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EMENTA:
APELAÇÃO - FURTO SIMPLES - PRESTAÇÃO DE SERVIÇO COMO CONDIÇÃO DA SUSPENSÃO
CONDICIONAL DO PROCESSO - ILEGALIDADE - FALTA DE PREVISÃO NA LEI Nº 9.099/95 -
ANULAÇÃO DA REVOGAÇÃO - REFORMATIO IN
MELLIUS - POSSIBILIDADE - INTELIGÊNCIA DO ART. 617 DO CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL
I-
As sanções previstas no diploma penal não podem figurar como condições do sursis
processual, por falta de previsão legal e pela própria natureza do instituto.
II-
A ausência de recurso por parte da defesa não impede o reconhecimento de
nulidade absoluta, pois a reformatio in
melius é admitida no Direito brasileiro, principalmente se o réu não
recorreu, em atenção ao princípio favor
rei.
III- Anulado o processo, de ofício.
ACORDA,
em Turma, a Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Alçada do Estado de Minas
Gerais, DE OFÍCIO, ANULAR O PROCESSO A PARTIR DE FOLHA 53,TA.
Presidiu
o julgamento o Juiz CARLOS ABUD (Revisor) e dele participaram os Juízes
ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO (Relator) e MYRIAM SABOYA (Vogal).
O
voto proferido pelo Juiz Relator foi acompanhado na íntegra pelos demais
componentes da Turma Julgadora.
Belo
Horizonte, 29 de agosto de 2000.
Juiz
Alexandre Victor de Carvalho
Relator
VOTO
O
SR. JUIZ ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO:
I-
RELATÓRIO
Trata-se
de apelação interposta pelo Ministério Público oficiante na Comarca de Nova
Resende visando à reforma da sentença que condenou o apelado a uma pena de 1
(um) ano e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa pela prática do crime descrito
no artigo 155, caput,
do Código Penal, pena esta substituída pela prestação pecuniária
consistente no pagamento de um salário mínimo à vítima.
Segundo
narram os autos, o apelado, após adentrar as dependências da Escola Municipal
Doutor Melo Viana, teria subtraído de lá um aparelho de videocassete quatro
cabeças, juntamente com o respectivo controle remoto e um aparelho de antena
parabólica.
O
Parquet denunciou o apelado pelo delito de furto simples,
oferecendo, na exordial, o benefício da suspensão condicional do processo que
foi aceita pelo acusado e homologada judicialmente, conforme termo de f.
36-37,TA.
O
\"sursis\" processual foi revogado à f. 53, porquanto teria o apelado
descumprido uma das condições sursitárias, ou seja, a prestação de serviços
à comunidade, voltando o processo ao seu transcurso normal. Defesa prévia,
arrolando testemunhas, à f. 61,TA. Alegações finais do Ministério Público
requerendo a procedência da denúncia às f. 70-77,TA. O apelado apresentou
suas alegações defensivas às f. 79-81,TA.
A
sentença guerreada, julgando consistente o conjunto probatório, condenou o
apelado, baseando sua decisão nas provas testemunhais e documentais carreadas
aos autos.
Inconformado,
apela o Ministério Público pugnando, exclusivamente, pela modificação na sanção
aplicada, requerendo a substituição da pena privativa de liberdade pela prestação
de serviços à comunidade.
Devidamente
intimado, o apelado apresentou contra-razões às f. 95-97,TA, onde requer a
manutenção do decisum por seus próprios
fundamentos.
A
Procuradoria de Justiça, através do parecer da lavra da ilustre Procuradora
Dra. Regina Belgo, opina para que seja negado provimento ao recurso.
É
o relatório.
II-
CONHECIMENTO
Conheço
do recurso por preencher os pressupostos legais.
III-
PRELIMINAR - FUNDAMENTAÇÃO
Antes
de analisar o mérito do presente recurso, entendo que existe preliminar de ofício
a ser reconhecida, consistente em vício na prestação jurisdicional que viola
princípios constitucionais e a legislação ordinária.
Com
efeito, verifico que o magistrado monocrático, em atendimento ao requerido pelo
Ministério Público, revogou a suspensão condicional do presente processo ao
argumento de que o apelado não estava cumprindo uma das condições impostas,
ou seja, a prestação de serviços à comunidade, consistente na realização
de tarefas no Asilo Municipal São Vicente de Paula, durante oito horas semanais
no prazo de seis meses.
Conforme
informações da entidade beneficiada, o apelado teria trabalhado durante quatro
meses, mas sem se dedicar às suas funções, chegando tarde e saindo sempre
mais cedo.
