INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

     OK
alterar meus dados         
ASSOCIE-SE

Artigos

Decisão: Concessão de liminar em caso de lança-perfume

As opiniões expressas nos artigos publicados responsabilizam apenas seus autores e não representam, necessariamente, a opinião deste Instituto

Min. Marco Aurélio

HABEAS CORPUS Nº 80.752-6 - SÃO PAULO

RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO

PACIENTE : F.F.C.

IMPETRANTE: JOSÉ RICARDO GOMES

COATOR : VICE-PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 

HABEAS CORPUS - NATUREZA DO ATO IMPUGNADO - IRRELEVÂNCIA. LANÇA-PERFUME - ABOLITIO CRIMINIS - RESOLUÇÃO RDC 104, DE 6 DE DEZEMBRO DE 2000, DA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA - MINISTÉRIO DA SAÚDE.  

1. A inicial deste habeas revela haver sido o Paciente condenado, como incurso no artigo 12 da Lei nº 6.368/76, à pena de três anos de reclusão e cinqüenta dias-multa, à razão de 2/30 (dois trinta avos) do salário mínimo vigente à época do fato tido como criminoso. Em síntese, assevera-se que o órgão apontado como coator, ao contrária do que ocorrido em situação semelhante, deixou de observar que a Resolução RDC 104, de 6 de dezembro de 2000, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Ministério da Saúde, retirou o cloreto de etila (lança-perfume) do rol das substâncias entorpecentes, reincluindo-a, passados alguns dias. No interregno, ficara configurada a abolição do crime, em vista da norma aberta do artigo 12 da Lei nº 6.368/76, sempre a sugerir o exame de instrumental definidor da natureza da substância. Evoca-se precedente da Segunda Turma, da lavra do Ministro Carlos Velloso - Habeas Corpus nº 68.904/SP (Revista Trimestral de Jurisprudência nº 139, página 216 e seguintes) -, bem como lições de Luiz Flávio Gomes e Damásio de Jesus, e requer-se a concessão de medida acauteladora que alcance a liberdade do Paciente, até o julgamento final deste habeas, vindo-se, alfim, a reconhecer o afastamento, beneficiando o Paciente, do crime. A inicial juntaram-se os documentos de folha 19 à 284 .  

Veja sobre o assunto, artigo do Prof. Luiz Flávio Gomes

Doutrina nacional: Resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária liberou  por oito dias o "cloreto de etila": Todos que foram processados no Brasil por "lança-perfume" estão livres de punição. - Autor: LUIZ FLÁVIO GOMES

2. Mais uma vez, submisso ao texto constitucional disciplinador do habeas corpus, no que não distingue a origem, do ato ilegal cerceador do exercício da liberdade de ir e vir, isso para efeito de considerar-se adequado o remédio heróico do habeas corpus ressalto o que tenho veiculado sobre o tema:

Em primeiro lugar, ressalte-se a idoneidade maior, a envergadura ímpar da ação constitucional de habeas corpus. Sobrepõe-se, até mesmo, ao fator temporal, ficando excluída, assim, a possibilidade de a passagem do tempo resultar em preclusão. Importante é saber-se se, na espécie, há articulação era torno do cerceio ao exercício da liberdade de ir e vir. Esse é o dado primordial para abrir-se a via da impetração. Pouco importa que o ato de constrangimento surja precário e efêmero, pouca importa esteja ele estampado era decisão interlocutória ou definitiva; pouco importa que, na espécie, se tenha envolvido ato judicante formalizado no campo precário e efêmero, como é o da apreciação de pedido de medida acauteladora. O que cumpre averiguar é se a prática formalizada repercute de forma ilegal na liberdade do cidadão. Afirmativa a resposta, há de caminhar-se para a admissibilidade do habeas corpus. Óptica diversa implica dizer-se que ato definitivo, que ato de Colegiado fica submetido à jurisdição constitucional a ser implementada via habeas corpus e ato monocrático é imune a tal controle. Dai não poder, em face de submissão aos mandamentos constitucionais, agasalhar a tese linear segundo a qual não cabe a impetração quando o ato envolvido e apontado como de constrangimento esteja revelado pela negativa de concessão de liminar.  

