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Decisão: Primeira sentença no Brasil sobre descriminalização do lança-perfume

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José Roberto Nogueira Nascimento

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2ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE MARÍLIA/SP 

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Será oportunamente publicada

PROC. 1128/2000 

         Vistos.

                           H. F. B. e R. M., qualificados nos autos,estão sendo processados como incursos no artigo 12 e 18, III e IV, da Lei 6368/76, e o segundo também com incurso no artigo 16 do referido Diploma Legal, porque no dia 26 de outubro de 2000, no apartamento 54, do edifício situado

Veja também: Artigo sobre a descriminalização do lança-perfume de LUIZ FLÁVIO GOMES

na Rua José Monteiro Violante, 85, nesta cidade e comarca, proximidades da Universidade de Marília, mantinham sem autorização legal, para o fim de venda e entrega a terceiros, sessenta frascos de lança-perfume da marca "Universitário", contendo cloreto de etila, substância de caráter entorpercente física e psíquica, catalogada como proscrita na portaria nº 28 DINED-MS - de 13/11/86.

                           Diz também a peça acusatória que no interior do apartamento policiais militares ainda apreenderam porção de 2,86 g de maconha, substância esta também de caráter entorpecente que se destinava ao consumo próprio do co-réu R.

                           Recebida a denúncia foram os réus citados e interrogados. Os autores defensores constituídos apresentaram defesa prévia.

Seguiu-se a instrução com oitiva de testemunhas arroladas pela acusação e defesa.

                            Por ocasião dos debates, manifestou-se o Dr. Promotor de Justiça pela condenação dos réus com base na prova testemunhal e pericial que constatou natureza entorpecente das substâncias apreendidas.

                            Foi atendido requerimento da defesa para apresentação de memoriais no prazo de quinze dias.

                            Seguiu-se requerimento da defesa no sentido de ser extinta a punibilidade dos acusados quanto ao crime de tráfico ante a Resolução 104 de 06/12/2000 que excluiu em seu artigo primeiro o cloreto de etila da lista de substâncias psicotrópicas de uso proscrito no Brasil, o que constitui "abolitio criminis" (fls. 203/213)

                            O Dr. Promotor de Justiça analisou detidamente as ponderações da Defesa e, igualmente requereu o afastamento da ilicitude da imputação do tráfico, ante a alteração da norma penal em branco introduzida pela Resolução 104 de 06/12/2000 da ANVISA.

                            É o relatório. 

                            Decido. 

                            A denúncia imputa aos réus crime de tráfico de "lança-perfume e também ao co-réu R. o porte ilegal de maconha.

                            A primeira  das imputações, com efeito, deixou de ser considerada ilícito penal pela Resolução 104 de 06/12/2000 que no seu artigo primeiro excluiu o cloreto de etila da lista F2( aquela que contempla as substâncias psicotrópicas de uso proscrito no Brasil). Isto é o que basta para que o crime desapareça. Pouco importa que posteriormente tenha ocorrido nova publicação e que a mesma substância tenha voltado a integrar a tabela das proscritas. A lei penal mais benéfica há que ter aplicação imediata, e, a norma posterior incriminadora em nada poderá prejudicar os réus.

                  Com base em tais argumentos e reportando a fundamentação do pedido formulado pela Defesa e ratificado pela Promotoria, JULGO EXTINTA A PUNIBILIDADE DOS RÉUS H. F. B. e R. M., ante o reconhecimento da retroatividade da Lei que deixou de considerar como substância proscrita o cloreto de etila (Resolução 104 de 06/12/2000 da ANVISA - artigo 1º), com fulcro no artigo 107, III, do Código Penal, excluindo a imputação atinente ao crime de tráfico capitulado no artigo 12, bem como as qualificadoras elencadas no artigo 18 da Lei 6368/76.

                            Expeçam-se Alvarás de Soltura.

                            Considerando eventual primariedade do acusado R. M., bem como o fato de subsistir contra ele imputação atinente ao porte ilegal de maconha, manifeste-se o Dr. Promotor de Justiça a respeito do cabimento do sursis processual. 

                                     P.R.I.C. 

                                     Marília, 03 de Janeiro de 2001

 

                                     José Roberto Nogueira Nascimento

                                                  Juiz de Direito

 

PETIÇÃO DE CRISTIANO DE SOUZA MAZETO

AUTOS nº: 1128/2000. 

 

DENUNCIADOS: H.F.B. e R.M.                     

 

DENUNCIANTE- MINISTÉRIO PÚBLICO                                   

 

         Todos já qualificados nos autos  acima descritos, vem os denunciados perante ao Estado-Juiz  requerer a extinção da punibilidade, sem prejuízo de eventuais  memoriais, pelos motivos que declinam a seguir:

         I- H.F.B. e R.M., formandos em Agronomia foram denunciados  como incursos no art. 12 da lei 6368/76, pelo fato de terem em seu  poder 60 frascos de lança perfume em seu apartamento. A aquisição  teria sido feita com mais 5 ou 6 colegas para as brincadeiras de fim de ano e formatura. O fato ocorreu em 26 de outubro de 2000. Continuam presos e, inclusive deixaram de se submeter aos exames finais Universitários. É a síntese do que importa.   

