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Decisões: ""Abolitio Criminis"" desconsiderado em pedido de HC que discute conflito entre as Leis 9.605/98 e a Lei 9.985/00.

As opiniões expressas nos artigos publicados responsabilizam apenas seus autores e não representam, necessariamente, a opinião deste Instituto

TACRIM 11

PODER JUDICIÁRIO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. SEXTA CÂMARA CRIMINAL. HABEAS CORPUS N° 331.694-316, VARA DISTRITAL DE PILAR DO SUL - COMARCA DE PIEDADE. RELATOR: DESEMBARGADOR DEBATIN CARDOSO.

Habeas Corpus - Ação penal - Trancamento em razão da ocorrência de abolitio criminis de um dos tipos penais narrados - Conduta do agente descrito na denúncia que pode ser enquadrada em outros dois tipos de Lei Penal Ambiental - Necessidade de aguardar-se o desfecho do processo, para que o magistrado possa aferir a procedência ou não da acusação formulada na peça exordial - Ordem denegada.

 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de HABEAS CORPUS n° 331.694-316, da Vara Distrital de Pilar do Sul, Comarca de Piedade, em que são impetrantes os Bacharéis DANIEL ISÍDIO DE ALMEIDA e DANIEL ISÍDIO DE ALMEIDA JÚNIOR, sendo paciente CLAUDINEI JOSÉ PEREIRA,

ACORDAM, em Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, por votarão unânime, denegar a ordem.

 

RELATÓRIO

Cuida-se de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado pelos advogados Daniel Isídio de Almeida e Daniel Isídio de Almeida Júnior, em favor de Claudinei José Pereira, alegando constrangimento ilegal por parte da MM. Juíza de Direito da Vara Distrital de Pilar do Sul, que deferiu o prosseguimento de ação penal instaurada contra o paciente por crime ambiental.

Sustenta o impetrante que, com o advento da Lei 9.985/00, o artigo 40 da Lei Ambiental (Lei n° 9.645/98) foi alterado, deixando de considerar fato típico a conduta imputada ao paciente (abolitio criminis). Pede o trancamento da ação penal por falta de justa causa e a extinção da punibilidade do paciente.

Instruíram a inicial os documentos de fls. 02/91.

A liminar foi indeferida (fls. 95).

A autoridade apontada como prestou informações (fls. 98/100), também acompanhada de documentos (fls. 101/114).

A douta Procuradoria opinou pela denegação da ordem.

É o relatório.

 

VOTO

Conheço do habeas corpus e denego a ordem. Primeiramente, importante que se defina a competência deste writ para este Tribunal de Justiça julgar os crimes ambientais praticados contra a flora, em virtude do advento da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, conforme já se escreveu na doutrina especializada, verbis:

"Os crimes contra a flora são, em princípio, da competência da Justiça Estadual. Outrora, o Tribunal Federal de Recursos entendia que a competência era da Justiça dos Estados. Mas a justificativa era apenas a de que a fiscalização cabia ao órgão federal, à época o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal - IBDF. Com a entrada em vigor da Carta Magna de 1988, as contravenções passaram a ser da competência da Justiça Estadual. Agora, com a Lei 9.605, de 12.02.1998, renova-se a discussão, uma ver que várias condutas tomaram-se crimes. Em realidade, nada há que justifique a competência federal, exceto se o delito foi praticado em detrimento de bem da União, ou seja, a uma unidade de conservação federal. Aí incide a regra geral do art. 109, inc. IV, da Constituição Federal. Por exemplo, se o infrator corta árvores clandestinamente do Parque Nacional de Itatiaia, incorrendo no delito previsto no art. 38 da Lei 9.605, de 1998, a competência será da Justiça Feral. Porém, se ele pratica a mesma ação contra árvores pertencentes a particulares (Código Civil, arts. 43 e 528), ao Estado ou a um Município, razão não há para a competência ser da Justiça Federal: a uma, porque as árvores não pertencem à União Federal; a outra, porque a fiscalização não é mais privativa do órgão federal, mas comum aos órgãos ambientais estaduais ou municipais (CF, art. 23, incs. VI e VII)." (FREITAS, WLADIMIR PASSOS DE e FREITAS, GILBERTO PASSOS DE, Crimes Contra a Natureza, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, 6ª ed., pg. 56 e 57).

Isto ê necessário, para que não se invoque no futuro, como conseqüência natural desta r. decisão, a incompetência desta col. Turma julgadora.

Conhecido o writ, a melhor solução é, ao meu ver, o seu indeferimento, pois em que pese a aprovação da lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000 - que ao regulamentar o artigo 225, parágrafo 1°, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal (institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza), acabou por mitigar a aplicação do artigo 40, e seus parágrafos da Lei n° 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, em face do veto presidencial -, a denúncia acostada aos autos descreve claramente condutas criminosas praticadas, em tese, pelo ora paciente, sendo por isso prematuro, nesta via estreita, o truncamento da ação penal pela ocorrência do abolitio criminis de um dos tipos penais descritos.

Assim, mesmo com a vigência dessa nova legislação, a qual, em face do veto presidencial, acabou por realmente determinar que o artigo 40, e seus dois parágrafos, ficassem sem a devida penalização, pois a sanção penal aplicada à espécie encontrava-se no caput da primitiva redação (Lei nº 9.605/98), continua a área degrada a ser protegida pelo nosso sistema de Proteção Ambiental, em que pese entendimentos contrários citado pelo próprio impetrante (vide posição do Dr. Luiz Flávio Gomes no artigo "Reservas pedem proteção ambiental", coletado no site direitocriminal.com.br), pois numa simples interpretarão do artigo 2°, letra 'a', item 1 da Lei n° 4.771/65, combinado com o artigo 18, caput da Lei n° 6. 938/81, continua existindo a proteção e preservação permanente de qualquer forma de vegetação natural situada na faixa rnarginal dos cursos d'água, objeto da referida persecução penal.