Esta
revogação é francamente ilegal, porque seu alicerce fundamental viola a Lei nº
9.099/95 e a Constituição Federal, porquanto impôs-se como condição da
suspensão condicional do processo uma verdadeira sanção penal de natureza
substitutiva, ou seja, a prestação de serviços à comunidade, sem que
houvesse previsão legal para tanto.
É
certo que na suspensão condicional da pena, prevista no art. 77 do Código
Penal, o legislador de 1984 criou a possibilidade de que a prestação de serviços
à comunidade ou mesmo a limitação de fim de semana figurassem como condições
sursitárias no primeiro ano do período de prova.
Este
procedimento já bastante criticado pela moderna doutrina penal, conforme
noticia Luís Flávio Gomes- Suspensão Condicional do Processo Penal, ed. RT,
p. 335 - mereceu a seguinte justificativa na Exposição de Motivos da Lei nº
7.209/84 que reformou a Parte Geral do Código Penal:
\"Tais
condições transformaram a suspensão condicional em solução mais severa do
que as pena restritivas de direitos, criando-se para o juiz mais esta
alternativa à pena privativa de liberdade não superior a 2 (dois) anos. Os
condenados ficam sujeitos a regime de prova mais exigente, pois além das condições
até agora impostas deverão cumprir, ainda, as de prestação de serviços à
comunidade ou de limitação de fim de semana, bem como as condições outras,
especificadas na sentença,\" adequadas ao fato e à situação pessoal do
condenado\"
Neste
diapasão, fica claro que o Codex
consagrou no citado art. 77 apenas a suspensão da execução da pena privativa
de liberdade porque possibilitou a fixação de uma pena restritiva de direitos
como condição sursitária, na evidente finalidade de tornar a suspensão
condicional da pena em medida punitiva mais severa que as penas substitutivas.
Note-se
que nem mesmo existe possibilidade da distinção proposta por Luís Flávio
Gomes, na citada hipótese, entre pena substitutiva e condição do \"
sursis\" , ou seja, de que \"o descumprimento de uma pena substitutiva
pode provocar a sua conversão em prisão, enquanto o descumprimento de uma
condição não pode ter a mesma conseqüência\".
Ora,
o não-cumprimento da condição sursitária leva à revogação da suspensão
condicional da pena e, via de conseqüência, à execução da sanção
corporal, da mesma forma que o descumprimento da pena substitutiva determina a
sua conversão em pena privativa de liberdade. Conclui-se que modifica-se a
terminologia, mas mantém-se idênticos os efeitos.
Assim,
a condição prevista no § 1º do art. 78 do diploma penal possui a qualidade
de pena substitutiva, tal se reconhecendo, em função de o aludido texto
legislativo referir-se,
expressamente, ao dispositivo legal que prevê a prestação de serviços à
comunidade e a limitação de fim de semana como penas substitutivas.
Diante
destas necessárias considerações, não compartilhamos do raciocínio jurídico
do Prof. Luis Flávio Gomes de que a prestação de serviços à comunidade
poderia figurar como condição da suspensão condicional do processo a ser
fixada discricionariamente, conforme dispõe o § 2º do art. 89 da Lei nº
9.099/95.
Segundo
alega o eminente jurista na supramencionada obra, a prestação de serviços à
comunidade e a limitação de fim de semana como condições do
\"sursis\" processual se diferenciariam das penas substitutivas porque
\"se descumpridas, não provocariam a conseqüência da prisão, senão a
revogação da suspensão e o reinício do processo\", além do que
\"nada impede que uma restrição tenha várias naturezas jurídicas
distintas, conforme cada caso.\"
Parece-nos
equivocado o pensamento do ilustre doutrinador. De acordo com a exegese do § 1º
do art. 78 acima exposta, só se justifica a prestação de serviços à
comunidade e a limitação de fim de semana como condições do sursis
se forem concebidas enquanto acréscimos na severidade da suspensão condicional da pena e com o nítido propósito
de transformar este instituto numa opção exclusivamente subsidiária para o
acusado frente às chamadas penas punitivas, solução mais benigna ao réu.
É
evidente que a mens legis do § 1º do
art. 78 não se aplica à suspensão condicional do processo, porque a essência
deste instituto é justamente ser uma medida mais benéfica ao acusado do que a
aplicação de uma pena restritiva de direitos.
Ademais,
não existe, no dispositivo que consagrou a suspensão condicional do processo,
previsão para que se adote a prestação de serviços à comunidade e a limitação
de fim de semana como condições sursitárias, como acontece na suspensão
condicional da pena. Assim,
possibilitar que o magistrado escolha, a seu bel prazer, uma das penas previstas
no nosso ordenamento jurídico e rotulá-la como condição do sursis
processual, justificando-a enquanto tal apenas porque se descumprida não gera
prisão e, sem processo, é atentar contra o princípio constitucional da
legalidade.