        II- Todavia, aos 6 de dezembro p.p. a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, no uso de suas atribuições que lhe conferem o art. 11, inc. IV do Regulamento da ANS, aprovado pelo Decreto nº 3.029 de 16 de abril de 1999, c/c o § 1º do art. 107 do Regimento Interno aprovado pela Portaria nº 539 de 25 de agosto de 2000, considerando a decisão do Conselho Nacional Antidrogas(CONAD), em reunião realizada em 05 de dezembro de 2000, adotou a seguinte resolução de Diretoria, e seu Diretor Presidente determinou sua publicação:

        

Art. 1º Excluir o Cloreto de Etila da lista F-2- Lista das Substâncias Psicotrópicas de Uso Proscrito no Brasil, da Portaria SVS/MS nº 344 de 12 de maio de 1998.

Parágrafo único: Fica Proibido o Cloreto de Etila para fins médicos.

Art. 2º Incluir o Cloreto de Etila na Lista D2-lista de Insumos Químicos Utilizados como Precursores para a fabricação e síntese de entorpecentes e/ou Psicotrópicos da Portaria SVS/MS nº 344/98, de 12 de maio de 1998, sujeitos ao controle do Ministério da Justiça.

 Art. 3º Fica concedido o prazo de 30 dias, contados a partir da publicação desta Resolução para as indústrias que utilizam o Cloreto de Etila em processos químicos, se adeqüem a, esta Resolução, junto ao Órgão competente da Justiça Ministério da Justiça.

         Art. 4º Esta Resolução da Diretoria Colegiada entra em vigor na data de sua publicação.

         III- Esta Resolução de nº 104 de 06.12.2000, foi publicada no DOU de 7.12.2000, às pgs. 82.

IV- Todavia aos 15 de dezembro de 2000 nova portaria foi republicada tornando sem efeitos aquele ato da Agência Sanitária, nos seguintes termos:

 

Art. 1º Excluir o Cloreto de Etila da Lista F-2, Lista de Substâncias Psicotrópicas de Uso Proscritos no Brasil, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998

Parágrafo único: Fica proibido o uso de Cloreto de Etila para fins médicos, bem como a sua utilização sob forma de aerosol, aromatizador de ambiente ou de qualquer outra forma que possibilite o seu uso indevido.

 Art. 2º Incluir o Cloreto de Etila na Lista B1- Lista de Substâncias Psicotrópicas, da Portaria SVS nº 344, de 12 de maio de 1998.

Parágrafo único: O controle e a fiscalização serão exercidos pelo órgão competente do Ministério da Justiça, de acordo com a lei n.º 9.017 de 30 de março de 1995, Decreto n.º 1.646, de 26 de setembro de 1995 e Decreto n.º 2.036, de 14 de outubro de 1996.

Art. 3º Fica concedido o prazo de 30(trinta) dias, contados a partir da data de publicação desta Resolução, para que as indústrias que utilizam o Cloreto de Etila, junto ao órgão  competente do Ministério da Justiça.

Art. 4º Esta Resolução da Diretoria Colegiada  entra em vigor na data de sua publicação.  

V- O fato causou estranheza na imprensa escrita e falada a ponto da revista de prestígio Época (edição n.º 135) ter dedicado uma reportagem sobre o assunto que segue em anexo.

VI- Assim, MM. Juiz, se o lança-perfume era proscrito por conter cloreto de etila e, por isso mesmo considerado como substância entorpecente e, uma vez que o órgão competente para listar as substâncias entorpecentes, a excluiu do rol  daqueles produtos, o uso do lança-perfume foi liberado, como bem exposto na reportagem da Revista ÉPOCA.

VII- Certo que oito dias após tudo retomou ao status quo ante. Pouco importa. O certo é que, como sabido, o art. 12 da lei 6368.76 não elenca quais as substâncias entorpecentes e que causam dependência física ou psíquica. Trata-se de norma penal em branco de complemento heterogêneo.                                      

VIII- Competia, anteriormente, ao DIMED, elencá-las. Posteriormente e até hoje a tarefa ficou a cargo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Uma vez que esse   Departamento, expressamente, excluiu da lista das substâncias de uso proibido o cloreto de etila (e o lança perfume é o cloreto de etila perfumado mantido sob pressão em frasco para saída em jato), e, uma vez excluído, o tipo, no particular, caiu no vazio e, por óbvio houve uma abolitio criminis, causa extintiva da punibilidade, ex vi do art. 107, III, do Código Penal.

