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PROCESSO DE EXECUÇÃO nº 44461721
APENADO: Júlio César dos Santos Moreira
Parecer
Pelo Ministério Público
MM. Juíza:
O apenado apresentou, conforme folhas 77/78, postulação para cursar o curso de Direito, disciplinas constantes a fl. 80, da Escola de Direito da Universidade Católica de Pelotas, haja vista ter sido aprovado, em 10º lugar, no vestibular de inverno da referida Universidade. Encontra-se condenado, ainda sem trânsito em julgado, por tráfico de entorpecentes.
Vieram os autos para o devido parecer.
É O RELATÓRIO.
Sabe-se que a educação é o meio mais eficaz, aliado ao trabalho, para a reeducação de pessoas encaminhadas ao cárcere.
A pena privativa da liberdade tem três objetivos: a repressão, a prevenção, e a ressocialização, este último maior deles.
Ora, estando o apenado na busca de um outro caminho, distanciado das trilhas equivocadas por onde passou, das condutas ilegais que praticou, a ponto de buscar o ensino do direito como forma de alinhamento de sua vida, não pode ser o Juízo da Execução e o Ministério Público, ao aplicar a lei, o óbice dessa caminhada.
Poder-se-á pensar: a liberdade de um termina quando começa a de outro, e transpondo, o direito de um termina quando começa o de outro. Ora, de que direito se estará falando, dos demais alunos? Mas esse direito não está sendo ferido, pois lhes é permitido o estudo e acesso ao banco escolar. Agora não permitindo-se o estudo do apenado, o seu direito está sendo ferido, pois o acesso à educação é norma constante da LEP e dever do Estado.
Afinal de contas, não se quer preparar o apenado para o retorno à vida social? Todos dizem que sim, mas teoria e prática são fatos distanciados no proceder de muitos.
O apenado está em regime fechado. Dessa forma compete ao Estado providenciar na escolta à acompanhá-lo nos deslocamentos até a sala de aula e retorno à casa prisional, devendo ficar claro que o escoltando não poderá entrar na sala de aula, levando o apenado até o local aguardando suas saídas, e conduzindo-o de volta ao presídio. Também em razão das circunstâncias, deverá o agente obstar-se do uso das algemas.
Não tendo o Estado condições da escolta, dentro do critério de que o direito não pode ser lesado em razão de ausência de circunstâncias materiais, entendo que, no caso em pauta, deva ser dispensada a escolta, liberando-se o apenado para o estudo, com deslocamentos com horários fixados para saída e retomo ao presídio. Afinal, não quer ele aprender direito- a primeira regra é obedecer a lei e a decisão judicial tomada no caso.
Destarte, o parecer é no sentido de deferimento do pedido de autorização para estudar, com acompanhamento de escolta e, em não sendo possível esta, a liberação sem escolta. O alicerce de fundo do parecer, ressaltamos, está no entendimento básico de que a reeducação do preso é o interesse social prevalente da sanção penal.
É o parecer. Pelos, 28.07.2000. José Olavo Bueno dos Passos - Promotor de Justiça.
Processo de Execução Criminal n.º 44461721
Apenado : JÚLIO CÉSAR DOS SANTOS MOREIRA
1ª Vara Criminal
Comarca de Pelotas
Vistos etc.
O Apenado JÚLIO CÉSAR, pleiteou e obteve consentimento para a realização do Concurso Vestibular ao Curso de Direito da Universidade Católica de Pelotas. Efetuado o concurso, classificou-se em 10º lugar, recebeu autorização desta Juíza para matricular-se e freqüentar o curso universitário, mediante providências da SUSEPE consistente em escolta. O fundamento das autorizações foram dois : a um, o apenado é provisório, não transitou em julgado sua condenação, objeto de recurso perante o Tribunal de Justiça do Estado; a dois, o estudo ressocializa.
