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Decisões: Regressão de regime. Impossibilidade se não houver sentença com trânsito em julgado. Presunção de inocência.

As opiniões expressas nos artigos publicados responsabilizam apenas seus autores e não representam, necessariamente, a opinião deste Instituto

Amilton Bueno de Carvalho

AGRAVO EM EXECUÇÃO. DIREITO PENITENCIÁRIO. REGRESSÃO DE REGIME CARCERÁRIO. PRÁTICA DE FATO DEFINIDO COMO CRIME DOLOSO. AUSENTE SENTENÇA CONDENATÓRIA TRÂNSITA EM JULGADO. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 118, I, DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS. - A regressão de regime fundada na prática de fato definido como crime doloso só é possível após o trânsito em julgado da sentença condenatória respectiva. A Constituição Federal consagrou a presunção de inocência (art. 5°, LVII, da CF), recepcionando o art. 118, I, da LEP, porém condicionando a sua incidência à sobrevinda de decisão penal definitiva.
- À unanimidade, negaram provimento. AGRAVO Nº 70005453048
QUINTA CÂMARA CRIMINAL AGRAVO (ART. 197 LEI 7.210/84) CAXIAS DO SUL
AGRAVANTE:
MINISTÉRIO PÚBLICO
AGRAVADO: A.R.R.R. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao agravo. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, o Desembargador Aramis Nassif e a Desembargadora Genacéia da Silva Alberton. Porto Alegre, 11 de dezembro de 2002. AMILTON BUENO DE CARVALHO
Relator RELATÓRIO
AMILTON BUENO DE CARVALHO (RELATOR)
- Cuida-se de agravo em execução, interposto pelo Ministério Público, atacando decisão do MM. Juiz de Direito da Vara de Execuções Criminais da Comarca de Caxias do Sul, que indeferiu o pedido de regressão cautelar de regime carcerário e aprazamento de audiência para oitiva do apenado, forte na tese de que a regressão de regime, quando fundada na prática de crime doloso, só pode ocorrer após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Sustenta o agravante que o art. 118, I, da LEP torna imperiosa a regressão de regime quando do cometimento do crime doloso, sempre com a antecedente oitiva do apenado para que possa exercer a sua defesa. Requer a cassação da decisão, com a determinação de que seja realizada a audiência prevista no art. 118, § 2°, da LEP, para fins de regressão de regime. Contra-arrazoado o recurso e mantida a decisão em juízo de retratação (fl. 32), vieram os autos a esta Corte. Nesta instância, a Procuradoria de Justiça, pelo Dr. João Batista Marques Tovo, opina pelo provimento do agravo. É o relatório. VOTO AMILTON BUENO DE CARVALHO (RELATOR) - A decisão do precioso colega Sérgio Fusquine Gonçalves não merece qualquer reparo. Ao revés, merece louvor, porque demonstra a inquietude do Juiz de Direito frente à obviedade da lei; a necessidade constante de re-instaurar o sistema jurídico a cada caso concreto; a preocupação em re-justificar a incidência das normas legais; o questionamento das bases do sistema; a desconfiança que deve ter o Magistrado com o até então posto - sempre mais cômodo de ser aplicado -, pois é isto que possibilita a Justiça em seu tempo e a evolução do Direito enquanto ciência. Na suma: a permanente re-legitimação do julgador, como ensina Perfecto Andrés Ibañez. A trilha para o novo deve estar aberta! Eis os escritos do colega, que passam a integrar a fundamentação deste voto: "Cuida-se de pedido de regressão de regime prisional proposto pelo agente do Ministério Público, tendo por estribo a alegada incidência do artigo 118, inciso I, da Lei n° 7.210/84. Pois bem. Saliente-se que, apesar do respeito aos entendimentos contrários, o indigitado dispositivo legal deve ser interpretado em consonância com os preceitos constitucionais (princípio da recepção), visando a que sua vigência, anterior à nova Carta Magna, permaneça dentro dos limites impostos pelas hierarquias das normas. Com base nessa premissa, é de rigor a conclusão no sentido de que a regressão de regime decorrente da prática de fato definido como crime doloso pressupõe o pronunciamento definitivo do juízo competente para a apuração da eventual infração penal, em respeito ao princípio da presunção da inocência insculpido no artigo 5°, inciso LVII, da Constituição Federal. Inclusive, essa foi a orientação adotada, por maioria, no último encontro dos Magistrados com atuação nas Execuções Criminais, realizado no mês de junho de 2002 na Comarca de Bento Gonçalves (conclusão n° 21, publicada no Diário da Justiça de 19-07-2002). No mesmo norte, a simples oitiva do condenado (§ 2° do referido artigo 118) e o eventual deferimento da produção de provas, em procedimento sumário e incidental, não podem ser tidos como suficientes para a correta apuração do evento, na medida em que se estaria ferindo outra garantia constitucional (a da ampla defesa), bem como, em qualquer hipótese, ocorreria um pré-julgamento que, ao cabo, não vincularia o juízo criminal. Em decorrência disso, a aplicação do inciso I do artigo 118 de maneira prévia ao julgamento da ação penal torna possível a incongruente co-existência de uma decisão definitiva de regressão de regime com uma sentença absolutória, sendo ambas relativas ao mesmo caso concreto. Da mesma forma, não se mostra adequado fundamentar a decisão de regressão tendo em consideração as circunstâncias do novo fato praticado, visto que para tanto há instrumento de