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Decisão: Habeas Corpus. Crime contra o sistema financeiro. Conduta típica. Inviabilidade de exame aprofundado das provas. Ordem denegada.

As opiniões expressas nos artigos publicados responsabilizam apenas seus autores e não representam, necessariamente, a opinião deste Instituto

Des. Élcio Pinheiro de Castro

HABEAS CORPUS Nº 2001.04.01.071099-5/SC RELATOR: DES. FEDERAL ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO EMENTA HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUTORIA. EXAME APROFUNDADO DE PROVA. INVIABILIDADE. RESSARCIMENTO DO DANO.
1. A conduta descrita na exordial é típica. Ademais, a narração do fato foi precisa, apontando todos os elementos configuradores da atividade criminosa, explicitando-se o necessário a respeito da atuação de cada denunciado. 2. A destinação diversa dos recursos obtidos mediante empréstimo bancário enquadra-se, em tese, na hipótese do art. 20 da Lei nº 7.492/86. 3. Incabível exame detalhado de provas na via estreita do habeas corpus. 4. O eventual ressarcimento do dano antes do recebimento da denúncia não impede a persecução penal, uma vez que o delito em tela se consuma com o ato caracterizador do desvio de finalidade. 5. Ordem denegada. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de outubro de 2001. JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - Cuida-se de habeas corpus, com pretensão liminar, impetrado por J.A.S.D. em favor de SEZINO KUMMER objetivando o trancamento da ação penal nº 99.6001301-4, em trâmite perante o Juízo da 1ª Vara Federal de Chapecó. Segundo se depreende dos autos, o Ministério Público apresentou denúncia em desfavor do paciente e de J.A.M. pela suposta prática do ilícito inscrito no art. 20 da Lei nº 7.492/86, assim narrando o evento em tese delituoso: “No dia 16 de maio de 1996, em horário bancário, junto à agência do Banco do Brasil em Itapiranga/SC, os denunciados, na qualidade de responsáveis pela Cooperativa de Crédito Rural de Itapiranga Ltda. (CREDITAPIRANGA), contrataram empréstimo bancário no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais) para financiamento da aquisição de 4.500 toneladas de calcário, firmando, para tanto a Cédula Rural Pignoratícia nº 96/00707-9 (...). No mesmo dia e local, todavia, em ato contínuo, os denunciados destinaram R$ 149.999,69 à aquisição de Títulos Públicos Federais (100000 LTNs), dando, assim, destinação diversa aos recursos obtidos junto ao Poder Público (...). Assim agindo, os denunciados aplicaram em finalidade diversa da pactuada os recursos do financiamento obtido junto ao Banco do Brasil (...)”. A exordial foi recebida em 25.07.2001, tendo sido marcado o interrogatório dos réus para 04.10.2001. Contra o prosseguimento desse feito, insurge-se a impetrante. Em suas razões, aduz a inépcia da exordial, “pois denunciou de forma equivocada a conduta do paciente, sem levar em consideração o aspecto societário da Cooperativa”. Afirma não ter sido devidamente individualizada a atuação de cada um dos acusados e não estar a referida peça lastreada em mínimo elemento de prova. De outro lado, sustenta que o paciente – Secretário da Cooperativa – não concorreu para a ocorrência do ilícito, pois sua função na entidade sequer permitia a prática da conduta imputada. Assevera, ainda, restar extinta a punibilidade, porquanto os recursos não utilizados foram devolvidos à instituição financeira antes do recebimento da denúncia, inexistindo qualquer prejuízo. Indeferida a medida liminar, a autoridade coatora prestou informações às fls. 224/6. Oficiando no feito, a Procuradoria da República manifestou-se pela denegação da ordem. VOTO JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - A decisão que indeferiu a medida de urgência praticamente esgotou o exame da questão sub judice, razão pela qual, para evitar desnecessária tautologia, tomo a liberdade de reproduzir, na íntegra, seu conteúdo: “Dispõe o art. 20 da Lei nº 7.492/86: Aplicar, em finalidade diversa da prevista em lei ou contrato, recursos provenientes de financiamento concedido por instituição financeira oficial ou por instituição credenciada para repassá-lo: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Em princípio, a prática exposta na denúncia enquadra-se na hipótese do tipo penal em comento. Ademais, a narração do fato é precisa, apontando todos os elementos configuradores da atividade criminosa. Quanto à atuação de cada denunciado, explicitou-se o necessário a respeito, ou seja, o fato de terem sido os subscritores do contrato de financiamento, no qual se dizia expressamente destinar-se o crédito à “aquisição e frete de 4.600 toneladas de calcário, a ser aplicado nas lavouras dos agricultores (...)”