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Decisões: Decisão. Processo penal. Conflito entre MP Federal e MP Estadual. Conflito negativo posterior de jurisdição entre Juiz Estadual e Federal. Competência do STJ.

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STF - CONFLITO ENTRE MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. INCOMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (TRANSCRIÇÕES) (INFORMATIVO Nº 276, 05 A 08.08.02) ACO 636-MG RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO EMENTA CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. DELITO CONTRA A FAUNA. MANIFESTAÇÕES ANTAGÔNICAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL E DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, QUE, FUNDADOS EM ALEGADA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO, AFIRMAM FALECER-LHES ATRIBUIÇÃO PARA A CONCERNENTE PERSECUTIO CRIMINIS. PROMOÇÕES ACOLHIDAS PELOS JUÍZOS PERANTE OS QUAIS ATUAM O PROMOTOR DE JUSTIÇA, DE UM LADO, E O PROCURADOR DA REPÚBLICA, DE OUTRO. INOCORRÊNCIA, EM TAL HIPÓTESE, DE CONFLITO FEDERATIVO ENTRE O ESTADO-MEMBRO (A QUE PERTENCE O PROMOTOR DE JUSTIÇA) E A UNIÃO FEDERAL (A QUE VINCULADO O PROCURADOR DA REPÚBLICA). CONFIGURAÇÃO, NA ESPÉCIE, DE CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE OS RESPECTIVOS MAGISTRADOS, QUE RECONHECERAM NÃO LHES ASSISTIR ATRIBUIÇÃO JURISDICIONAL PARA ATUAR NA CAUSA. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, PARA DIRIMIR ESSE CONFLITO, POR TRATAR-SE DE JUÍZES VINCULADOS A TRIBUNAIS DIVERSOS (CF, ART. 105, I, “D”). AÇÃO CÍVEL NÃO CONHECIDA. DECISÃO A presente causa foi remetida, a esta Suprema Corte, pelo eminente Procurador-Geral de Justiça Adjunto do Estado de Minas Gerais, que, ao acolher “o parecer da lavra da i. Promotora de Justiça Assessora Especial” (fls. 85), manifestou-se no sentido de que “Tem, a melhor doutrina pátria, agasalhado a tese de que a resolução do conflito de atribuições, travado entre Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal, cabe ao Excelso Pretório, por configurar verdadeiro conflito entre as próprias pessoas políticas de que fazem parte, aplicando-se, assim, a regra do art. 102, I, f da Constituição Federal” (fls. 83 - grifei). Trata-se de inquérito policial instaurado com o objetivo de apurar a suposta prática, por Francisco Pinto de Andrade, da infração penal tipificada no art. 29, § 1º, III da Lei nº 9.605/98, consistente em guardar, “em cativeiro (...), espécime da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória (...), sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente”. O ilustre representante do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (Promotoria de Justiça da comarca de Bom Sucesso), ao manifestar-se no referido procedimento investigatório, pronunciou-se no sentido de que “a competência para processar e julgar os fatos em questão é da Justiça Federal”, razão pela qual propôs, ao magistrado local de primeira instância, que declinasse de sua competência, “remetendo-se os respectivos autos a uma das Varas da Justiça Federal do Estado de Minas Gerais, para os fins pertinentes” (fls. 49 - grifei). O Juízo de Direito da comarca de Bom Sucesso/MG, por sua vez, acolhendo a proposta formulada pelo Ministério Público local, reconheceu-se “incompetente para presidir o feito” (fls. 56), determinando, em conseqüência, “sua remessa para uma das Varas da Justiça Federal no Estado de Minas Gerais” (fls. 56). O Juízo Federal da 9ª Vara de Belo Horizonte, de seu lado, ao receber os autos - e também em acolhimento à manifestação do ilustre representante do Ministério Público Federal, que entendeu ser, “a Justiça Federal, incompetente para processar e julgar o caso presente” (fls. 78) -, declinou “da sua competência em favor do Juízo da Comarca de Bom Sucesso-MG...” (fls. 79). Devolvidos os autos do respectivo inquérito policial à comarca de Bom Sucesso/MG, e tendo em vista a nova manifestação do Ministério Público local - que, uma vez mais, opinou pela “competência da Justiça Federal” (fls. 80v.) -, determinou, o Juízo de Direito estadual, a remessa dos “autos ao Sr. Procurador-Geral de Justiça” (fls. 81). O ilustre Procurador-Geral de Justiça Adjunto do Estado de Minas Gerais, acolhendo o parecer formulado pela “Promotora de Justiça Assessora Especial”, determinou a remessa dos autos a esta Suprema Corte (fls. 85), por entender que “Tem, a melhor doutrina pátria, agasalhado a tese de que a