natureza cautelar (prisão preventiva) que poderá ser manejado na esfera competente, aplicando-se a norma processual de regência e não a Lei de Execuções Penais. Em síntese, tendo em conta que não há sentença condenatória relativa ao novo fato imputado ao apenado, tenho, por ora, como inviável a regressão de seu regime prisional, ressalvada a possibilidade de nova apreciação após o pronunciamento do juízo criminal. Nestes termos, indefiro o pedido de progressão". Nada mais seria preciso dizer. Mas, em atenção ao Parecer do ilustre Procurador de Justiça, João Batista Marques Tovo, que opinou pelo provimento do agravo (pré-questionando a vigência dos artigos 52 e 118, I, da LEP), agrego algo mais. Pois bem. O primeiro argumento defendido pelo Procurador - "Se não é possível aplicar sanção disciplinar por uma transgressão disciplinar que seja concomitantemente infração penal e, via de conseqüência, mais grave - ao menos em tese - como será possível aplicar sanção disciplinar por qualquer outra que não atinja este patamar? A consideração nos obriga a refutar a primeira fórmula: não recepção dos artigos 52 e 118, inciso I, da Lei n° 7.210/84" - é bem sólido. Com efeito, as esferas administrativa e penal devem estar distanciadas. Tanto que o colega singular ressalvou novo exame quando sobrevinda a decisão no processo penal. Então, o apenado poderá enfrentar duas sanções: a administrativa e a judicial. Outrossim - desde meu ponto de vista -, não se cuida de inconstitucionalidade do art. 118, I, da LEP e sim de sua interpretação em conformidade com a Constituição. Explico: o aludido dispositivo preceitua que "A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado: I - praticar fato definido como crime doloso...". À luz do princípio constitucional da presunção de inocência, tem-se que o meio jurídico de provar a prática de crime doloso é a sentença condenatória transitada em julgado e não o simples indiciamento pela autoridade policial ou ofertamento de denúncia pelo Ministério Público. Repito: a duplicidade de sanções (e de exame) permanece íntegra. E não resta descaracterizada a independência entres as esferas administrativa e judicial se uma delas impõe, para o estabelecimento de sanção, o aguardo do resultado na outra esfera. Aliás, o ilustre Procurador apontou que, "embora os juízos das esferas independentes possam eventualmente colidir, caso em que o juízo penal será subordinante, se e quando sobrevier decisão nele" (fl. 37). Aliás, tenho me perguntado se o Juiz da Execução é mais administrador ou mais Juiz. Tenho presente a necessidade de jurisdicionalizar o processo de execução: refiro-me não apenas ao processo (imersão no contraditório e ampla defesa) mas também ao condutor dos atos processuais, que deve assumir a condição plena de Juiz de Direito. Caso contrário seria possível fazer uma Junta Administrativa - como aquelas que julgam recursos fiscais, recursos de trânsito, etc - e tudo estaria resolvido. Mas isso ninguém imagina, claro! A execução penal é assunto sério demais. O segundo argumento do parecerista consiste na tese de que a dependência da solução penal, para a aplicação da sanção administrativa, inviabiliza o exercício do poder administrativo sancionador. Neste particular, não há como discordar. Efetivamente - firmando-se na jurisprudência o entendimento do colega singular - haverá casos em que a sanção administrativa será tão protelada que poderá até restar prejudicada (o apenado pode concluir o cumprimento da pena ou pode angariar novos benefícios superadores da regressão). Bem. Mas isso só quer dizer que o novo "modelo interpretativo" tem problemas práticos - e sempre os terá - e não que o antigo é melhor. Este é o cerne da questão: interpretar a LEP de acordo com a Constituição pode gerar problemas práticos. Sem dúvidas! Mas daí a solução é afastar a Constituição? Tenho que não! A democracia tem custos (Ferrajoli) e este provavelmente é um deles, até que as normas subalternas ganhem nova roupagem. Em suma: entendo que a Constituição Federal impõe a re-leitura do art. 118, I, da LEP, recepcionando-o mas condicionando a regressão de regime pela prática de crime doloso ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Logo - atendendo ao pré-questionamento formulado pelo ilustre Procurador de Justiça -, os arts. 52 e 118, inciso I, da Lei de Execuções Penais estão em plena vigência; estão sendo aplicados, porém com sentido "filtrado" - em linguagem doutrinária, cuida-se de "interpretação conforme a Constituição" (Verfassungskonforme Auslegung). Outrossim, se o cidadão-apenado, ante a prática de novo crime, representa perigo concreto à sociedade - bem lembra o colega singular - a solução está na decretação de prisão preventiva no processo de conhecimento (lá o Juiz, com a riqueza do caso presente, poderá definir a situação com visão globalizada). Finalmente, quero registrar que se impõe neste momento histórico - ante a fúria irracional persecutória que alcança o senso-comum - exigir do Juiz compromisso radical com as garantias constitucionais, apesar do "ranger de dentes" que tal postura provoca.
Eis por que se nega provimento ao agravo.
DESa. GENACÉIA DA SILVA ALBERTON - De acordo.
DES. ARAMIS NASSIF - De acordo. Julgador(a) de 1º Grau: Sergio Fusquine Gonçalves


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