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PODER
JUDICIÁRIO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. SEXTA CÂMARA
CRIMINAL. HABEAS CORPUS N° 331.694-316, VARA DISTRITAL DE PILAR DO SUL -
COMARCA DE PIEDADE. RELATOR: DESEMBARGADOR DEBATIN CARDOSO.
Habeas
Corpus - Ação penal - Trancamento em razão da ocorrência de abolitio
criminis de um dos tipos penais narrados - Conduta do agente descrito na denúncia
que pode ser enquadrada em outros dois tipos de Lei Penal Ambiental -
Necessidade de aguardar-se o desfecho do processo, para que o magistrado possa
aferir a procedência ou não da acusação formulada na peça exordial - Ordem
denegada.
ACÓRDÃO
Vistos,
relatados e discutidos estes autos de HABEAS CORPUS n° 331.694-316, da Vara
Distrital de Pilar do Sul, Comarca de Piedade, em que são impetrantes os Bacharéis
DANIEL ISÍDIO DE ALMEIDA e DANIEL ISÍDIO DE ALMEIDA JÚNIOR, sendo paciente
CLAUDINEI JOSÉ PEREIRA,
ACORDAM,
em Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, por votarão unânime,
denegar a ordem.
RELATÓRIO
Cuida-se
de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado pelos advogados Daniel Isídio
de Almeida e Daniel Isídio de Almeida Júnior, em favor de Claudinei José
Pereira, alegando constrangimento ilegal por parte da MM. Juíza de Direito da
Vara Distrital de Pilar do Sul, que deferiu o prosseguimento de ação penal
instaurada contra o paciente por crime ambiental.
Sustenta
o impetrante que, com o advento da Lei 9.985/00, o artigo 40 da Lei Ambiental
(Lei n° 9.645/98) foi alterado, deixando de considerar fato típico a conduta
imputada ao paciente (abolitio criminis). Pede o trancamento da ação penal por
falta de justa causa e a extinção da punibilidade do paciente.
Instruíram
a inicial os documentos de fls. 02/91.
A
liminar foi indeferida (fls. 95).
A
autoridade apontada como prestou informações (fls. 98/100), também
acompanhada de documentos (fls. 101/114).
A
douta Procuradoria opinou pela denegação da ordem.
É
o relatório.
VOTO
Conheço
do habeas corpus e denego a ordem. Primeiramente, importante que se defina a
competência deste writ para este Tribunal de Justiça julgar os crimes
ambientais praticados contra a flora, em virtude do advento da Lei nº 9.605, de
12 de fevereiro de 1998, conforme já se escreveu na doutrina especializada,
verbis:
"Os
crimes contra a flora são, em princípio, da competência da Justiça Estadual.
Outrora, o Tribunal Federal de Recursos entendia que a competência era da Justiça
dos Estados. Mas a justificativa era apenas a de que a fiscalização cabia ao
órgão federal, à época o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal -
IBDF. Com a entrada em vigor da Carta Magna de 1988, as contravenções passaram
a ser da competência da Justiça Estadual. Agora, com a Lei 9.605, de
12.02.1998, renova-se a discussão, uma ver que várias condutas tomaram-se
crimes. Em realidade, nada há que justifique a competência federal, exceto se
o delito foi praticado em detrimento de bem da União, ou seja, a uma unidade de
conservação federal. Aí incide a regra geral do art. 109, inc. IV, da
Constituição Federal. Por exemplo, se o infrator corta árvores
clandestinamente do Parque Nacional de Itatiaia, incorrendo no delito previsto
no art. 38 da Lei 9.605, de 1998, a competência será da Justiça Feral. Porém,
se ele pratica a mesma ação contra árvores pertencentes a particulares (Código
Civil, arts. 43 e 528), ao Estado ou a um Município, razão não há para a
competência ser da Justiça Federal: a uma, porque as árvores não pertencem
à União Federal; a outra, porque a fiscalização não é mais privativa do órgão
federal, mas comum aos órgãos ambientais estaduais ou municipais (CF, art. 23,
incs. VI e VII)." (FREITAS, WLADIMIR PASSOS DE e FREITAS, GILBERTO PASSOS
DE, Crimes Contra a Natureza, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, 6ª ed.,
pg. 56 e 57).
Isto
ê necessário, para que não se invoque no futuro, como conseqüência natural
desta r. decisão, a incompetência desta col. Turma julgadora.
Conhecido
o writ, a melhor solução é, ao meu ver, o seu indeferimento, pois em que pese
a aprovação da lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000 - que ao regulamentar o
artigo 225, parágrafo 1°, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal
(institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza), acabou
por mitigar a aplicação do artigo 40, e seus parágrafos da Lei n° 9.605 de
12 de fevereiro de 1998, em face do veto presidencial -, a denúncia acostada
aos autos descreve claramente condutas criminosas praticadas, em tese, pelo ora
paciente, sendo por isso prematuro, nesta via estreita, o truncamento da ação
penal pela ocorrência do abolitio criminis de um dos tipos penais descritos.
Assim,
mesmo com a vigência dessa nova legislação, a qual, em face do veto
presidencial, acabou por realmente determinar que o artigo 40, e seus dois parágrafos,
ficassem sem a devida penalização, pois a sanção penal aplicada à espécie
encontrava-se no caput da primitiva redação (Lei nº 9.605/98), continua a área
degrada a ser protegida pelo nosso sistema de Proteção Ambiental, em que pese
entendimentos contrários citado pelo próprio impetrante (vide posição do Dr.