. Portanto, nada há a reparar na elaboração da peça acusatória. As alegações da impetrante no ponto demandam revolvimento de prova. Ora, as circunstâncias indicadas pela nobre advogada - especialmente a ausência de destinação expressa da verba obtida no financiamento - constituem a tese defensiva, a qual requer extenso aprofundamento no conjunto probatório. Como é sabido e ressabido, trata-se de análise inviável na via estreita do writ, em que eventual ilegalidade deve ser provada de plano. A oportunidade adequada para esmiuçar-se tais argumentos é justamente a ação penal, razão pela qual afigura-se totalmente impróprio seu precoce trancamento. Nesse sentido, ilustrativo precedente do Colendo STJ: ‘PROCESSO PENAL – CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO – FATO TÍPICO – DENÚNCIA – INÉPCIA - JUSTA CAUSA. - O paciente obteve crédito rural para a aquisição de gado, no valor de 185.000,00 (cento e oitenta e cinco mil reais). No entanto, não adquiriu as referidas reses, aplicando os recursos em finalidade diversa da prevista no contrato. Esta conduta, em tese, é suficiente para caracterizar o delito descrito no art. 20 da Lei nº 7.492/86. - Da cédula de crédito rural, anexada aos autos pelo Recorrente, consta como objeto do financiamento a aquisição de gado bovino para produção de carne. Desta forma, os recursos tinham que ser, necessariamente, aplicados nesta finalidade. (...) Ressalte-se que o crédito agrícola, ou pecuário, obtido por meio de financiamento, é vinculado ao fim determinado na própria cédula rural, o qual, no presente caso, foi a obtenção de 925 cabeças de gado, aquisição esta que não ocorreu. Diante disso, somente com a instrução criminal é que se poderá provar a inocência do acusado. - Também não se constitui em situação autorizadora do trancamento da ação penal, o fato de o inquérito policial não ter se encerrado quando do oferecimento da denúncia. Havendo indícios de autoria e materialidade do delito, pode o Ministério Público apresentar a denúncia, independentemente de inquérito. Nessa linha, encontra-se firme a jurisprudência pretoriana. - A ausência ou não de justa causa para a ação penal é questão a ser decidida após a instrução do feito. Somente quando a inexistência do fato ou a inocência do acusado mostram-se evidentes, sem necessidade do exame e da valoração de provas, é que se permite o trancamento da ação nesta via excepcional, o que, evidentemente, não é o caso. - Assim, comprovada a materialidade do delito, qual seja, a não aquisição do gado, e existindo indícios suficientes de que o paciente é o seu autor, impõe-se o prosseguimento da ação penal a fim de que os fatos sejam devidamente apurados, permitindo-se ao Ministério Público, como titular da ação penal, a comprovação da veracidade da sua imputação. – omissis. - Por tais fundamentos, dou parcial provimento ao recurso (...) prosseguindo o feito quanto ao delito capitulado no art. 20 do mesmo Diploma Legal.’ (RHC nº 10549/MG, Rel. Min. Jorge Scartezzini, Quinta Turma, DJ de 18.06.2001, p. 156) No tocante à alegada extinção da punibilidade, razão não assiste à impetrante. Ainda que restasse comprovado o ressarcimento do dano antes do acolhimento da inicial incoativa, não teria tal circunstância o efeito desejado pela defesa. A teor do que prescreve o art. 16 do Estatuto Repressivo, poderia representar arrependimento posterior, constituindo tão-somente causa especial de diminuição da pena. De qualquer maneira, o fato afirmado precisa ser adequadamente apurado, o que, como se disse, é inviável na via do habeas corpus. A discussão sobre a autoria delitiva também envolve profundo exame de provas, vedado em sede mandamental. O fato de ter a autoridade policial opinado pela inocorrência de crime não vincula o Ministério Público, o qual, convencendo-se da existência do ilícito penal e de indícios de autoria, tem liberdade para oferecer a denúncia. Por fim, a alegação de nulidade do processo por falta de citação dos demais administradores da Cooperativa é totalmente implausível. Figurando no pólo passivo da ação penal o paciente e José Adalberto Michels, deve ocorrer a citação de ambos. Despiciendo exigir que pessoas não relacionadas à lide devam ser citadas para responder ao processo. Da mesma forma, isso não representa violação ao princípio da indivisibilidade. Se o órgão