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Decisões: Sentença que aplica Lei 9964/00 (REFIS) para caso com denúncia já recebida.

As opiniões expressas nos artigos publicados responsabilizam apenas seus autores e não representam, necessariamente, a opinião deste Instituto

8ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo

1ª Vara Federal de Bauru

Autos nº 96.1302124-8

Ação penal pública

Autor: Ministério Público Federal

Réus : C.F.M.

          M.F.M.

          C.F.M.

          J.R.F.

          S.C.R.

          N.I.F.

          A.M.

          P.E.T.

 

Vistos etc.

Os réus acima nominados, por intermédio dos respectivos defensores, alegando que a empresa Acumuladores Ajax Ltda., referida na denúncia, aderiu ao programa REFIS, pedem os benefícios penais previstos pela lei de regência.

O pleito foi apresentado, inicialmente, na audiência de 13 de julho de 2000, tendo sido indeferido, essencialmente, em razão da falta de comprovação idônea da alegação de adesão ao programa (r 1.280).

Na audiência de 8 de maio de 2001 (r 1.475), os defensores juntaram novos documentos (r 1.480 a 1.484) e, reiterando o pedido anterior, pugnaram pela declaração de extinção da punibilidade.

O Ministério Público Federal, por seu turno, sustenta não ser caso de deferir-se o pedido da defesa. O Parquet afirma que a Lei 9.964/2000 é clara ao dispor que o benefício da suspensão da pretensão punitiva s6 se aplica se a adesão ao REFIS tiver ocorrido antes do recebimento da denúncia, o que não é o caso dos autos.

É o relatório. Decido.

No dia 13 de julho de 2000, em audiência, a defesa dos réus formulou o seguinte pedido:

"(... ) MM. Juiz, tendo em vista o artigo 2º do Código Penal Brasileiro em vigor, onde explicita 'ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.' '§ único. A lei posterior que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenat6ria transitada em julgado' (textual). Diante desse fato, a lei do REFIS, editada posteriormente, veio a beneficiar a empresa da qual os acusados parte eram sócios e parte são sócios, de forma que fizeram a opção por este benefício e foi aceito conforme documento juntado neste ato pela Receita Federal, motivo pelo qual  respeitosamente requerem, após a digna manifestação do representante da Procuradoria da Justiça, o seguinte: 1- que seja suspensa a presente audiência, bem como o presente processo. A audiência pelo fato de que parte das testemunhas não foram intimadas e de qualquer forma esta seria cindida. O processo em razão da nova lei, que prevê a suspensão da prescrição sem qualquer prejuízo para a boa e correta aplicação da lei penal. 2- que seja reconhecido os benefícios do REFIS em favor da empresa e como conseqüência para todos os acusados, inicialmente suspendendo o andamento do presente feito criminal, e a final reconhecida a extinção da punibilidade pelo cumprimento do acordo feito nos termos da lei nova, (art. 107, III, CP). Nada mais." (r 1.280 e 1. 280-verso)

De forma alinhada, foram os seguintes os pedidos da defesa dos réus:

a) suspensão da audiência;

b) suspensão do processo, sem contagem do prazo prescricional;

c) declaração de extinção da punibilidade, como decorrência do cumprimento do parcelamento concedido por conta da adesão ao Programa REFIS.

O primeiro pedido foi apreciado na própria audiência, nada mais havendo a ser decidido.

Quanto aos demais, cumpre, de início, transcrever o art. 15 da Lei nº 9.964/2000:

" Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1° e 20 da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.

§ 1° A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

..............................................

§ 3° Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal."

Por meio dessa norma, ficou concedido, a quem aderisse ao Programa de Recuperação Fiscal, um beneficio de ordem penal, qual seja a extinção da punibilidade, a ser declarada após o pagamento integral dos débitos parcelados, ficando, nesse ínterim, suspensos a pretensão punitiva e o curso do prazo prescricional.

Não se ignora que, para a produção de tais efeitos, a lei exige a inclusão no Programa REFIS antes do recebimento da denúncia. Nos presentes autos, a denúncia foi recebida em 17 de junho de 1997 (f 199), enquanto a adesão ao Programa ocorreu em 27 de abril de 2000 (f 1.480), de modo que, em princípio, não seria possível conferir aos réus o beneficio legal.

Ocorre, porém, que a edição da lei mais benéfica retroage no tempo, ex vi do art. 5°, XL, da Constituição Federal de 1988 e do art. 20, parágrafo único, do Código Penal.

Poder-se-ia, até, questionar se de fato a lei nova é benéfica, uma vez que, a par de suspender a pretensão punitiva, ela paralisa também O curso do prazo prescricional, o que sem dúvida alguma constitui um gravame.