Luiz Flávio Gomes no artigo "Reservas pedem proteção ambiental",
coletado no site direitocriminal.com.br), pois numa simples interpretarão do
artigo 2°, letra 'a', item 1 da Lei n° 4.771/65, combinado com o artigo 18,
caput da Lei n° 6. 938/81, continua existindo a proteção e preservação
permanente de qualquer forma de vegetação natural situada na faixa rnarginal
dos cursos d'água, objeto da referida persecução penal.
Em
demasia, em face da importância deste julgado, e, para que não fiquemos
somente adstritos a uma interpretação restritiva da legislação ambiental, é
importante que se invoque um dos princípios básicos do nosso sistema
processual penal, que é o princípio jura novit curia, ou seja, nas palavras de
Mirabete: "o princípio de livre dicção do direito - o juiz conhece o
direito, o juiz cuida do direito" (cf. Código de Processo Penal
Interpretado, São Paulo: Atlas, 4ªedição, 1996, pg. 442), pelo qual vale a
regra do narra-me o fato e te darei o direito -, que significa que o réu não
se defende da capitulação fornecida ao crime na denúncia, mas sim da sua
descrição fática.
Ora,
isto cai como luva no presente caso, pois o Dr. Promotor de Justiça descreveu
na peça acusatória que o paciente, "em quatro locais próximos e
distintos, no interior do referido imóvel rural, causou dano indireto a Unidade
de Conservação, suprimindo com inundação vegetação rasteira (gramíneas) e
vegetação típica de área encharcada (taboa), que estavam dentro da faixa
marginal com trinta metros de largura, localizada ao longo do curso d'água ali
existente", além de narrar que "efetuou, num determinado local, o
barramento de um curso d'água ali existente", e "formou quatro
espelhos d'água (açudes), tendo a inundação que os formou ocasionando a
supressão das vegetações existentes na faixa marginal do referido curso d'água"
(fls. 101/102).
Portanto,
a conduta do agente descrita da denúncia, pode ser enquadrada em dois outros
tipos da Lei Penal Ambiental (Lei n° 9.605/98), aqueles previstos nos artigos
38 (fornecendo uma interpretação ampliativa do termo "floresta") e o
do artigo 48 da referida legislarão, pois como bem definiu o técnico pericial
signatário do "Laudo de Dano Ambiental" do Departamento Estadual de
Proteção de Recursos Naturais: "as páreas afetadas, em sua maioria não
são passíveis de recuperação, pelo fato, das áreas terem sido parcialmente
escavadas e totalmente inundadas (espelho d´água - açude). Em caso de
barramento entendemos que deve-se propor por medida de compensação ambiental,
através do plantio de essências nativas em área equivalente à degradada,
devendo estas áreas serem no entorno dos açudes formados" (fls. 34), além
de explicar, nesse mesmo laudo, a necessidade da plantação de 1.750 mudas de
espécies arbóreas nativas da região para mitigar o dano ambiental causado, e,
também, recomendar que 20% da área total da propriedade seja averbada como
reserva legal no Cartório de Registro de Imóveis, conforme determina o artigo
16 da Lei N° 4.771/65 (fls. 34/45).
Neste
aspecto, entenda-se, como mata ciliar aquela que margeia e recobre o rio,
riacho, córrego, lago, represa ou os chamados olhos d'água, e, por isso
funciona como um controlador de uma bacia hidrográfica (cf. Sousa, José
Fernando Vidal, "Mata Ciliar", In Manual Prático da Promotoria de
Justiça do Meio: São Paulo, IMESP, 1999, pg. 173), e, como bem definiu o
citado doutrinador, "estas formações vegetais variam florística e
estruturalmente e podem ser distinguidas dentro e fora do nossa território pela
influências das ceias, a flutuação do lençol freático, do solo,
umidade", sendo conhecida por vários sinônimos: "mata ripárias,
floresta de galera, mata de fecho e anteparo, mata aluvial, floresta paludosa,
florestas inundadas e veredas", tendo esse autor lembrado o ensinamento de
outro (Waldir Mantovani) na utilização dos termos técnicos: "florestas
de beira-rio, floresta de borda, floresta justa fluvial, floresta marginal,
floresta ribeirinha e ripicola" (cf. Mautovani, Waldir, "Conceituação
e Fatores Condiciantes", ao Simpósio sobre Mata Ciliar - Anais, Carapinas:
Fundação Cargil, 1989), motivo pelo qual a definição de "floresta"
é ampliada para abranger a denominada mata ciliar, narrada pelos fatos
descritos na peça acusatória.
Este
o entendimento do coonceituado Professor Paulo Affonso Leme Machado, em sua magnífica
obra "Direito Ambiental Brasileiro" ao abordar o complexo tema destaca
que: "Na definição legal de florestas de preservação estão abrangidas
não só as florestas como as demais forma de vegetação nativa, primitiva ou
vegetação existente sem a intervenção do homem." (cf. Direito Ambiental
Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 8ª edição, 2000, pg. 684).
Finalmente,
devemos destacar que a melhor visão do direito sobre o tema da proteção das
florestas e demais formas de vegetação, incluindo a mata ripária ou ciliar,
objeto do presente processo, abrange o critério da função social da
propriedade privada consoante a regra principiológica prevista no artigo 5°,
item XXIII, e nos artigos 170, inciso III e 186 da Constituição Federal,
motivo peio qual a persecução penal continua a ser bem vinda na proteção dos
cursos d'água e demais áreas de proteção ambiental.
Pelo
exposto, conheço do habeas corpus e denego a ordem.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores PEDRO GAGLIARDI (Relator Sorteado) e BARBOSA PEREIRA, com votos vencedores.
São
Paulo, 14 de dezembro de 2000.
DEBATIN
CARDOSO
Presidente e Relator Designado
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