de procedibilidade sequer para a propositura da ação penal, quanto mais para a instauração do inquérito policial (...).\"

(RT 623/322 - grifei)

\"Para a caracterização do crime de falso testemunho não é indispensável a sentença final no processo em que o acusado depôs, nem é necessário que a falsidade testemunhal influa efetivamente, bastando o perigo da injustiça na decisão.

- A ação penal contra a testemunha fementida pode ser iniciada quando ainda em curso o processo em que foi praticado o crime.\"

Em suma: a mera instauração da persecutio criminis, em momento anterior ao da prolação da sentença na causa em que prestado o depoimento alegadamente falso, não constitui, só por si, situação configuradora de injusto constrangimento, desde que se observe a advertência feita pelo magistério da doutrina, Do sentido de que a decisão, no processo penal por falso testemunho, não deve ser proferida antes de sentenciada a causa em que se praticou o ato supostamente caracterizador do crime de falso testemunho, pois, até esse momento, revelar-se-á lícito, à testemunha que cometeu o perjúrio, retratar-se, beneficiando-se, em conseqüência, da causa de extinção da punibilidade a que se refere o art. 342, § 3. do Código Penal.

Cumpre ter presente, por isso mesmo, no ponto, e no sentido do texto, a esclarecedora e autorizada observação feita pela doutrina (MAGALHÃES NORONHA, \"Direito Penal\", vol. 4, p.370, item n. 1.472,17ª ed., 1986, Saraiva; CELSO DELMANTO/ROBERTO DELMANTO/ROBERTO DELMANTO JÚNIOR/FABIO M. DE ALMEIDA DELMANTO, \"Código Penal Comentado\", p. 620, 5ª ed., 2000, Renovar; ANTÔNIO CARLOS DA PONTE, \"Falso Testemunho no Processo\", p. 73, item n. 2.6.1, 2000, Atlas), cuja análise da questão ora em exame tem destacado o aspecto que se vem de referir, como se observa da seguinte passagem constante da lição exposta por NÉLSON HUNGRIA (\"Comentários ao Código Penal\", vol. IX/488-489, item n. 185, 2ª ed.; 1959, Forense):

\"(...) Pode dizer-se que o testemunho falso (...) é um crime sob condição, mas entenda-se: não sob condição suspensiva (...), mas sob condição resolutiva, que outra coisa não é a retratação, permitida até o advento da sentença no processo. O falso testemunho consuma-se, como já vimos, com a assinatura do depoimento pela testemunha (...), ficando aberto caminho, sem qualquer obstáculo, para a ação penal; mas, sobrevindo opportuno tempore a retratação, deixa de subsistir a punibilidade, cessando o processo penal pelo testemunho falso (...).

Se o processo por testemunho falso (...) for instaurado quando ainda em curso o processo no qual foi praticado o crime, a decisão do primeiro deve aguardar a decisão do segundo, pois, enquanto esta não é prolatada, é admissível a retratação e, portanto, a extinção da punibilidade.\" (grifei)

Esse entendimento reflete-se, por igual, na jurisprudência dos Tribunais (RT 460/281 - RT 623/322), cabendo referir, nesse sentido, por relevante, decisão emanada do E. Superior Tribunal de Justiça:

\"PENAL E PROCESSUAL PENAL RECURSO ESPECIAL FALSO TESTEMUNHO. SENTENÇA,

I - A prolação de sentença no processo em que ocorreu o falso testemunho não é condição de procedibilidade da ação penal pelo referido delito contra a Administração da justiça.

II - A decisão acerca do falso depoimento, todavia, não pode preceder a do feito no qual ocorrera o eventual ilícito.

Recurso provido.\"

(REsp 174.486-DF, Rel. Min. FELIX FISCHER - grifei)

O exame dos autos, contudo, não autoriza que se estendam ao presente caso, as diretrizes ora referidas, porque - ao contrário do que vem de ser exposto - inexistem, na espécie, procedimentos distintos e em curso de simultânea tramitação, nos quais envolvida ora paciente, e que guardem, entre si, um indissociável nexo de prejudicialidade externa.

É que o depoimento alegadamente falso teria sido prestado, pela ora paciente, nos autos de inquérito policial de que se originou a própria ação penal que ora se pretende trancar, inexistindo, em conseqüência, a dualidade de causas cuja ocorrência propiciaria a aplicação dos critérios precedentemente mencionados, notadamente daquele que condiciona, o julgamento do processo penal, pelo delito de falso testemunho, ao prévio encerramento, por sentença (ainda que não transitada em julgado), do outro processo em que supostamente cometido o ilícito penal tipificado no art. 342 do CP.

Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, e considerando, sobretudo, que inocorre, em relação à ora paciente, situação caracterizadora de privação iminente de sua liberdade de locomoção física, indefiro o pedido de medida liminar.

(RF 212/404 - grifei)



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