A
suspensão condicional do processo implica, invariavelmente, em obrigações ou
restrições. Quando um acusado aceita o benefício do art. 89, aceita também o
cumprimento de determinadas condições restritivas de liberdade, ainda que sem
admissão de culpa.
Entretanto,
a discricionariedade que reina nesta espécie de transação penal e na imposição
destas condições ao acusado não pode violar o princípio da legalidade, no
sentido de que determinadas obrigações ou restrições previstas no nosso Código
Penal também como sanções penais sejam aplicadas sem critério, dependendo
somente do juízo de valoração e necessidade do magistrado.
Veja
bem: aceitar o raciocínio do Prof. Luís Flávio Gomes de que uma determinada
restrição qualificada enquanto pena pode figurar também como condição é
admitir que se possa aplicar, como condição sursitária na suspensão
condicional do processo, o pagamento de multa, a perda de bens e valores, a
interdição temporária de direitos e, pasmem, até mesmo a pena privativa de
liberdade!!!
Não
há dúvidas que seria um impropério desmedido e aqui só é levada em
consideração para efeitos de argumentação, mas, teoricamente, seria possível
caso a dicção do § 2º do art. 89 pudesse ser interpretada nas dimensões
propostas pelo ilustre Professor.
A
imposição de uma pena substitutiva como condição do sursis
processual terá o mesmo efeito almejado pela Reforma do Código Penal de 1984,
demonstrada na já citada exposição de motivos: tornar este instituto que visa
beneficiar o acusado evitando um processo, mais severo que uma condenação,
porquanto, diante da Lei nº 9.714/98, provavelmente o acusado receberia, como
na hipótese dos autos, justamente, uma pena restritiva de direitos.
Se
a suspensão condicional do processo é considerada por muitos como uma
\"negociação jurídica\", pode-se dizer, sem medo de errar, que apenas
um acusado mal orientado faria este péssimo negócio, ou seja, aceitar a mesma
pena que lhe seria aplicada caso fosse condenado, antecipadamente e sem chance
de defesa!
E
o resultado seria a falência deste importante instituto despenalizador -
grifei.
Noutro
giro, observe que o Código Penal, em sua parte geral, ao dispor sobre a suspensão
condicional da pena, possui dispositivo com idêntica semelhança ao citado § 2º
do art. 89 da Lei nº 9.099/95 - art. 79- entretanto, faz expressa referência,
em regra à parte - art. 78, § 1º, à prestação de serviços à comunidade e
à limitação de fim de semana como condições do sursis.
Significa
dizer que, interpretando sistematicamente o capítulo IV do Título V do Codex,
conclui-se que a norma do art. 79, idêntica, por seu turno, ao art. 89, § 2º,
da Lei nº 9.099/95, não engloba a prestação de serviços à comunidade e a
limitação de fim de semana.
Isto
posto, considero que as sanções previstas no diploma penal não podem figurar
como condições do sursis processual,
por falta de previsão legal e pela própria natureza do instituto.
Ressalte-se
que a ausência de recurso por parte da defesa não impede o reconhecimento
desta ilegalidade, já que há ofensa, inclusive, a norma constitucional - princípio
da legalidade, art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal. Ademais, a reformatio in melius é admitida no Direito brasileiro,
principalmente se o réu não recorreu, em atenção ao princípio favor
rei.
A
jurisprudência está em conformidade com o exposto:
\"O
recurso de apelação do MP devolve ao tribunal o exame de mérito e da prova.
Nessas circunstâncias, se o tribunal verifica que houve erro na condenação ou
na dosimetria da pena, não está impedido de corrigi-lo em favor do réu, ante
o que dispõe o art. 617 do CPP, que somente veda a reformatio in pejus, e não a reformatio
in mellius. Argumentos de lógica formal não devem ser utilizados na Justiça
criminal para homologar erros ou excessos\" (STJ - Resp. - Rel. Assis Toledo
- RT 659/335).
III-
CONCLUSÃO
Com
estas considerações, reconhecendo a ilegalidade da prestação de serviços
como condição da suspensão condicional do presente processo, realizada às f.
36-37,TA e, via de conseqüência, da sua revogação à f. 53,TA, ANULO O
PROCESSO desde aquele ato processual, ou seja, a partir de f. 53,TA, devendo o
acusado cumprir o restante do período de prova, ou seja, o período fixado de
dois anos, descontados os prazos até a decisão judicial anulada, observadas,
ainda, as condições ajustadas, excetuada a prestação de serviços à
comunidade.
Deixo
de analisar o recurso ministerial, por estar prejudicado com a preliminar
levantada de ofício.
É
como voto.
Custas
ex lege.
Juiz
Alexandre Victor De Carvalho
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