Recebo o oficio de n.º 2918/2000 - PRP , informando que o Presídio Regional de Pelotas não dispõe de Agentes Penitenciários para escolta diária do apenado estudante, às aulas da UCPEL, de Segundas a Sextas-feiras, das 14h às 17h50min.
É DEVER do Estado (como um todo e do Poder Executivo em especial), ofertar infraestrutura necessária aos Presídios para que tenham condições de efetuar suas atribuições determinadas na Constituição Federal e na Lei de Execuções Penais. Ora uma e outra preceituam condições dignas de vida para os cidadãos brasileiros, dentre eles, os apenados.
A
Lei de Execuções Penais é determinante em elencar os
DEVERES DO ESTADO para com os apenados. De forma clara, este
Diploma legal, determina que a assistência ao apenado é
DEVER DO ESTADO, com o objetivo de prevenir o crime e
orientar o retorno à convivência em sociedade (art. 10). Já
o art. 11 discrimina a
Assistência/dever
do Estado
ao apenado será, dentre outras, \" ... inc. IV -
educacional.\" Portanto, é Direito subjetivo do apenado
estudar e dever do Estado, proporcionar a ele condições
para tanto.
A ressocialização,
como já referi na decisão de fls.84, é a finalidade precípua
da pena, e esta, talvez tenha sido a maior conquista da
reforma penal de 1984, pergunto: como ressocializar sem
condições estruturais? A história da prisão não
é de sua progressiva abolição, mas a da sua reforma e
melhoria, reabilitação e educação.
Um dos grandes obstáculos
à ressocialização é a dificuldade de colocá-la
efetivamente em prática - se a Lei de Execução Penal não
é cumprida por parte do Estado, como esperamos que o
apenado \"cumpra a sua parte\"? O Tratamento
penitenciário -entendido como um conjunto de atividades
dirigidas à reeducação e reinserção social dos apenados
é obstaculizado pelo Estado (Poder Executivo) que não
cumpre a sua parte nas determinações contidas na Lei. RESSALTO:
A Lei de Execuções Penais data de 11 de julho de
1984 , conta com 16 anos , vários Governos passaram e
nenhum implementou as necessidades para o cumprimento da
Lei.
Ao Juiz da Execução
Penal, no papel de Estado/Poder Judiciário, compete
fazer com que os direitos e deveres dos apenados sejam
aplicados, e cumpridos com o mesmo rigor legal que
colocou o apenado no sistema prisional. Isto é Justiça. Não
cabe ao Poder Judiciário preocupar-se com escolta,
esta é preocupação do Estado, Secretaria de Segurança,
SUSEPE.
É condição desumana encarcerar uma pessoa sem ofertar-lhe condições de ressocialização. Ao término da pena esta pessoa voltará ao convívio social - ressocializada ou não. O que é melhor para a comunidade?
Entendamos que o cárcere existe para educar e devolver à sociedade seres humanos que erraram e pagaram por seus erros, segundo a Lei dos Homens. Não devemos admitir cárceres para atormentar, aviltar e tornar a situação pessoal daquele ser humano pior do que a que havia quando ele chegou até a prisão.
Como Juíza titular da Vara das Execuções Penais da Comarca de Pelotas não me resta outra alternativa a não ser a de conceder ao apenado JÚLIO CÉSAR DOS SANTOS MOREIRA o Direito de freqüentar as aulas do Curso de Direito, na UCPEL, nos horários e normas pela Universidade estabelecidos, SEM ESCOLTA, quando o Presídio não a possuir, devendo recolher-se à casa prisional aos finais de semana, feriados e férias escolares. O apenado não pode circular pela Universidade a não ser quando for determinado por professores para finalidade do curso ao qual freqüenta.
O
apenado poderá freqüentar as aulas nas segundas-feiras,
com saída do Presídio às 13h e retomo ao mesma às 17h,
De terças às sextas-feiras, a saída será às 13h e o
retomo às 19h.
Diligências legais. Pelotas, 02.08.2000 - Nilda M. S. Pellizzer - Juíza Titular da VEP.
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