resolução do conflito de atribuições, travado entre Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal, cabe ao Excelso Pretório, por configurar verdadeiro conflito entre as próprias pessoas políticas de que fazem parte, aplicando-se, assim, a regra do art. 102, I, f da Constituição Federal” (fls. 83 - grifei). Passo a examinar, preliminarmente, se a presente causa inclui-se, ou não, na esfera de competência originária do Supremo Tribunal Federal, especialmente em face do pronunciamento do ilustre Procurador-Geral de Justiça Adjunto do Estado de Minas Gerais, no sentido de que se subsumiria, a espécie ora em exame, à norma inscrita no art. 102, I, “f” da Constituição da República (fls. 83 e 85). Tenho para mim que inocorre, na espécie em análise, situação configuradora de conflito federativo, apta a legitimar a invocação do preceito constitucional referido no douto parecer do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (fls. 82/84 e 85). Impõe-se ter presente, neste ponto, considerada a norma inscrita no art. 102, I, “f” da Constituição, que essa regra de competência confere, ao Supremo Tribunal Federal, a posição eminente de Tribunal da Federação, atribuindo, a esta Corte, em tal condição institucional, o poder de dirimir as controvérsias, que, ao irromperem no seio do Estado Federal, culminam, perigosamente, por antagonizar as unidades federadas. Essa magna função jurídico-institucional da Suprema Corte impõe-lhe o gravíssimo dever de velar pela intangibilidade do vínculo federativo e de zelar pelo equilíbrio harmonioso das relações políticas entre as pessoas estatais que integram a Federação brasileira. Daí a observação constante do magistério doutrinário (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 2/219-220, 1992, Saraiva), que, ao ressaltar essa qualificada competência constitucional do Supremo Tribunal Federal, acentua: “Reponta aqui o papel do Supremo Tribunal Federal como órgão de equilíbrio do sistema federativo. Pertencente embora à estrutura da União, o Supremo tem um caráter nacional que o habilita a decidir, com independência e imparcialidade, as causas e conflitos de que sejam partes, em campos opostos, a União e qualquer dos Estados federados.” Por isso mesmo, o Supremo Tribunal Federal, ao interpretar a norma de competência inscrita no art. 102, I, “f” da Carta Política, veio a proclamar que “o dispositivo constitucional invocado visa a resguardar o equilíbrio federativo” (RTJ 81/330-331, Rel. Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE). É por tal razão que esse preceito constitucional somente incide naquelas controvérsias que possam provocar situações caracterizadoras de conflito federativo (RTJ 132/109 - RTJ 132/120). O alcance dessa regra de competência originária do Supremo Tribunal Federal foi claramente exposto pelo eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, que, ao julgar a ACO 417-PA, destacou a ratio subjacente à norma constitucional em questão, assinalando-lhe o caráter de absoluta excepcionalidade: “(...) a jurisprudência da Corte traduz uma audaciosa redução do alcance literal da alínea questionada da sua competência original: cuida-se, porém, de redução teleológica e sistematicamente bem fundamentada, tão-manifesta, em causas como esta, se mostra a ausência dos fatores determinantes da excepcional competência originária do S.T.F. para o deslinde jurisdicional dos conflitos federativos.” (RTJ 133/1059-1062, 1062 - grifei) Esse entendimento jurisprudencial evidencia que a aplicabilidade da norma inscrita no art. 102, I, “f” da Carta Política restringe-se, tão-somente, àqueles litígios cuja potencialidade ofensiva revela-se apta a vulnerar os valores que informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico, o pacto da Federação. Vale dizer, ausente qualquer situação que introduza a instabilidade no equilíbrio federativo ou que ocasione a ruptura da harmonia que deve prevalecer nas relações entre as entidades integrantes do Estado Federal, deixa de incidir, ante a inocorrência dos seus pressupostos de atuação, a norma de competência que confere, a esta Suprema Corte, como acima já enfatizado, o papel eminente de Tribunal da Federação (ACO 597-SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ACO 629-SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Mostra-se inequívoco, pois, considerada a orientação que vem de ser exposta, que o preceito constante do art. 102, I, “f” da Constituição