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Decisões: Acórdão em apelação criminal. O caput do artigo 384, do CPP, agride o artigo 129, I, da Constituição Federal - ao juiz é vedado atuar como acusador. Anularam despacho que assim obrou e absolveram o apelante.

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Nulidade. O caput do artigo 384, do CPP, agride o artigo 129, I, da Constituição Federal - ao juiz é  vedado atuar como acusador. Anularam despacho que assim obrou e absolveram o apelante.

APELAÇÃO-CRIME Nº 698464500

QUINTA CÂMARA CRIMINAL

APELANTES: M.R. E L. C. S.

APELADA: A JUSTIÇA,

 

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento para absolver o apelante com base no art. 386, VI, do Código de Processo Penal.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Desembargadores PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA, Presidente, e ARAMIS NASSIF.

Porto Alegre, 02 de dezembro de 1998.

AMILTON BUENO DE CARVALHO

Relator.

RELATÓRIO

DES. AMILTON BUENO DE CARVALHO - Relator - O representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra J.L.L. e L. C. S. porque em 06-06-95, pelas 23 horas, na granja de propriedade de Itacir Alomeu Paian, situada nas proximidades da cidade de Maximiliano de Almeida, em uma garagem, agindo conjuntamente e mediante acordo de vontades, subtraíram, para si, os objetos descritos na denúncia, avaliados em R$ 1.135,66. Para ingressarem na referida garagem os denunciados retiraram os pinos das dobradiças da porta. Incorreram nas sanções do artigo 155, § 4º, I e IV, do Código Penal, sendo que o denunciado Jorge está incurso, também, no artigo 61, I, do mesmo diploma legal.

 Recebida a denúncia em 16-04-96.

Os acusados foram citados (fl. 91 verso), interrogados (fls. 94/95). Vieram alegações preliminares (fls. 96/98). Coletou-se prova oral (fls. 121/122, 141, 143, 166, 190/191 e 194). As partes nada requereram no prazo do artigo 499 do Código de Processo Penal.

Em alegações derradeiras, o representante do Ministério Público pugnou pela condenação dos acusados, eis entende provada a hipótese da denúncia (fl. 204 e verso). Intimada a defesa constituída do co-acusado Jorge para apresentação de alegações finais, esta não se manifestou, nomeando-se defensor dativo para referido ato, que postulou a absolvição por insuficiência de provas (fls. 216/217). A defesa do co-acusado Luiz Celso, também, requereu a absolvição diante da precariedade da prova trazida aos autos (fls. 211/213).

Conclusos os autos para sentença, o magistrado vislumbrando a possibilidade de nova definição jurídica do fato e enquadramento das condutas no delito de receptação dolosa ou culposa, determinou a intimação da defesa para se manifestar e arrolar testemunhas (fl. 219 verso). A defesa de Luiz C. apresentou rol de testemunhas (fl. 224). Já a defesa do co-acusado Jorge deixou o prazo transcorrer in albis. Foram inquiridas as testemunhas arroladas pela defesa de Luiz C. (fl. 237). Encerrada a instrução, abriu-se novamente prazo para apresentação das alegações finais (fl. 239 verso).

O Ministério Público ratificou as alegações já acostadas à fl. 204 e verso dos autos, postulando a condenação dos acusados nos termos da denúncia (fl. 240). A defesa de Luiz C. postulou a absolvição por inexistirem nos autos prova segura, hábil a ensejar juízo de condenação (fls. 243/244). Novamente a defesa constituída do co-acusado Jorge, devidamente intimada, não se manifestou no prazo das alegações finais, sendo, então, nomeado defensor dativo que requereu a absolvição face a fragilidade da prova carreada aos autos (fl. 247).

Ato decisório singular condenou o acusado Luiz C. às penas de dois anos e quatro meses de reclusão, em regime inicial semi-aberto e 90 dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato, a unidade, por infração ao disposto no artigo 180, c/c. artigo 61,I, ambos do Código Penal, e absolveu J. L. L., com fulcro no artigo 386, VI, do Código de Processo Penal (fls. 249/252).

