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Decisões: Descaminho. Princípio da insignificância. Valor de R$ 5000,00. Reconhecimento do princípio.

As opiniões expressas nos artigos publicados responsabilizam apenas seus autores e não representam, necessariamente, a opinião deste Instituto

TACRIM 11

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SANTA CATARINA

 

EXMO. SR. DR. JUIZ DA VARA FEDERAL DE JOAÇABA/SC

 

Processo nº 2000.72.03.000862-7

Autor: Justiça Pública

Réu: S.V.

 

 

PEDIDO DE ARQUIVAMENTO

 

MM. Juiz.

 

Narra o presente feito que, em trabalho, Policiais Militares no dia 11.06.00, receberam denúncia anônima que o condutor do veículo Ford Corcel II placas LYT, de cor branca, encontrava-se vendendo cigarros oriundo do Paraguai. Em ação de vigilância foi abordado o Sr. S.V., apreendendo junto dele mercadoria estrangeira desprovida de documentação legal de importação.

 

Os bens apreendidos encontram-se descritos no Auto de Exibição e Apreensão e no auto de Avaliação (fls. 14 e 17), perfazendo a quantia de R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais).

 

Ocorre que, embora tal conduta esteja prevista em lei, não se verificou grave lesão ao bem jurídico tutelado; e a tipicidade, sabemos, não se esgota no juízo lógico-formal de subsunção do fato ao tipo legal do crime, mas compreende necessária ofensividade ao bem protegido.

 

A tipicidade ,vista sob o ponto de vista formal, mera correspondência entra uma conduta e o tipo legal, não satisfaz a moderna tendência de reduzir a área de influência do Direito Penal, por se revelar ineficiente como meio de controle social. Ademais, não deve o já atravancado aparelho punitivo do Estado ocupar-se com lesões econômicas insignificantes e sem adequação social, que, em essência, não atentam contra o bem jurídico tutelado por aquele ramo do Direito. Neste diapasão é o mais recente entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

 

"PENAL. DESCAMINHO. CP, AR7: 334. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. É correta a decisão judicial que rejeita a denúncia por crime de descaminho, quando o valor das mercadoria é inferior a R$ 2.150,00 (dois mil, cento e cinqüenta reais), pois o imposto de importação seria no valor de R$ 1.000,00 (50% da diferença superior ao limite permitido) e, em tal hipótese, a Fazenda Nacional não executa a dívida ativa (Lei nº 9.649/97, art. 1º. Se o Estado não tem interesse na cobranças do crédito, com maior razão não pode ter na imputação criminal, fato este que leva à conclusão de que a conduta é penalmente insignificante". (TRF 4ª Região, AC nº 1998.04.0l.062228-0/SC, Rel. Juiz Vladimir Freitas, 1ª T, in DJU de 19/05/99, pg. 526).

 

Diante do exposto, o Ministério Público federal, por seu agente signatário, requer o arquivamento deste feito, em face de os fatos nele narrados não interessarem à seara penal, bem como a sua devida baixa na distribuição deste e. Juízo Federal.

 

Joaçaba (SC), 12 de julho de 2000.

 

SÔNIA CRISTINA NICHE

Procurador da República

 

 

Circunscrição Judiciária de Joaçaba

Vara Federal de Joaçaba

Comunicação de Prisão em Flagrante nº 2000.72.03.000862- 7

Autora: Justiça Pública

Réu(s): S.V.

 

DECISÃO

 

Vistos, etc.

Cuida-se de prisão em flagrante delito efetuada por agentes da Polícia Militar de Caçador/SC, em data de 12/06/2000, os quais apreenderam em poder do acusado S.V., mercadorias de procedência estrangeira, introduzi das no país irregularmente, no valor global de R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais).

 

Na promoção de fls. 30/31 o Ministério Público Federal requereu o arquivamento destes autos, alegando que o prejuízo acarretado aos cofres públicos ostenta pequena relevância, não se vislumbrando justa causa para a instauração da ação penal.

 

Vieram conclusos.

 

O Auto de Avaliação das mercadorias apreendidas elaborado pela Delegacia de Polícia da Comarca de Caçador/SC (fl. 17) consigna que o débito é da monta de R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais). Neste valor não estão incluídos os acessórios legais (juros e multa), os quais, no entanto sequer são objeto do crime.

Há uma tendência na moderna doutrina e na jurisprudência no sentido da aceitação de que o juízo de tipicidade não é meramente formal, ou seja, não se dá pela fria análise da adequação dos fatos em julgamento à norma abstratamente prevista. Mais que isso, exige-se a concorrência de uma tipicidade material, entendida como "ofensa material significativa ou de perigo potencialmente relevante de dano ao bem jurídico". Assim haverá fatos que, embora formalmente adequados ao tipo penal, por sua pequena expressão e pouca lesividade, não chegam a ofender ou colocar em perigo o bem jurídico penalmente tutelado, não podem ser tidos como penalmente típicos, constituindo a chamada criminalidade de bagatela, que não justifica o acionamento do aparelho penal repressor.

 

Esta, em rapidíssimas linhas, a construção do chamado principio da insignificância, também aceito na jurisprudência, inclusive no crime em exame, como se vê da ementa a seguir:

 

"PENAL. DELITO DE NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. INSIGNIFICÂNCIA JURÍDICA. CRIME DE BAGATELA. ABSOLVIÇÃO.