revela-se inextensível aos litígios, que, desvestidos de qualquer projeção de caráter institucional, em nada afetam as relações políticas entre as unidades federadas. Na espécie destes autos, a invocação da norma de competência inscrita no art. 102, I, “f” da Carta Política apóia-se no entendimento de que a situação precedentemente exposta - “conflito de atribuições travado entre o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal” (fls. 83) - configuraria “verdadeiro conflito entre as próprias pessoa políticas” (fls. 83) de que fazem parte tais instituições. Impõe-se advertir, no entanto, que esse entendimento não encontra apoio na jurisprudência constitucional que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em exame. É que esta Suprema Corte, na análise de causas idênticas à que se examina nesta sede processual, firmou orientação contrária à ora preconizada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais (fls. 82/84 e 85), assinalando, em tal contexto, que, “Se Juízes de comarcas situadas em Estados-membros diversos, acolhendo manifestações dos respectivos membros do Ministério Público, decidem no sentido da incompetência dos seus Juízos, o que se configura é conflito de jurisdição, e não de atribuições entre órgãos do Ministério Público de Estados diferentes” (RTJ 166/401, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA), razão pela qual deixa de incidir, em tais hipóteses - e ante a ausência de qualquer conflito federativo -, a regra inscrita no art. 102, I, “f” da Constituição, revelando-se aplicável, unicamente, em tal específica situação, a cláusula prevista no art. 105, I, “d” da Carta Política, desde que os órgãos judiciários, em relação de antagonismo, estejam vinculados a Tribunais diversos. Cumpre destacar, por necessário, que essa percepção do tema - que também se reflete no magistério da doutrina (ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição do Brasil Interpretada”, p. 1424, item n. 105.4, 2002, Atlas) - se tem revelado presente, desde o regime constitucional anterior, em diversos pronunciamentos emanados do Plenário do Supremo Tribunal Federal (RTJ 101/531, Rel. p/ o acórdão Min. NÉRI DA SILVEIRA - RTJ 103/899, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RTJ 115/495, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI - RTJ 120/943, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - RTJ 123/391, Rel. Min. DJACI FALCÃO - RTJ 124/857, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - RTJ 127/369, Rel. Min. CÉLIO BORJA - RTJ 128/967, Rel. Min. FRANCISCO REZEK - RTJ 166/401, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA - CA 30-RJ, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI): “Conflito negativo de jurisdição. - Esta Corte já firmou o entendimento de que, quando os órgãos do Ministério Público se dão por incompetentes para oferecer a denúncia, o conflito não se estabelece entre eles, mas entre os juízes que acolhem suas promoções conflitantes. Trata-se, pois, de conflito de jurisdição, e não de conflito de atribuições. Conflito negativo de jurisdição de que não se conhece (...).” (CA 34-RS, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Pleno - grifei) Enfatize-se, por oportuno, que o entendimento ora exposto foi reafirmado, uma vez mais, pelo Supremo Tribunal Federal, em recentíssimo julgamento, efetuado, em 27/06/2002, por seu E. Plenário (CC 7.104-BA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE). Vê-se, portanto, que a espécie em exame versa típica hipótese de conflito negativo de competência, instaurado entre juiz de direito, de um lado, e juiz federal, de outro, o que torna inaplicável, ao caso, a regra inscrita no art. 102, I, “f” da Constituição da República, por evidente inocorrência, em tal contexto, de situação caracterizadora de conflito federativo. Na realidade, cabe, ao E. Superior Tribunal de Justiça, considerada a regra inscrita no art. 105, I, “d” da Carta Política, conhecer, processar e dirimir o presente conflito negativo de competência, porque instaurado entre magistrados vinculados a Tribunais diversos. Sendo assim, pelas razões expostas, não conheço da presente causa, determinando, em conseqüência, a remessa dos autos ao E. Superior Tribunal de Justiça, para os fins a que se refere o art. 105, I, “d” da Constituição da República. Publique-se. Brasília, 1º de agosto de 2002. Ministro CELSO DE MELLO
Relator


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