Inconformada, apela a defesa do acusado Luiz C. postulando a reforma da sentença monocrática, haja vista não haver nos autos provas suficientes à estear juízo condenatório (fls. 259/263). O Ministério Público ambiciona a manutenção da decisão de 1º grau (fls. 265/268).

Nesta instância, em parecer exarado às fls. 271/273, o Dr. Procurador de Justiça manifesta-se pelo improvimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

DES. AMILTON BUENO DE CARVALHO - Relator - Com a respeitosa vênia do colega Luís Otávio Braga Schuch, ouso dar solução diversa ao feito daquela encontrada pelo juízo monocrático. Vejamos, pois.

Como se viu em relatório, o apelante foi denunciado e processado pelo delito de furto qualificado. Vencido o prazo do artigo 500 do Código de Processo Penal, o colega singular, com base no artigo 384, cabeço, do Código de Processo Penal, proferiu o despacho seguinte: "Vislumbro possibilidade de nova definição jurídica do fato e enquadramento das condutas no delito de receptação dolosa ou culposa, eis que os objetos furtados foram apreendidos em poder do réu Luiz C., o qual alega que os encontrou no meio do mato, estando o réu Jorge presente no local. Como isso importa em pena menos grave, intime-se a defesa para se manifestar e arrolar testemunhas, no prazo de oito dias" (fl. 219 verso), o que se deu, sendo ele condenado por receptação dolosa.

Em assim agindo, com renovada vênia, houve agressão à regra do artigo 129, I, da Constituição Federal, que dá como função do Ministério Público promover a ação penal pública.

Acontece que o juiz, ao despachar nos moldes do artigo 384, cabeça, do Código de Processo Penal, invadirá, sempre e sempre, função reservada ao Ministério Público, daí por que aquele artigo foi revogado pela norma constitucional.

Naquele ato, queira-se ou não, se está fazendo ao acusado nova imputação, ou seja, deflagra-se nova ação penal, o que não se admite com a adoção do sistema acusatório. O juiz, assim obrando, transforma-se em acusador, próprio do medieval inquisitório (ver Ferrajoli, "Derecho y Razon", ed. Trotta, Madrid, 1995, p. 563).

A Câmara, a partir de espetacular voto do Des. Aramis, sequer admite que o juiz recorra de ofício (habeas, reabilitação, Nº 297039182) porque abala sua imparcialidade. Muito mais grave é o juiz imputar crime a alguém.

O caminho a seguir, sempre e sempre, é oferecimento de aditamento - que o acusador acuse, que o defensor defenda, que o juiz julgue, eis a regra do jogo processual democrático!

Em verdade, antes da Constituição atual, até poder-se-ia admitir tal atividade do juiz porquanto a deflagração da ação penal pública não era privativa do Ministério Público (contravenções, crimes culposos). Mas hoje tudo é diferente.

Então, nulo é aquele despacho - repito: agride a Constituição.

Que fazer então? Não há como se decretar a nulidade do processo como um todo, eis não há apelo do Ministério Público e a defesa não a levanta (o correto seria anular o feito, a partir dali, com possibilidade de aditamento) - o prejuízo da defesa seria agressivo. Por outro lado, não se admite a tomada de providência do parágrafo único, do artigo 384, do Código de Processo Penal, por parte do segundo grau (Súmula 453, do S.T.F.).

Assim, ao se desconsiderar o despacho de fl. 219 verso, tem-se que o apelante foi condenado por delito (receptação) pelo qual ele não foi denunciado (a denúncia é por furto e é a acusação que, então, está a vigorar). Logo, o princípio da correlação foi agredido espetacularmente (uma das mais preciosas garantias defensivas).

A solução é a decretação da absolvição (no particular segue-se Mirabete, C.P.P. Interpretado, 5ª ed., p. 493).

Diante do exposto, dá-se provimento ao apelo para absolver o apelante com base no artigo 386, VI, do Código de Processo Penal.

DES. PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA - Presidente e Revisor - De acordo.

DES. ARAMIS NASSIF - De acordo.

Decisor de 1º Grau: Dr. Luís Otávio Braga Schuch

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