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Recurso
em sentido estrito. O crime previsto no art. 306, do C.T.N., exige perigo de
dano concreto, a ser descrito com todas as suas circunstâncias na inicial de
acusação. Recurso improvido.
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 698268372
QUINTA
CÂMARA CRIMINAL
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO
RECORRIDO : L. C. O. B.
ACÓRDÃO
Acordam
os Desembargadores da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado,
à unanimidade, em negar provimento.
Custas
na forma da lei.
Participaram
do julgamento, além do signatário, os eminentes Desembargadores PAULO MOACIR
AGUIAR VIEIRA, Presidente, e ARAMIS NASSIF.
Porto
Alegre, 10 de fevereiro de 1999.
AMILTON
BUENO DE CARVALHO,
Relator.
RELATÓRIO
DES.
AMILTON BUENO DE CARVALHO - Relator - O REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO recorre em sentido
estrito, com fundamento no artigo 581, I, do Código de Processo Penal, da decisão
proferida pela Dra. Pretora da 2ª Vara Criminal da Comarca de Viamão, a qual não
recebeu a denúncia, por entender que o fato narrado na mesma não constituía
crime.
Sustenta
o recorrente que a denúncia oferecida contra L.C. O. B., dando-o como incurso
nas sanções do artigo 306, do Código Nacional de Trânsito porque no dia
17-03-98, conduzia seu veículo Logus, placas IBD 7897, em via pública, expondo
a dano potencial a incolumidade pública, pois dirigia em estado de embriaguez,
não restou recebida, visto que a Dra. Pretora entendeu ser atípica a conduta
descrita na exordial acusatória. Aduz que o delito de embriaguez ao volante é
de ação pública incondicionada, de perigo abstrato contra a incolumidade pública,
não exigindo identificação de vítima para propor representação. Ademais,
consuma-se com a simples condução de veículo automotor em via pública, sob a
influência de bebida alcoólica. Afirma, ainda, que o Código Nacional de Trânsito,
ao tipificar as condutas delituosas teve por objetivo a exigência de maiores
penas e a garantia da certeza da punição. Pleiteia a reforma da decisão
atacada (fls. 31/38).
Mantida
a decisão recorrida, subiram os autos a esta instância (fl. 39).
Nesta
instância, o Dr. Procurador de Justiça, em parecer exarado às fls. 41/44,
manifesta-se pelo provimento do recurso.
Restou
determinado o retorno dos autos à origem a fim de que fosse dado ciência ao
recorrido da interposição do recurso (fl. 45).
Intimado,
em contra-razões o requerido postula a manutenção da decisão monocrática
(fls. 50/53).
O
Dr. Procurador de Justiça opina no sentido de ser dado provimento ao recurso.
É
o relatório.
VOTO
DES.
AMILTON BUENO DE CARVALHO - Relator - O
ato decisório da lavra da colega Márcia Di Primio Rodrigues vai integralmente
mantido. Eis as razões.
O
calcanhar de aquiles no presente feito é definir se a hipótese do artigo 306,
do Código de Trânsito, encerra perigo abstrato ou concreto (a denúncia imputa
existência do delito pelo fato tão-só do recorrido dirigir embriagado,
enquanto a decisão atacada não a recebeu porque não descrito o perigo
concreto).
Como
já disse, sigo a linha da colega monocrática.
Pois
bem.
O
artigo 306, do C.T., assim dispõe: \"
Conduzir veículo automotor, em via pública, sob influência de álcool...expondo
a dano potencial a incolumidade de outrem\".
A
leitura que faço do texto é a seguinte: no momento em que o legislador, ao
descrever o tipo, referiu exposição \"a
dano potencial a incolumidade de outrem\", exigiu a presença do perigo
concreto tanto que outrem deve ser o
sujeito passivo.
Por
outro lado, o Alçada Paulista também assim já se definiu:
\"CÓDIGO
BRASILEIRO DE TRÂNSITO E LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS. COEXISTÊNCIA.
A
partir da vigência da Lei nº 9.503/97, a condução de veículo automotor, em
via pública, passou a constituir duas figuras delituosas distintas: o crime
previsto no art. 309 da referida lei quando existe perigo de dano concreto; não
havendo, será a contravenção do art. 32, eis que se trata de infração de mera
conduta\" (TACRIM; Apelação nº 1.091.253/8 - Cubatão; 6ª Câmara;
Rel. Juiz Ivan Marques; j. em 24.6.98; v.u.).
Assim,
a inicial pecou por não indicar qual foi o dano objetivo existente.
Mais
(e bem lembra a colega singular). O legislador, no parágrafo único, do artigo
291, do C.T., determinou, claramente, que se aplica ao crime de
embriaguez ao volante, as disposições do artigo 88, da Lei 9099/95. E este
artigo impõe representação à ação penal. Logo, vítima concreta deve
existir.
Ainda
mais. O pensamento penal moderno, em viés garantista, tem repelido, com
espetacular clareza e procedência, que \"É
inadmissível determine o legislador que a mera atividade constitua ilícito punível,
sem observar o requisito à ação, que é o processo causal e o dano efetivo do
bem, já que, desde um conceito material-constitucional de delito, a tipicidade
é bem mais que mera adequação ao tipo penal\" (Salo de Carvalho, \"A
Política Criminal de Drogas no Brasil\", 1ª edição. LUAM, 1996, 91/92).
E
o autor coleta, na mesma diretiva, lições de Luiz Flávio Gomes, Luiz Vicente
Cernicchiaro e Dyrceu Aguiar Dias Cintra (p. 92).
Finalmente,
resta claro que o direito (principalmente o penal que invade a liberdade do
cidadão) deve ser dotado de racionalidade. A eventual irracionalidade
legislativa deve ser corrigida pelo Judiciário (com base nos princípios gerais
do direito - limite do Julgador) quando a concretude aplicativa da norma se
faz presente.
Em
verdade, a não exigência do perigo concreto, ante ao sistema do C.T.N.,
agrediria o princípio da proporcionalidade (Ferrajoli ensina que: \"El hecho de que entre pena y delito no exista ninguna relación
natural no excluye que la primera deba ser adecuada al segundo en alguna
medida\" - Derecho y Razón, ed. Testta, Madrid, 1995, p. 397/398) no
confronto com outros tipos penais mais graves. Senão vejamos.
O
delito de lesões corporais culposas (art. 303) e o de omissão de socorro (art.
304) teriam penas muito mais brandas, embora de repulsa absolutamente mais
agressivas, de que a mera embriaguez ao volante sem qualquer dano objetivo.
A irracionalidade deve ser corrigida!
Então,
ao meu sentir, bem andou a colega singular, daí porque se nega provimento ao
recurso.
DES.
PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA - Presidente - De
acordo.
DES.
ARAMIS NASSIF - De acordo.
Decisor de 1º Grau: Dra. Márcia Di Primio Rodrigues
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