Examinados, em conjunto, o caput e o § 1° do art. 15 da Lei n. 9.964/2000, conclui-se que eles acabam mesmo traduzindo um benefício para o agente penal.

Com efeito, apesar de estabelecer a suspensão do prazo prescricional, a lei possibilita, no § 3° do mesmo artigo, a declaração de extinção da punibilidade.

A propósito do tema, o Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região assentou o seguinte:

" Penal. Processual penal. Habeas corpus. (...) REFIS. Lei nº 9.964/2000, artigo 15. (...)

1. A interrupção da fluência do lapso prescricional, previsão do § 1° do artigo 15 da Lei do REFIS, insularmente analisada, estampa verdadeira afronta a direito constitucional fundamental do cidadão, inserido no rol do artigo 5° da Magna Carta, inciso XL. Esse foi meu primeiro entendimento acerca da matéria relativa ao REFIS (Lei n. 9.964/2000), especialmente no que tange ao artigo 15 e seu parágrafo primeiro. Por tal motivo, poder-se-ia afirmar ser essa disposição legal nati morta, visto que inexistente campo fértil à irradiação de seus jurídicos efeitos.

2. Nada obstante, tenho concentrado esforço para delinear a materialização da incidência da Lei em questão. O principal argumento, segundo penso, diz com a previsão do § 3° da Lei n. 9.964/2000. Ocorre que, diferentemente, do disposto no artigo 366 da Lei Penal Adjetiva, o artigo 15 da Lei do REFIS (conjugadas as previsões do caput, §§ 1° e 3º) tem o condão de gerar a extinção da punibilidade do réu. Tal benese nao é, contudo, objeto do artigo 366 do C6digo de Processo Penal (Lei n. 9.271/96), que apenas assegura ao Estado, a manutenção de seu jus puniendi.

3. Revisado o posicionamento inicialmente adotado, tenho que a globalidade das disposições do art. 15 da Lei do REFIS, em que pese sua natureza mista, apresenta benefício ao réu (futura possibilidade da extinção da punibilidade, caso cumprida a avença com a Fazenda), distintamente do disposto no artigo 366 (redação pela Lei n. 9.271/96), mero assegurador do exercício da pretensão punitiva estatal, em tempo futuro.

4. Atenta, pois, às regras de hemenêutica, mormente da interpretação teleológica, da necessidade da interpretação das leis conforme a Constituição e, também, da moderna vis ao da Ciência Penal, creio ser a novel conclusão hábil a permitir a incidência do artigo 15 da Lei do REFIS, sem arranhar a previsão do inciso x L do artigo 5° da Magna Carta.

................................................."

(Ac. unân. da 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no habeas corpus 2406, reg. 2000.04.01. 105641-1-RS, rel. Juíza Tânia Terezinha Cardoso Escobar, j em 14.9.2000, DJU de 17.1.2001, p. 176) (sem grifos no original).

Essa questão, contudo, perde relevo no caso concreto destes autos, uma vez que todos os réus, por meio de seus ilustres defensores, formularam o pedido, presumindo-se que, na avaliação deles, é melhor a suspensão da pretensão punitiva e do prazo prescricional, com a possibilidade de extinção da punibilidade a final, do que a continuidade do feito.

A manifestação do réu, em hip6teses como estas, possui importância reconhecida pela doutrina. Em artigo ainda inédito, o Juiz Federal Marcello Ferreira de Souza Granado, da 78 Vara Criminal do Rio de Janeiro, anota o seguinte:

" O brilhantismo de Hungria não poderia deixar escapar à análise os 'casos duvidosos': 'Nos casos de irredutível dúvida sobre qual seja a lei mais favorável, deve ser aplicada a lei nova somente aos casos ainda não julgados. Os Códigos mexicano de 1871 e espanhol de 1928 dispunham que 'en caso de duda sobre la ley más favorable deberá ser oido el reo'. Tal solução já fora proposta por Zachariae, e modemamente a defendem Dorado e Cuello Calón, como a mais racional, pois 'ninguém melhor que o réu para conhecer as disposições que lhe são mais benéficas'. A jurisprudência norte-americana admite esse critério de decisão e perante o nosso Código não há razão para recusá-lo."

Assim, restando definido que a regra do art. 15 da Lê 9.964/2000 é mais benéfica aos réus, conclui-se que ela comporta aplicação retroativa.

Quando formulado o pedido pela primeira vez (f. 1.280), este Juízo não o acolheu de pronto, consignando que o critério do recebimento da denúncia como marco divisor de situações penais lá foi utilizado outras vezes pelo legislador e também pela jurisprudência, podendo ser citados como exemplos o artigo 16 do Código Penal e a súmula 554 do Supremo Tribunal Federal" (f. 1.280-verso).

