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Decisão: Apelação. Guarda de moeda falsa. Dolo provado. Inaplicabilidade do princípio da insignificância.

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Juiz Élcio Pinheiro De Castro

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.04.01.107068-7/RS RELATOR: JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO EMENTA PENAL. GUARDA DE MOEDA FALSA. ART. 289, § 1º, CP. CONDUTA TÍPICA. CONHECIMENTO DA INIDONEIDADE. DOLO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DESCABIMENTO.
1. A simples conduta de guardar dinheiro falso encontra-se tipificada no § 1º do art. 289 do Estatuto Repressivo, sendo irrelevante o fato de introduzir-se ou não a moeda em circulação. 2. Autoria e culpabilidade restaram bem demonstradas nos autos ante a confissão do próprio réu sobre a ciência da falsidade, corroborada pelas demais provas coligidas. 3. Inaplicabilidade do princípio da insignificância. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto alegre, 15 de outubro de 2001. JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - O Ministério Público Federal denunciou A.S.G. e N.L.F. pela prática do delito previsto no art. 289, § 1º, do Código Penal. A denúncia, recebida em 22 de junho de 1996, foi lançada nestes termos: “No dia 10 de janeiro de 1996, por volta das 04:00 horas os denunciados foram presos em flagrante por policiais militares (...) por terem introduzido em circulação (Nelcir) e guardado (Antônio) moeda nacional falsa. A prisão se deu em razão de comunicação à Brigada Militar local informando que o condutor do veículo Volkswagen-Kombi, placas ICQ –6806, tinha introduzido em circulação uma nota de cinqüenta reais falsa ao pagar despesas no Posto Texaco, localizado na Av. Osvaldo Aranha, nº 15, em Canela. Localizado o veículo e identificado o meliante Nelcir Luiz Franceschini na Pousada do Viajante,(...) onde estava hospedado, foi ele encaminhado, no seu veículo à Delegacia de Polícia local, onde foi autuado. A proprietária da Pousada informou na ocasião da prisão que Nelcir se fazia acompanhar de Antônio dos Santos Giachini, também hospedado na Pousada. Antônio foi também preso em flagrante e levado à presença da autoridade policial; durante seu deslocamento, ocultou sob o tapete da viatura policial, uma cédula falsa de cinqüenta reais, que tinha em sua guarda, além de um cheque preenchido no valor de cento e vinte reais.” Regularmente instruído o feito, em 31 de maio de 1999 foi publicada sentença condenando os réus a 3 (três) anos de reclusão, restando a pena privativa de liberdade substituída, na forma da Lei 9.714/98, por prestação de serviços à comunidade, além de obrigação pecuniária no montante de 02 (dois) salários mínimos. A multa foi fixada no mínimo legal (10 dias-multa, com valor unitário de 1/30 do salário mínimo). Da sentença condenatória, foram os acusados intimados por edital, apelando somente A.S.G.. Busca o Recorrente sua absolvição, sustentando, em resumo, atipicidade da conduta por ausência de dolo, bem como insignificância do valor da cédula apreendida. Aduz possuir ofício lícito e residência fixa. Com as contra-razões ministeriais subiram os autos. A douta Procuradoria Regional da República com ofício nesta Corte opinou pela manutenção da sentença. É o relatório. À revisão. VOTO JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - Não obstante pretenda ser absolvido, das declarações fornecidas pelo próprio apelante extrai-se a certeza de seu agir doloso. ANTÔNIO guardava uma cédula de R$ 50,00, que sabia inautêntica. No interrogatório judicial, admitiu a posse da moeda e ainda apresentou versão fantasiosa quanto à outra nota passada no posto de gasolina por seu colega NELCIR, também condenado, que não recorreu por se encontrar foragido, deixando de responder à intimação editalícia da sentença condenatória. Este réu noticiou ao Magistrado ter Antônio pago despesa de combustível com R$ 100,00, recebendo de volta R$ 85,00, sendo uma das notas de R$ 50,00. Mais tarde, após o jantar e já alojados na Pousada para pernoite, Nelcir teria saído para comprar cigarros, utilizando-se dos R$ 50,00 recebidos como troco. Ao