1. Não obstante a adequação fática da conduta ao tipo penal imputado ao agente, constatando-se como irrisório o valor atualizado do débito, bem como, o parcelamento, e integral pagamento, realizado após o recebimento da denúncia, pelo princípio da insignificância jurídica, absolve-se o réu, denunciado por crime de natureza fiscal, contra a administração pública, impondo-se o reconhecimento da bagatela, que pelo desvalor da culpabilidade perante o fato, dispensa a pena. " (TRF da 4ª Região, Ap. Crim. n° 95.04.60590-7, Rei. Juíza ( Tania Escobar, 2ª T., un., DJU 17.12.97 , p. 110.787).

 

Com efeito, em época informada pelo princípio da intervenção mínima em matéria penal, consubstanciado pela criminalização apenas das condutas que ofendem - de forma efetiva - os bens jurídicos mais caros à sociedade; bem como de crise da pena de prisão, não se justifica a condenação pelo delito em exame quando pouco expressivo o valor que não foi recolhido.

 

A dificuldade está em determinar no caso concreto o que pode ser tomado como insignificante. Em se tratando de crimes fiscais, porém, a própria União forneceu um patamar ao determinar a extinção de todo e qualquer crédito do INSS oriundo de contribuições sociais por ele arrecadadas quando o total das inscrições em divida ativa

para um devedor seja inferior a R$ 1.000,00 (mil reais) ou cada lançamento inferior a R$ 500,00 (quinhentos reais). Em ambas as hipóteses, os limites consideram todos os acréscimos e levam em conta os débitos inscritos ou lançados, respectivamente, até 30 de novembro de 1996, tudo nos termos da Lei n° 9.441, de 14 de março de 1997. Ainda que se cuide de norma transitória, de efeitos limitados no tempo, estabelece um rumo que não pode ser ignorado pelo julgador.

Indo mais além, no âmbito do Ministério da Fazenda, a Portaria n° 289/97 (DOU de 04/11/97) autorizava, nos incisos I e II, do seu artigo 1°, " a não inscrição, como Dívida Ativa da União, de débitos para com a Fazenda Nacional de valor consolidado igualou inferior a R$ 1.000 (mil reais) " e " o não ajuizamento das execuções fiscais de débitos para com a Fazenda Nacional de valor consolidado igualou inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais) ". Admitiu, assim, a administração fazendária que seria anti-econômica a cobrança destes valores.

 

Porém, com o advento da Portaria n° 248, de 03 de agosto de 2000 (DOU de 07.08.00), os incisos I e II do artigo 1° da Portaria n° 289/97 foram alterados em relação aos valores que (consignavam, passando a autorizar em sua nova redação "a não inscrição, como Dívida Ativa da União, de débitos para com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 250,00 (duzentos e cinqüenta reais) " e " o não ajuizamento das execuções fiscais de débitos para com a Fazenda Nacional de valor consolidado igualou inferior a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais)".

 

Todavia, em que pese as modificações introduzi das pela Portaria 248/2000, estabelecendo novos valores para a não-inscrição em dívida ativa, ou sua não execução, creio que ela não tem o condão de alterar meu convencimento até então externado.

 

E isso por uma razão bastante singela. O convencimento judicial do que é insignificante não pode ficar ao alvedrio da Fazenda Nacional ou da Administração, pois muitas vezes movidas pelo furor exacional, alteram valores de limites ou de isenções, de acordo com a maior ou menor necessidade de arrecadação.

 

Não podemos esquecer que no crime, estamos diante de pessoas que, antes de serem contribuintes, são seres humanos, e ainda, que os critérios de avaliação das condutas no Direito Penal são bem diversos dos critérios tributários.

 

Assim sendo, mantenho meu entendimento no sentido de considerar como valor insignificante, para fins penal-tributário, todos os inferiores a R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

 

À propósito, já decidiu a Corte Regional Federal da 4ª Região que " Aplica-se o princípio da insignificância, para absolver o réu, se as contribuições previdenciárias que ele deixou de recolher aos cofres , públicos tem valor inferior ao limite anistiado pela Lei 9.441/97." (Ap. Crim. n° 95.04.62455-3/PR, Rel. Juiz José Fernando Jardim de Camargo, 2ª T., un., DJU 21.1.98, p. 337).

 

Diante da argumentação expendida e do valor devido, que é inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), entendo que não há lesividade considerável ao bem jurídico protegido que justifique a persecução criminal contra o acusado, devendo ser afastada a tipicidade da conduta, pelo princípio da insignificância.

 

Isso posto, determino o arquivamento destes autos, sem prejuízo do disposto no artigo 18 do Código de Processo Penal Comunique-se às autoridades policial e fazendária. 

 

Tendo em vista que o acusado pagou fiança (fl. 21 dos autos do Incidente Criminal Diverso n° 2000.72.03.000863-9, em apenso), expeça-se Alvará em favor de S.V. para levantamento do saldo, intimando-o para retirá-lo no prazo de 30 (trinta) dias; e, decorrido o prazo e não retirado o alvará, arquivem-se os autos, observadas as formalidades legais.

 

A Secretaria junte cópia deste despacho nos autos do Incidente Criminal Diverso n° 2000.72.03.000863-9.

 

Dê-se baixa na distribuição e arquivem-se.

 

Joaçaba(SC), 17 de outubro de 2000.

 

Luiz Humberto Escobar Alves

Juiz Federal 

 

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