Naquela ocasião, todavia, ficou ressalvado que merecia melhor reflexão a possibilidade de aplicar-se o benefício ao caso dos autos, considerando que a lei benéfica sobreveio ao recebimento da denúncia.

De fato, a hipótese vertente guarda essa peculiaridade em relação aos exemplos supracitados, justificando tratamento diferenciado. É que não se pode comparar a norma que preexiste ao recebimento da denúncia -e, com isso, permite ao agente do delito optar entre duas alternativas -com a que sobrevém à instauração da ação penal. Quando a norma é anterior, o agente pode: a) praticar, antes do recebimento da denúncia, a conduta prevista pelo legislador, fazendo jus ao beneficio; ou b) omitir-se de praticá-la e, destarte, suportar o ônus do processo.

É importante ressaltar que normas desse tipo são instituídas como estímulo ao agente, para que pratique determinada conduta e, com isso, obtenha um benefício penal. Não tem, ao revés, qualquer sentido conceber um critério que, em essência, seja absolutamente aleatório e acabe, conforme o caso, constituindo, para o réu, uma felicidade ou uma fatalidade.

Os réus deste processo não tiveram a oportunidade de aderir ao REFIS antes do recebimento da denúncia, simplesmente porque, repita-se, a lei benéfica sobreveio à instauração da ação penal. Se, por qualquer motivo, não tivesse havido, ainda, este fato processual, os réus fariam jus ao benefício mediante a adesão ao Programa. Não é razoável, destarte, que fiquem impedidos de exercer tal direito pelo infortúnio de terem tido a denúncia recebida antes da edição da regra.

A retroação da lei não pode ficar subordinada a um fato para o qual o réu não concorreu de qualquer modo. In casu, os réus não puderam aderir ao REFIS antes do recebimento da denúncia porque não existia a previsão legal. Na primeira oportunidade que tiveram, os atuais administradores da empresa solicitaram e obtiveram a inclusão no aludido programa.

De outra parte, acrescente-se que negar aos réus o acesso ao benefício significaria permitir que outras pessoas, em igual situação pudessem alcançá-lo, pelo simples fato de não haver, em relação a estas, denúncia recebida.

Imagine-se, por exemplo, que, por dificultar as investigações policiais e fiscais, determinado empresário ainda não tenha sido denunciado criminalmente. Tal pessoa restaria beneficiada, diferentemente daquela que, na mesma situação, colaborasse com as investigações ou a elas não opusesse qualquer resistência e, com isso, fosse denunciada antes.

Por ai se percebe, sem qualquer dificuldade, que a aplicação da lei afrontaria, em concreto, o principio constitucional da isonomia.

Ao contrário, se for concedido o benefício aos réus deste feito, estar-se-á conferindo ao texto legal interpretação e aplicação conforme a Constituição.

Desse modo, não é possível subtrair dos réus o benefício.

Observe-se, por derradeiro, que, quanto aos termos da suspensão da pretensão punitiva e da prescrição, há de ser considerada a data de inclusão da empresa no REFIS, conforme previsão expressa do art. 15, caput, da Lei n. 9.964/2000.

Tratando desse tema, o já referido Juiz Federal Marcello Ferreira de Souza Granado afirma:

" Como se pode ver, nos dispositivos legais citados, a inclusão da pessoa jurídica no REFIS se dá com a opção. A homologação é mero ato dedarat6rio do atendimento dos requisitos legais e, na dicção do art. 10 supra transcrito, produz efeitos a partir da data da formalização da opção. Tem eficácia ex tunc, retroage à data da opção. Portanto, naquela data, já estaria suspensa a pretensão punitiva do estado."

Ante o exposto, declaro, em relação a todos os réus, suspensos a pretensão punitiva estatal e o curso do prazo prescricional desde 27 de abril de 2000 (r 1.480). Integralizado o pagamento do débito e realizada prova a respeito, qualquer dos réus poderá provocar o Poder Judiciário a declarar extinta a punibilidade, nos termos do § JO do art. 15 da Lei n. 9.964/2000. Excluída a empresa, por qualquer motivo, do Programa REFIS, cessará a suspensão, retomando-se o curso do processo e do prazo prescricional.

Oficie-se ao Delegado da Receita Federal em Bauru, solicitando-lhe que comunique a este Juízo eventual exclusão da empresa do aludido Programa, tão logo ela ocorra.

Fica, destarte, prejudicada a inquirição da testemunha Alessandra Maria Bento Martins, prevista para o próximo dia 24. Recolha-se o mandado de intimação, independentemente de cumprimento.

Solicite-se a devolução da carta precatória de f. 1.460/1.461, também independentemente de cumprimento.

Intimem-se.

Bauru, 14 de maio de 2001



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