pagar os cigarros, ninguém referiu nada acerca da falsidade da moeda. Retornou ao hotel para dormir. Duas horas mais tarde foi preso pela polícia militar em seu quarto, por ter passado a mencionada nota. Entretanto, confortando a narrativa da denúncia, o conjunto probatório demonstra que uma cédula de cinqüenta reais inautêntica foi efetivamente utilizada por NELCIR na compra dos cigarros; a segunda, encontrada em poder de ANTÔNIO, conforme Auto de Apreensão à fl. 10. Cuidando-se de recurso exclusivo deste último réu, cabe transcrever a prática criminosa a ele imputada na exordial: “ (...) A proprietária da Pousada informou na ocasião da prisão que Nelcir se fazia acompanhar de Antônio dos Santos Giachini, também hospedado na Pousada. Antônio foi também preso em flagrante e levado à presença da autoridade policial; durante seu deslocamento, ocultou sob o tapete da viatura policial, uma cédula falsa de cinqüenta reais, que tinha em sua guarda, além de um cheque preenchido no valor de cento e vinte reais.” Desde o flagrante, o acusado admitiu o evento narrado na denúncia, apresentando versão fantasiosa sobre a origem das cédulas. Teria recebido a moeda falsa de um desconhecido no posto de gasolina no dia do fato. Seriam duas notas de R$ 50,00, cada acusado ficou com uma. A sua, iria guardar para mostrar aos familiares e amigos. Não tinha intenção de passar adiante. Quanto ao cheque roubado de R$ 120,00, declarou na ocasião, que lhe fora entregue por um caminhoneiro para cobrança, com o que receberia a metade do valor. No interrogatório perante o Magistrado, o apelante inovou a descrição dos fatos, sem contudo desfigurá-los: “Cerca de trinta dias antes da data em que foi preso esteve no Posto da Forqueta, nas proximidades de Farroupilha, oportunidade em que encontrou um amigo de nome Gelson, que estava com um outro vendedor. Este vendedor mostrou ao amigo um nota de R$ 50,00, dizendo que era uma nota falsa; o depoente então pediu para ficar com a nota, já que a mesma estava rasgada, para mostrar a familiares.(...) A cédula foi guardada dentro de um livro de propriedade do depoente. No dia 10 de janeiro de 1996, o depoente, acompanhado de Nelcir, foi abastecer a Kombi de Nelcir no Posto da Forqueta, uma vez que necessitava ir até a cidade de Canela para efetuar trabalho de dedetização, tendo colocado quinze reais de combustível. Recebeu o troco, entre o qual se encontrava uma nota de cinqüenta reais. Chegando à cidade de Canela o depoente e Nelcir jantaram gastando uma parte do troco, tendo restado a nota de R$ 50,00 , a qual o depoente entregou a Nelcir para que comprasse produtos específicos do seu trabalho.(...) O depoente foi dormir assim que chegou na Pousada. O depoente não viu que Nelcir saiu da Pousada, só tomando conhecimento do ocorrido após a prisão. (...) Nessa oportunidade os policiais militares referiram ao depoente que seu colega havia sido preso por passar nota falsa. Ao tomar conhecimento desse fato o depoente, que era sabedor que Nelcir não possuía dinheiro, verificou se não havia sido pega a nota falsa de R$ 50,00 que estava dentro do livro de sua propriedade, percebendo que a nota ainda se encontrava no lugar que havia colocado. Na viatura da polícia quando do deslocamento do hotel até a delegacia, retirou a nota falsa de dentro do livro colocando-a junto com outros papéis que já se encontravam na viatura da polícia.(...) O interrogado não procurou ocultar o cheque que foi encontrado na viatura; acredita que o mesmo tenha caído quando procurou se desfazer da nota falsa. (...)” O comportamento do acusado se mostra bastante revelador. Flagrado pela autoridade e conduzido à Delegacia, escondeu a cédula que possuía no interior da viatura policial. Nas declarações prestadas na fase inquisitorial e em Juízo, Antônio admitiu a posse do dinheiro falso, mas não assumiu a introdução no meio circulante. Isso, contudo, em nada altera sua situação. Para configuração do delito estatuído no art. 289, § 1º do Estatuto Repressivo se exige somente a potencialidade lesiva da contrafação e não a ocorrência de dano efetivo. A modalidade de guarda consuma-se independentemente da introdução da nota em