ministerial entende não haver fundamento para a inclusão de outras pessoas na peça incoativa, pode perfeitamente deixar de fazê-lo. Surgindo provas da participação de outrem na empreitada delitiva, é lícito ao Parquet apresentar aditamento à acusação. Insta acrescentar, também, não haver unanimidade quanto à incidência desse postulado na ação penal pública, havendo forte corrente jurisprudencial no sentido oposto. Com essas considerações, indefiro a liminar.” (fls. 220/2). Com efeito, nada há a reparar na elaboração da peça acusatória. Em princípio, a conduta descrita na denúncia enquadra-se na hipótese do mencionado art. 20 da Lei nº 7.492/86, sendo, portanto, típica. Ademais, a narração do fato é precisa, apontando todos os elementos configuradores da atividade criminosa, explicitando-se o necessário a respeito da atuação dos implicados, não sendo exigível a discriminação detalhada da forma de participação de cada um deles. O fato dos demais administradores da Cooperativa não terem sido chamados para responder ao processo evidentemente não configura nulidade. O art. 564, III, e, do CPP diz respeito tão-somente à falta de citação de réu denunciado. In casu, o paciente foi regularmente citado. Se o órgão ministerial, na condição de dominus litis, entendeu não haver fundamento para a inclusão de outras pessoas no pólo passivo da ação penal, isso não representa ofensa ao princípio da indivisibilidade. Surgindo evidências da participação de outrem na empreitada delitiva, é lícito ao Parquet apresentar aditamento à inicial. Por outra parte, os argumentos da impetrante quanto à autoria da infração e ausência de destinação expressa da verba obtida no financiamento demandam exame aprofundado de prova, o que, como é pacífico, se revela incabível na via estreita do habeas-corpus. Improcede igualmente a alegação de estar extinta a punibilidade. Ainda que ficasse comprovado o ressarcimento do dano antes do recebimento da denúncia, a teor do disposto no art. 16 do Código Penal essa circunstância poderia configurar tão-só arrependimento posterior, constituindo causa especial de diminuição da pena, nada obstando a pretensão punitiva. Segundo leciona Rodolfo Tigre Maia a respeito do delito em tela (art. 20, Lei nº 7.492/86): “A consumação, neste crime material, ocorrerá com a realização do ato caracterizador do desvio de finalidade, ainda que não configurado efetivo prejuízo ao ente público financiador.” (in Dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, 1ª edição, Ed. Malheiros, 1999, p. 127) Veja-se, a propósito, julgado do Supremo Tribunal Federal inteiramente aplicável à espécie sub judice: Direito Penal e Processual Penal. Crimes contra o sistema financeiro nacional (artigos 4º, 5º e 10º da Lei n. 7.492, de 16.06.1986)."Habeas corpus". Alegações de: 1) arquivamento do inquerito administrativo do Banco Central, no qual, ademais, não se observou o princípio constitucional do contraditório; 2) falta de notificação para resposta escrita (art. 514 do Código de Processo Penal); 3) falta de justa causa para a ação penal. Alegações repelidas. "H.C." indeferido. 1. Preenchendo a denúncia os requisitos legais, de modo a ensejar ampla defesa, apoiada, ademais, em elementos informativos suficientes, sobre fatos que, em tese, caracterizam condutas típicas, nao é de se reconhecer a falta de justa causa para a ação penal. 2. Não reproduzidas, por inteiro, nos autos de "habeas corpus", as peças em que se apoiou o Ministério Publico, para oferecer a denúncia, reunidas em treze volumes, não se pode concluir, com os documentos trazidos com a impetração, se, no inquérito administrativo, foi, ou não, observado o princípio do contraditório. 3. Bastava, ademais, ao Ministério Publico, para oferecer a denúncia, a existência de "notitia criminis", com os elementos informativos nela contidos, não ficando sua atuacão obstada pelo arquivamento do inquérito administrativo. 4. A alegada reparacão dos prejuízos não elide eventual responsabilidade penal. 5. Não sendo os pacientes funcionários públicos, não precisavam ser notificados para a resposta escrita, no prazo de 15 dias, como previsto no art. 514 do C.P.P. 6. Não admite a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no âmbito estreito do "habeas corpus", o exame antecipado e aprofundado dos elementos informativos em que se baseou a denúncia. Ordem denegada. (HC Nº 70778, 1ª T., Rel. Min. Sidney Sanches, unânime, publicado no DJ em 06.05.94) Ante o exposto, denego a ordem.


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