Em demasia, em face da importância deste julgado, e, para que não fiquemos somente adstritos a uma interpretação restritiva da legislação ambiental, é importante que se invoque um dos princípios básicos do nosso sistema processual penal, que é o princípio jura novit curia, ou seja, nas palavras de Mirabete: "o princípio de livre dicção do direito - o juiz conhece o direito, o juiz cuida do direito" (cf. Código de Processo Penal Interpretado, São Paulo: Atlas, 4ªedição, 1996, pg. 442), pelo qual vale a regra do narra-me o fato e te darei o direito -, que significa que o réu não se defende da capitulação fornecida ao crime na denúncia, mas sim da sua descrição fática.

Ora, isto cai como luva no presente caso, pois o Dr. Promotor de Justiça descreveu na peça acusatória que o paciente, "em quatro locais próximos e distintos, no interior do referido imóvel rural, causou dano indireto a Unidade de Conservação, suprimindo com inundação vegetação rasteira (gramíneas) e vegetação típica de área encharcada (taboa), que estavam dentro da faixa marginal com trinta metros de largura, localizada ao longo do curso d'água ali existente", além de narrar que "efetuou, num determinado local, o barramento de um curso d'água ali existente", e "formou quatro espelhos d'água (açudes), tendo a inundação que os formou ocasionando a supressão das vegetações existentes na faixa marginal do referido curso d'água" (fls. 101/102).

Portanto, a conduta do agente descrita da denúncia, pode ser enquadrada em dois outros tipos da Lei Penal Ambiental (Lei n° 9.605/98), aqueles previstos nos artigos 38 (fornecendo uma interpretação ampliativa do termo "floresta") e o do artigo 48 da referida legislarão, pois como bem definiu o técnico pericial signatário do "Laudo de Dano Ambiental" do Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais: "as páreas afetadas, em sua maioria não são passíveis de recuperação, pelo fato, das áreas terem sido parcialmente escavadas e totalmente inundadas (espelho d´água - açude). Em caso de barramento entendemos que deve-se propor por medida de compensação ambiental, através do plantio de essências nativas em área equivalente à degradada, devendo estas áreas serem no entorno dos açudes formados" (fls. 34), além de explicar, nesse mesmo laudo, a necessidade da plantação de 1.750 mudas de espécies arbóreas nativas da região para mitigar o dano ambiental causado, e, também, recomendar que 20% da área total da propriedade seja averbada como reserva legal no Cartório de Registro de Imóveis, conforme determina o artigo 16 da Lei N° 4.771/65 (fls. 34/45).

Neste aspecto, entenda-se, como mata ciliar aquela que margeia e recobre o rio, riacho, córrego, lago, represa ou os chamados olhos d'água, e, por isso funciona como um controlador de uma bacia hidrográfica (cf. Sousa, José Fernando Vidal, "Mata Ciliar", In Manual Prático da Promotoria de Justiça do Meio: São Paulo, IMESP, 1999, pg. 173), e, como bem definiu o citado doutrinador, "estas formações vegetais variam florística e estruturalmente e podem ser distinguidas dentro e fora do nossa território pela influências das ceias, a flutuação do lençol freático, do solo, umidade", sendo conhecida por vários sinônimos: "mata ripárias, floresta de galera, mata de fecho e anteparo, mata aluvial, floresta paludosa, florestas inundadas e veredas", tendo esse autor lembrado o ensinamento de outro (Waldir Mantovani) na utilização dos termos técnicos: "florestas de beira-rio, floresta de borda, floresta justa fluvial, floresta marginal, floresta ribeirinha e ripicola" (cf. Mautovani, Waldir, "Conceituação e Fatores Condiciantes", ao Simpósio sobre Mata Ciliar - Anais, Carapinas: Fundação Cargil, 1989), motivo pelo qual a definição de "floresta" é ampliada para abranger a denominada mata ciliar, narrada pelos fatos descritos na peça acusatória.

Este o entendimento do coonceituado Professor Paulo Affonso Leme Machado, em sua magnífica obra "Direito Ambiental Brasileiro" ao abordar o complexo tema destaca que: "Na definição legal de florestas de preservação estão abrangidas não só as florestas como as demais forma de vegetação nativa, primitiva ou vegetação existente sem a intervenção do homem." (cf. Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 8ª edição, 2000, pg. 684).

Finalmente, devemos destacar que a melhor visão do direito sobre o tema da proteção das florestas e demais formas de vegetação, incluindo a mata ripária ou ciliar, objeto do presente processo, abrange o critério da função social da propriedade privada consoante a regra principiológica prevista no artigo 5°, item XXIII, e nos artigos 170, inciso III e 186 da Constituição Federal, motivo peio qual a persecução penal continua a ser bem vinda na proteção dos cursos d'água e demais áreas de proteção ambiental.

Pelo exposto, conheço do habeas corpus e denego a ordem.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores PEDRO GAGLIARDI (Relator Sorteado) e BARBOSA PEREIRA, com votos vencedores.

São Paulo, 14 de dezembro de 2000.

DEBATIN CARDOSO

Presidente e Relator Designado

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