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Decisões: Mandado de segurança. Sigilo do inquérito policial. Não vigoram os princípios do contraditório e da ampla defesa. Segurança denegada.

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Élcio Pinheiro de Castro

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2001.04.01.005056-9/PR RELATOR: JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO EMENTA MANDADO DE SEGURANÇA. INQUÉRITO POLICIAL. SIGILO. ART. 20 - CPP. ACESSO A ADVOGADO. ESTATUTO DA OAB (LEI Nº 8.906/94). ART. 7º, INC. XIV. 1 - Sendo o inquérito policial um dos poucos poderes de autodefesa próprio do Estado no combate ao crime, deve ser assegurado no transcurso do procedimento investigatório o sigilo necessário à elucidação dos fatos (art. 20 - CPP). Nesse escopo, a regra insculpida no inc. XIV do artigo 7º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) que permite o acesso amplo e irrestrito do advogado aos autos do inquérito policial, deve ser interpretada levando em consideração a supremacia do interesse público sobre o privado. Nessa ótica, deve ser restringida a publicidade nos casos em que o sigilo das investigações seja imprescindível para a apuração do ilícito penal e sua autoria, sob pena do procedimento investigatório tornar-se inócuo, em flagrante desatenção aos interesses da segurança social. 2 – Se, nos processos judiciais ou administrativos sob o regime de segredo de justiça, o próprio Estatuto da Ordem estabelece restrições ao princípio da publicidade (art. 7º, § 1º) com muito mais razão elas devem ocorrer na fase apuratória - momento em que se colhem os primeiros elementos a respeito da infração penal. Esse raciocínio é aplicável mormente nos tempos atuais, em que se expande a macrocriminalidade (tráfico ilícito de entorpecentes, crimes contra o sistema financeiro nacional, delitos praticados por organizações criminosas, lavagem de ativos provenientes de crime, etc.). Para combatê-la, o sigilo nas investigações mostra-se vital. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, denegar a segurança, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de outubro de 2001. JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - Cuida-se de mandado de segurança, com pretensão liminar, impetrado por G.R.C.Q. contra ato do ilustre Juiz da 1ª Vara Federal Criminal de Foz do Iguaçu. Segundo se depreende da leitura dos autos, C.C. foi intimado a prestar esclarecimentos nos autos do inquérito nº 98.101.1087-1, que tramita perante a Polícia Federal de Foz do Iguaçu. A fim de tomar conhecimento da questão, outorgou procuração a seus advogados (entre os quais figura GROVER) para que examinassem o caderno indiciário. Destarte, foi apresentada petição à autoridade tida como coatora solicitando, além do manuseio do apuratório, cópias de suas peças. O eminente magistrado Roberto Fernandes Júnior, todavia, indeferiu o pedido. Contra esse ato, foi impetrado este mandamus. Em suas razões, o causídico aduz existir, na presente hipótese, violação a direito líquido e certo (conferido pelo art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/94) já que estava regularmente constituído para representar os interesses de Clodoaldo. Inaceitável, portanto, não ter acesso ao procedimento inquisitorial em debate. Afirma que tal restrição representa ofensa ao direito à ampla defesa de seu cliente. Assevera que a legislação permite ao advogado munido de procuração examinar processos sujeitos a sigilo, os quais podem ser observados pelas partes interessadas. Acrescenta, ainda, que a Carta Magna assegura o direito do cidadão de obter informações perante o Poder Público, que poderá deixar de prestá-las somente em circunstâncias excepcionais. Além disso, declara a Lei Maior ser o advogado indispensável à administração da justiça. A MM. Juíza Relatora Virgínia Scheibe indeferiu a pretensão liminar (fl.46). Contra essa decisão, o impetrante interpôs agravo regimental (fl. 51), ao qual foi negado provimento (fl. 67). Sem informações da autoridade tida como coatora, a douta Procuradoria da República, oficiando no feito, manifestou-se pela denegação da segurança. Redistribuído o feito, vieram os autos ao meu gabinete. É o relatório. À revisão. VOTO JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - Constata-se que o âmago do presente feito centraliza-se em encontrar ponto de equilíbrio entre a necessidade do sigilo nas investigações policiais (art. 20 - CPP) e a inviolabilidade do exercício profissional do advogado em face do Estatuto da Ordem. Esse diploma legal assegura ao defensor o direito de examinar os autos do inquérito, podendo copiar peças e tomar apontamentos (art. 7º, inc. XIV). No exame dessa questão, mister a análise prévia da natureza e das características do inquérito policial. Como é cediço, o procedimento investigatório levado a efeito pela Polícia Judiciária é peça meramente informativa, destinada a investigar o fato típico e a apurar a respectiva autoria. Nos termos do artigo 6º, inc. III, do Código de Processo Penal, logo que tiver conhecimento da prática de infração penal, a autoridade policial deverá colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias. A Polícia Judiciária, que exerce atividade de índole eminentemente administrativa, age em busca de todas as informações necessárias para que o Ministério Público, dominus litis da ação penal pública (art. 129, I, CF/88) ou o ofendido, nos delitos de iniciativa privada, possam ingressar em Juízo visando à aplicação da lei penal. Consoante o disposto no artigo 20 do Estatuto Penal Adjetivo, compete à autoridade policial assegurar, no transcurso do inquérito, o sigilo necessário à elucidação dos fatos. Isso deve ocorrer, também, nos casos em que o exija interesse da sociedade. A própria Constituição dispõe, em seu art. 5º, inc. XXXIII, que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” e que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou do interesse social o exigirem” (art. 5º, inc. LX). Nesse escopo, a regra insculpida no inciso XIV do artigo 7º da Lei nº 8.906/94, que permite o acesso amplo e irrestrito do advogado aos autos do inquérito policial, deve ser interpretada levando em consideração a supremacia do interesse público sobre o privado. Nessa perspectiva, deve ser restringida a publicidade nos casos em que o sigilo das investigações seja imprescindível para a apuração do ilícito penal e sua autoria. Impõe-se considerar que se constitui o procedimento em debate num dos poucos poderes de autodefesa próprio do Estado para repressão do crime. Destina-se a buscar elementos de convicção a respeito da existência da infração penal e de sua autoria, sendo a investigação de natureza sigilosa, salvo em situações excepcionais, como, por exemplo, nas formalidades do auto de prisão em flagrante, na nomeação de curador etc. Em face disso, a defesa, em regra geral, não pode ter acesso amplo e irrestrito ao inquérito, de molde a conhecer as diligências já realizadas e aquelas por realizar. Nessa hipótese, invariavelmente, as infrações que dependam do sigilo dificilmente seriam esclarecidas, podendo ser opostos os mais variados empecilhos para dificultar a elucidação dos fatos. Consoante doutrina FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO (in Código de Processo Penal Comentado, Ed. Saraiva, 4ª edição, 1999, p. 64) “sendo o inquérito policial um conjunto de diligências visando a apurar o fato infringente da norma penal e da respectiva autoria, parece óbvio deva ser cercado do sigilo necessário, sob pena de se tornar uma burla. Não se concebe investigação sem sigilação. Sem o sigilo, muitas e muitas vezes o indiciado procuraria criar obstáculos às investigações, escondendo produtos ou instrumentos do crime, afugentando testemunhas e, até, fugindo à ação policial.” Afora isso, não podemos esquecer que o nosso Código Penal é de 1940 e o Código de Processo Penal é de 1941. Ao longo desses anos houve sensíveis mudanças na seara penal. A complexidade na investigação dos inquéritos policiais e as dificuldades na elucidação dos fatos são cada vez maiores. Passamos da microcriminalidade para a macrocriminalidade, onde, em muitos casos, a discrição nas investigações é vital para o esclarecimento dos fatos. Nesse sentido, cabe mencionar os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes (Lei nº 6.368/76), praticados por organizações criminosas (Lei nº 9.034/95), delitos de ‘lavagem de ativos provenientes de crime’ (Lei nº 9.613/98), contra