A sentença mediante a qual, no Processo Crime nº 086/93, da Comarca de Ponta Porã-MS, o Paciente foi condenado consigna a pratica que se teve como delituosa em 28 de fevereiro de 1992. Todavia, o órgão competente para a definição das substâncias apanhadas pelo artigo 12 da Lei nº 6.368/76 retirou o cloreto de etila do rol das substâncias entorpecentes, classificando-o como insumo químico. É certo que isso prevaleceu por curto espaço de tempo, ou seja, de 7 de dezembro a 15 de dezembro de 2000, quando republicada a resolução, cujos termos não permitem pese qualquer dúvida sobre o respectivo alcance, afastando-se, assim, a possibilidade de ter-se como ocorrido mero erro datilográfico. Dispôs o artigo 1º da citada resolução: 

Art. 1º Excluir o Cloreto de Etila da substda (sic) Lista F2 - Lista das Substâncias Psicotrópicas de Uso Proscrito no Brasil, da Portaria SVS/MS nº 344/99, de 12 de maio de 1998.

Parágrafo único. Fica, proibido o Cloreto de Etila para fins médicos. 

Já o artigo 2º incluiu o cloreto de etila na lista D2, isto é, a lista de insumos químicos utilizados como precursores para fabricação e síntese de entorpecentes e/ou psicotrópicos, da Portaria SVS/MS nº 344/98, de 12 de maio de 1998, sujeitos ao controle do Ministério da Justiça (folha 91). Verificou-se a prática de ato jurídico que, em situação idêntica, levou esta Corte, mais precisamente a Segunda Turma, a deferir habeas corpus, constando da ementa:  

PENAL TRÁFICO ILÍCITO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE - LEI 6.368/76, ARTIGO 36 - NORMA PENAL EM BRANCO - PORTARIA DO DIMED DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, CONTENEDORA DA LISTA DE SUBSTÂNCIAS PROSCRITAS - LANÇA-PERFUME. CLORETO DE ETILA.

1. O paciente foi preso no dia 01.03.84, por ter vendido lança-perfume, configurando o fato o delito de tráfico de sustância entorpecente, já que o cloreto de etila estava incluído na lista do DIMED, pela Portaria de 27.01.1983. Sua exclusão, entretanto, da lista, com a Portaria de 04-04-84, configurando-se a hipótese do "abolitio criminis". A Portaria 02/84, de 13.03.85, novamente inclui o cloreto de etila na lista. Impossibilidade, todavia, da retroatividade desta. 

II. Adoção de posição mais favorável ao réu.

III. HC deferido, em Parte, para o fim de anular a condenação por tráfico de substância entorpecente, examinando-se, entretanto, no Juízo de 1º grau, a viabilidade de renovação do procedimento pela eventual prática de contrabando - folha 80 à 82. 

Vê-se, portanto, que a situação dos autos está coberta pelo precedente, variando, tão-somente, o ato praticado: nele foi a venda de lança-perfume, enquanto aqui o Paciente foi surpreendido no transporte de tal mercadoria. Também há uma pequena diferença relativamente ao ato que tirou a substância do rol dos entorpecentes. 

3. Pelas razões acima, concedo a liminar, para que, expedido o alvará de soltura, venha a ser cumprido com as cautelas legais, ou seja, caso o Paciente não esteja sob a custódia do Estado por motivo diverso do retratado no Processo nº 086/93, da Comarca de Ponta Porá.  

Dê-se ciência desta decisão ao Juízo da Comarca, bem como ao Superior Tribunal de Justiça, solicitando-se a este as informações cabíveis. Uma vez vindo aos autos, colha-se o parecer da Procuradoria Geral da República. 

5. Publique-se. 

Brasília, 23 de fevereiro de 2001. 

MINISTRO MARCO AURÉLIO

RELATOR



Seja o primeiro a comentar esta notícia, clique aqui e deixe seu comentário


  


IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Rua Onze de Agosto, 52 - 2º Andar - Centro - São Paulo - SP - 01018-010 - (11) 3111-1040