 

IX- Aquela resolução foi revogada. Pouco importa. Se ninguém pode ser punido por fato que a lei posterior deixa de considerar crime, logo, extinta ficou a punibilidade.

X- E se tratar de normas que complementam as leis penais em branco, têm elas efeito retroativo? Ainda que o problema possa suscitar discussão, uma coisa é certa e induvidosa. A Resolução n.º 104 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária de que trata, não foi uma lei excepcional e tampouco temporária. Estas são as promulgadas para vigorarem durante certo  lapso de tempo (como as hipótese de tabela de preço). Aquelas são as que vigoram durante o período indeterminado.

XI- Evidentemente não se tratava  de lei excepcional nem temporária. Cuidando do assunto, Celso  Delmanto, em comentários ao art. 3º no seu Código Penal  Comentado, observa:

"Há leis em branco nas quais a  alteração de seu complemento pode favorecer o agente, pois não  possuem caráter excepcional ou temporário. Assim se alguém é  condenado pela posse de substância entorpecente (Lei 6.368/76),  como tal prevista à época do fato em portaria, mas uma posterior  portaria deixa de considerar aquela substância como entorpecente,  obviamente, deverá ser reconhecida em favor do agente a  retroatividade benéfica."

 

XII- E acrescentamos: se a nova Portaria revoga a anterior, durante o período em que aquela vige, nada pode impedir os efeitos que ela produziu durante sua vigência. Aliás a unanimidade da doutrina é sempre a favor da retroação mais  benéfica quando o assunto é norma penal em branco, referente a lei  de tóxicos, já que quando o assunto é tóxico o complemento trata da  essência do delito não podendo ser considerada como temporária ou  excepcional.

XIII- Aliás, e a propósito do  assunto, o Supremo Tribunal Federal, apreciando o HC n.º  98.904/SP, decidiu: "O paciente foi preso no dia 1-3-1984, por Ter  vendido lança-perfume, configurando o delito de tráfico de substância  entorpecente, já que o cloreto de etila estava incluído na lista do  Dimed, pela portaria n.º 27-1-1983. Sua exclusão, entretanto, da  lista, coma Portaria de 4-4-1984, configurando-se a hipótese de "abolitio criminis". A Portaria 2/85, de 13-3-1985, novamente incluiu o cloreto de etila na lista. Impossibilidade, todavia, da retroatividade  desta. Adoção de posição mais favorável ao réu."(RTJ. 139/216). Habeas Corpus concedido, v.u.

XIV- Muito a propósito os  comentários do Prof. Flávio Gomes: "A Resolução n. 104, de  06.12.2000, publicada no DOU de 07.12.2000, p. 82, da  Anisa (Agência Nacional da Vigilância Sanitária), a pretexto de autorizar emprego do cloreto de etila pelas indústrias químicas,  retirou-o da lista F2(que relaciona as substâncias entorpecentes ou  psicotrópicas) e o colocou na lista D2( que enumera os insumos  químicos precursores, que não são proibidos, senão apenas controlados pelo Ministério da Justiça). Conseqüentemente, no período de 07.12.2000 a 14.12.2000 houve descriminalização do  cloreto de etila, isto é, abolitio criminis. Desde 15.12.2000,  entretanto, com a republicação da Resolução 104, no DOU da  mesma data

(n. 241-E), voltou a proibição do lança-perfume. Mas  essa republicação, como alterou completamente o texto anterior, é  uma verdadeira lei nova, valendo tão somente para os fatos  ocorridos a partir dela (e no que ela trouxe de novo: cfr. STF, RE 163.851, rel. Min. ILMAR GALVÃO, DLU de 25.11.94, p. 32.310). A  republicação não tem eficácia retroativa porque é prejudicial aos  réus. Eficácia retroativa tem a primeira publicação, de 07.12.2000,  por ser mais benéfica. Conclusão: todos os fatos envolvendo lança-perfume ocorridos no nosso país até 14.12.2000 estão completamente fora de qualquer conseqüência jurídico-penal  relacionada com a Lei de Tóxicos. Pode eventualmente a conduta configurar contrabando, mas já não incide para esses fatos passados  a lei de tóxicos."                                

XV- Ante o exposto, e caindo  como uma luva ao caso sub judice a decisão do Excelso Pretório, a  Defesa, sempre respeitosamente, requer a Vossa Excelência, ouvido  o DD Dr. Promotor de Justiça, seja decretada a extinção da  punibilidade em face a abolitio criminis expendido-se o necessário. O pedido é perfeito já que a extinção da punibilidade pode ser pedida  em qualquer momento ou grau de jurisdição de forma incidental. Requer subsidiariamente a reiteração da liberdade provisória.

 

Pede a Espera

Deferimento

Marília, 02 de janeiro de 2001.

CRISTIANO DE SOUZA MAZETO

ADV. OAB/SP - 148.760

  

 

 

 

 



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