circulação. A simples conduta de “guardar”, tendo o agente ciência da inautenticidade, caracteriza a prática do crime imputado na inicial. Nesse sentido, a seguinte jurisprudência: Moeda falsa – art. 289, § 1º, do CP. Caracterização do dolo pela guarda. Uma vez comprovado o conhecimento de se tratar de moeda falsa, a simples guarda é suficiente à caracterização do crime, sendo irrelevante a introdução de moeda em circulação.” (TRF 3º Reg. – AP.6.031 – Relatora Silvia Steiner, j. 04.02.1997, RTRF/3º Reg. 31/195). O policial militar LUIZ CARLOS DA SILVA DE LIMA, ouvido em Juízo declarou que: “(...) Efetuaram uma revista no suspeito e na mochila. Nada acharam. Depois, no chão da viatura onde ele se encontrava, acharam uma outra nota de R$ 50,00 falsa, e um cheque. Estavam molhados e amassados. Acha que ele deve ter escondido na boca. Posteriormente ficaram sabendo que o cheque era proveniente de um assalto. Eles admitiram que haviam recebido as notas de um rapaz de um posto de gasolina, situado em Forqueta. Disseram que sabiam que eram falsas. Também alegaram que estavam fazendo serviço de imunização em Canela, no entanto, não tinham nenhum equipamento para este fim no veículo (...)” Nesse contexto, cumpre referir que o tal trabalho de dedetização do apelante não restou esclarecido, nem poderia. Uma empresa de imunização com sede na capital do Estado dificilmente prestaria serviço em Canela, através de preposto tão obscuro, que se desloca de sua cidade de domicílio, hospedando-se em uma Pousada na cidade serrana, acompanhado de um amigo e conduzido no veículo deste. Tudo pago pela Dedetizadora REAL. O recibo acostado à fl. 85 revela o custo de R$ 110,00 por uma prestação de serviço (uma dedetização completa). Se fosse verdadeiro o valor e até o recibo em si, a negociação já não resistiria a tantas despesas. Nos custos desta operação, já incluídos R$ 15,00 pela gasolina, ainda não estariam computados o material inseticida, o lucro da empresa e a remuneração de Antônio. Ademais, os fatos delituosos ocorreram em 10 janeiro de 1996 e o recibo parece registrar data futura, 30 de novembro de 1996. De se notar ainda, o modus operandi padrão da criminalidade de falsum, qual seja, a aquisição de mercadorias de pequeno valor, utilizando-se de notas representativas de substância econômica (R$ 100,00 ou R$ 50,00). De regra, os delinqüentes não atuam sozinhos, vem motorizados, elegem estabelecimentos comerciais onde a fuga seja rápida (posto de gasolina, lanchonetes, comércio em geral de beira de estrada etc), operam também em locais de iluminação deficiente, como bares e boates. A toda evidência, o móvel da conduta é o lucro rápido e fácil, representado pelo dinheiro autêntico obtido com o troco. Por derradeiro, não há se falar em atipicidade da conduta. Consoante bem referiu o douto agente ministerial em seu parecer, o delito descrito no art. 289 do Código Penal tutela a fé pública, a confiança e a segurança na circulação monetária, sendo inaplicável na hipótese o princípio da insignificância, ainda que pequeno o valor da moeda apreendida. A propósito, veja-se o Acórdão assim ementado: PENAL. PORTE DE MOEDA FALSA. GROSSEIRA FALSIFICAÇÃO. TEORIA DA INSIGNIFICÂNCIA. 1. Em crime de moeda falsa fica por conta da perícia a qualidade da falsificação. 2. Se grosseira, tem-se entendido que se desclassifica o delito de moeda falsa para estelionato (Súmula nº 73 do STJ). 3. Contrafação de qualidade razoável que enseja a condenação. 4. Descarta-se a teoria da insignificância, quando se tem crime que é repudiado pela sociedade, devido ao alcance do seu potencial ofensivo. 5. Recurso provido. (TRF da 1ª Região, 4ª Turma, ACR 1997.010.00.31934-5, Relatora Juíza Eliana Calmon, publicado no DJU de 23.04.99, p. 275) Em suma, diante desse farto conjunto probatório, não há como acolher as frágeis alegações da defesa, revelando-se de rigor a condenação. Por fim, restando a pena dosada no mínimo legal (três anos de reclusão), bem como determinada sua substituição por sanções restritivas de direitos, nada há a ser modificado na sentença recorrida. Pelo exposto, nego provimento ao apelo.


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