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Decisões: Inobservância do disposto no artigo 366 do CPP. Violação do Princípio da Ampla Defesa.
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Juiz José Barroso Filho
Processo nº 11 / 02-3
6ª Circunscrição Judiciária Militar/BA , 12 /12/2002.
Denunciado: V.S.S.
DECISÃO
O presente feito visa apurar a responsabilidade penal do denunciado V.S.S. sobre evento descrito na exordial de fls. 02/04.
A denúncia foi recebida em 03/07/2002.
Por duas vezes, restaram inexitosas as tentativas de citação pessoal, vez que o acusado não residia no endereço constante nos autos (fls. 510 e 536).
A citação foi efetuada por edital (fls. 524/527), sendo que o denunciado não compareceu à audiência destinada à qualificação e interrogatório (fl. 540).
As partes solicitaram a continuidade do feito (fls. 542 e 544)
É o relatório.
A continuidade do feito, sem a efetiva participação do acusado, revela-se como uma violação ao princípio da ampla defesa, vez que a citação por edital é uma mera ficção jurídica quanto ao chamamento do réu para sua defesa. Defesa esta que, sequer foi facultada, dada a impossibilidade de citação pessoal.
A questão foi parcialmente resolvida em nosso sistema processual, com a alteração promovida no art. 366 do Código de Processo Penal, em transcrição:
"Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do art. 312" (alteração determinada pela Lei nº 9.271, de 17 de abril de 1996).
Inexistiu, entretanto, qualquer alteração no art. 412 do Código de Processo Penal Militar, que dispõe:
"Art. 412. Será considerado revel o acusado que, estando solto e tendo sido regularmente citado não atender ao chamado judicial para o início da instrução criminal ..."
A continuidade do presente feito desprestigia, primeiramente, o princípio da igualdade, pois não há razoabilidade na discriminação mantida na Lei Processual Penal Militar, mais ainda, tem-se a lesão ao princípio do contraditório e da ampla defesa, conforme a dicção do art. 5º, LV, da Constituição Federal, verbis:
"Todos são iguais perante a lei...
LV - aos litigantes , em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"
Sendo a Norma Constitucional a norma fundante do sistema jurídico, forçoso reconhecer que a norma prevista no art. 412 do CPPM, não foi recepcionada pela nova ordem constitucional, no tocante a citação por edital, vez que fere os princípios da ampla defesa e do contraditório.
Resta pois, uma integração sistêmica, buscando a colmatação da lacuna, na forma prevista no art. 366 do CPP, na parte referente a suspensão do processo.
A integração não pode ser total, em relação ao disposto no art. 366 do CPP, dada a previsão de suspensão da prescrição, porém, sem estabelecer qualquer prazo, criando-se, por via oblíqua, uma forma de imprescritibilidade criminal, não prevista na Constituição Federal, inviabilizando a permanência da norma dando-se uma interpretação conforme a Carta Magna.
A solução parece situar-se na interpretação sistêmica do instituto da Prescrição.
O Código Civil, na seção referente à propriedade, quando toca a prescrição, com justo título, lança regramento dispondo que a prescrição entre presentes dar-se-á em 10 (dez) anos e, entre ausentes, em 15 (quinze) anos (art. 551 do Código Civil).
Observa-se que a prescrição entre ausentes ocorre em uma vez e meia o prazo entre presentes.
Simplesmente suspender a prescrição, longe de resolver, cria uma problema de base constitucional.
Assim, não comparecendo o acusado, citado por edital, o processo deverá ser suspenso e o prazo prescricional deverá ser de uma vez e meia aquele previsto para a respectiva infração.
Considerando a revelia como um efeito da contumácia, vale destacar que o acusado sequer teve ciência do processo, não lhe foi facultada, pois, a ampla defesa e o contraditório, desmerecendo a pecha de revel.
Sobre o tema, trago o ensinamento do Min. Moacyr Amaral Santos, que escreve :
"Citado o réu para os termos da ação, nasce-lhe o ônus de comparecer e defender no prazo estabelecido em lei . Sua inércia, desatento ao ônus de comparecer e responder no prazo, produz o efeito da revelia . Esta é, pois , uma conseqüência da contumácia total do réu, da sua omissão total, porquanto nem comparece para defender-se." (Primeiras Linhas, pg. 236).
Por derradeiro, observa-se que o acusado não mais foi encontrado, após a instauração do respectivo IPM, lastreia-se a necessidade da segregação preventiva, em um primeiro momento, de forma a garantir a aplicação da lei penal.
Posto isto, o Conselho Permanente de Justiça para o Exército, em decisão unânime, resolve:
determinar a suspensão do feito, dado que a cientificação quanto ao processo não prestigiou os princípios da ampla defesa e do contraditório, exigindo uma integração através de dispositivo análogo previsto no art. 366 do Código de Processo Penal;
definir que o prazo prescricional não permanece suspenso, dada a inconstitucionalidade de tal interpretação, devendo o mesmo continuar a fluir, porém, balizado pelo termo de uma vez e meia o prazo normal de prescrição;
decretar a prisão preventiva do acusado, conforme fundamentado acima, de modo a garantir a aplicação da lei penal.
Publicada em sessão. Partes intimadas. Sala das Sessões dos Conselhos de Justiça da Auditoria da 6ª Circunscrição Judiciária Militar, nesta Cidade de Salvador, Estado da Bahia, aos doze(12) dias do mês de dezembro do ano de dois mil e dois (2002).
José Barroso Filho
Juiz-Auditor Substituto
*Trânsito em julgado
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