o sistema financeiro nacional (Lei nº 7.492/86) e contra a ordem tributária (Lei nº 8.137/90). Neste feito, aliás, há suspeitas da prática dos dois últimos ilícitos aludidos. Logo, não resta dúvida de que deve prevalecer o sigilo nas investigações, em obediência à regra da supremacia do interesse público sobre o privado, pois, conforme relatou a ilustre autoridade impetrada, perquire-se “a prática de delitos contra a ordem tributária e contra o sistema financeiro (lavagem de dinheiro e evasão de divisas mediante a utilização de artifícios para ocultamento de identidade dos responsáveis pelas transferências) em que a publicidade do procedimento certamente comprometerá as investigações, frustrando, assim, qualquer expectativa de repressão a eventuais crimes”. Inequivocamente, está-se diante de crimes de extrema gravidade, os quais repercutem negativamente em toda a coletividade, que depende das verbas públicas para as suas atividades essenciais. Reclamam, por conseguinte, investigação ampla e sigilosa. Nesse contexto, a regra inscrita no art. 7º, inc. XIV, da Lei nº 8.906/94 não pode ser aplicada de forma absoluta, devendo ser mitigada quando o interesse social exigir o sigilo na elucidação dos fatos, sob pena de prestigiarmos o delinqüente em detrimento do Estado que, em suma, deve buscar o bem-estar da coletividade. Aliás, o próprio Estatuto da Ordem, em seu artigo 7º, § 1º, faz restrições aos processos sob o regime de segredo de justiça. É verdade que a limitação não alcança o inciso XIV do referido dispositivo, que disciplina especificamente o inquérito policial. Todavia, consoante os fundamentos suso arrolados, deve ser feita interpretação sistemática dos dispositivos atinentes à matéria em comento, adaptando-os aos princípios gerais que norteiam o inquérito policial. Do contrário, o procedimento investigatório tornar-se-ia inócuo, em flagrante desatenção aos interesses da segurança social. Se, nos demais processos judiciais ou administrativos, o princípio da publicidade sofre restrições quando necessário o sigilo, com muito mais razão deve ocorrer na fase em que se colhem as primeiras informações a respeito da infração penal e sua autoria. Poder-se-ia argumentar que o sigilo na primeira fase da persecutio criminis acarretaria cerceamento à defesa do acusado. Entretanto, nessa etapa, em que se buscam os elementos iniciais a respeito do fato delituoso, não vigoram os princípios do contraditório e da ampla defesa que norteiam o processo criminal, dado que sequer há acusação formulada. Isso somente ocorrerá com a propositura da ação penal. Consoante preleciona JÚLIO FABBRINI MIRABETE (in Processo Penal, Atlas, 10ª ed. p. 77) “não é o inquérito ‘processo’, mas procedimento administrativo informativo, destinado a fornecer ao órgão da acusação o mínimo de elementos necessários à propositura da ação penal. A investigação procedida pela autoridade policial não se confunde com a instrução criminal, distinguindo o Código de Processo Penal o ‘inquérito policial’ (arts. 4º a 23) da ‘instrução criminal’ (arts. 394 a 405). Por essa razão, não se aplicam ao inquérito policial os princípios processuais já mencionados, nem mesmo o do contraditório.” Concludentemente, não se cogitando de acusação formal no inquérito policial, não há falar em direito de defesa, inocorrendo, destarte, restrição a algo que nem existe. Diante disso, “os advogados dos indiciados, quando se fizer necessário o sigilo, não podem acompanhar os atos do inquérito policial. Este é mera colheita de provas, mero procedimento informativo sobre o fato infringente da norma e sua autoria. O ius accusationis não se exerce nessa fase. A acusação inicia-se com o oferecimento da denúncia ou queixa. Proposta a ação, sim, é que deve haver o regular contraditório, erigido, aliás, entre nós, à categoria de dogma constitucional, como se infere do inc. LV do art. 5º. da CF." (in Processo Penal, Vol. 1, p. 210, Fernando da Costa Tourinho Filho, Ed. Saraiva, 1998). Cumpre lembrar que todas as provas colhidas na fase inquisitorial poderão ser renovadas em juízo, sob o crivo da defesa, restando assegurado, assim, o amplo exercício do contraditório. Diante do exposto, denego a segurança.


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