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Decisão:Penal. Estupro Simples. Crime Hediondo.
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PROCED.: SÃO PAULO
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
PACTE. : P.R.F.
IMPTE. : F.J.A.
COATOR : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, que denegou o writ impetrado em favor de Paulo Ricardo Fernandes.
O ora paciente - que foi condenado pela prática do crime tipificado no art. 214 do Código Penal - postula, na presente sede processual, seja-lhe concedido o benefício da progressão no regime prisional que lhe foi imposto (fls. 47), por entender ser viável a "extensão dos efeitos da Lei n° 9.455/97 aos demais crimes hediondos previstos na Lei n° 8.072/90" (fls. 20).
Tenho para mim que a plausibilidade jurídica do pedido ora formulado nesta sede processual acha-se descaracterizada, em face da orientação jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em exame.
É que, tratando-se de condenação pela prática do crime de atentado violento ao pudor - ou de qualquer dos ilícitos penais referidos na Lei n° 8.072/90, com as alterações introduzidas pela Lei n° 8.930, de 06/9/94, e pela Lei n° 9.695, de 20/8/98 -, não se admite a possibilidade jurídica de progressão no regime penal, devendo, o sentenciado; cumprir a pena em regime exclusivamente fechado, em nada Interferindo a superveniente edição da Lei n° 9.455/97, que não derrogou o art. 2°, § 1°, da já referida Lei n° 8.072/90, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 147/598 - RTJ 170/187-188, v.g.).
Cabe enfatizar, bem por isso, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, a propósito da questão suscitada pela parte impetrante, firmou jurisprudência no sentido de que a Lei n° 9.455/97 , que dispõe sobre o crime de tortura, não derrogou a regra consubstanciada no art. 2°, § 1°, da Lei n° 8.072/90:
"DIREITO CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL CRIME DE LATROCÍNIO; REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA: INTEGRALMENTE , FECHADO. INAPUCABIUDADE DA LEI Nº 9.455, de 07.04.1997, À HIPÓTESE.
1. A Lei 9.455, de 07.04.1997, no parágrafo 7º do art. 1º, estabeleceu que, nos casos de crime de tortura, o cumprimento da pena se inicie no regime fechado.
2. Tal norma não se aplica aos demais crimes hediondos, de que trata a Lei n° 8.072, de 26.7.1990 (art. 1º), e cuja pena se deve cumprir em regime integralmente fechado (art. 2°, parágrafo 1º), inclusive o de latrocínio, como é o caso dos autos.
3. Não há inconstitucionalidade na concessão de regime mais benigno, no cumprimento de pena, apenas inicialmente fechado, para o crime de tortura. E se inconstitucionalidade houvesse, nem por isso seria dado ao Poder Judiciário, a pretexto de isonomia, estender tal benefício aos demais crimes hediondos, pois estaria agindo desse modo, co- mo legislador positivo (e não negativo), usurpando, assim, a competência do Poder Legislativo, que fez sua opção política.
4. Por outro lado, já decidiu o Plenário do S.T.F., no julgamento do 'H.C.' n° 69.657, que não é inconstitucional o parágrafo 1º do art. 2° da. Lei n° 8.072/90, quando impõe o regime integralmente fechado, no cumprimento de penas por crimes hediondos, nela definidos.
5. 'H. C.' indeferido, por maioria, nos termos do voto do Relator.
(RTJ 168/577, Rel. p/o acórdão Min. SYDNEY SANCHES)
Essa mesma diretriz jurisprudencial tem sido reiterada em sucessivos julgamentos proferidos Eor esta Suprema Corte (RTJ 173/1020, Rel. Min. ILMAR GALVAO - Ag 262.169-SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 76.543-SC, Rel. Min. SYDNEY SANCHES -HC 76.936-SP, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - HC 77.001-SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO -HC 77.219-SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES - HC 77.578-SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - RE 246.693-SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RE 265.260-RO, Rel. Min. ILMAR GALVÃO):
"Recurso extraordinário. Regime de cumprimento de pena. A Lei 9.455/97, que admite a progressão do regime de cumprimento do pena para o crime de tortura, não se aplica aos demais delitos a que se refere a Lei 8.072/90, não sendo correto o entendimento de que o artigo 5°, XL]]I, da Constituição deu tratamento unitário a todos esses crimes, inclusive quanto a regime de cumprimento de pena. Precedentes do S.T.F.
Recurso extraordinário conhecido e provido."
(RE 237.846-DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES)
"Crime hediondo: regime de execução inteiramente fechado (L. 8.072/90, art. 2°,§ 10):
constitucionalidade reafirmada pelo Plenário, que também assentou a sua subsistência à L. 9.455 com relação aos demais crimes ditos hediondos, com a só exceção dos de tortura (HC 76.371): aplicação do precedente do Plenário, sem prejuízo da ressalva do Relator no tocante à inconstitucionalidade da imposição por lei do regime integralmente fechado em razão do crime abstratamente considerado."
(HC 79.804-MS, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE)
"CRIME HEDIONDO - CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME INTEGRALMENTE FECHADO - INAPLICABILIDADE DA LEI N° 9.455197, QUE DEFINE O CRIME DE TORTURA - PEDIDO INDEFERIDO.
- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que a Lei n° 9.455/97, que dispõe sobre o crime de tortura, não derrogou a norma inscrita no art. 2°, § 10, da Lei n° 8.072/90, razão pela qual os condenados pela prática de crimes hediondos - tais como os definidos na Lei n° 8.072/90, com as alterações introduzidas pela Lei n° 8.930/94 e pela Lei n° 9.695/98 - devem cumprir; em regime integralmente fechado, a pena, que lhes foi imposta.
Precedentes."
(HC 80.491-DF. Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Cabe reconhecer, de outro lado, que a decisão questionada na presente sede processual ajusta-se à orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na matéria em exame.
O E. Superior Tribunal de Justiça, órgão ora apontado como coator, ao repelir a pretensão deduzida pela parte impetrante, proferiu decisão consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 54):
"PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR, NA FORMA SIMPLES. CRIME HEDIONDO.
1. O estupro e o atentado violento ao Pudor; mesmo quando praticados na sua forma simples, configuram crime hediondo (...).
Cumpre assinalar, neste ponto, qUe o art. 1° da Lei n° 8.072/90, modificado pela Lei n° 8.930/94 e, também, pela Lei n° 9.695/98, manteve, quanto aos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, a mesma aplicação gravosa referente aos delitos que se acham relacionados nesse mesmo artigo, o que torna extensíveis, em conseqüência, a tais ilícitos penais, as dIsposições restritivas constantes do estatuto dos crimes hediondos.
Impende acentuar que se mostra irrelevante, para efeito de reconhecimento da natureza hedionda dos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, qualquer indagação sobre se os fatos constitutivos de tais ilícitos - que ofendem a liberdade sexual da vítima - importaram, ou não, em lesões corporais de natureza grave ou em morte da pessoa ofendida, pois tais conseqüências traduzem resultados qualificadores do tipo penal, não se apresentando, por isso mesmo, como notas essenciais à configuração do caráter inerentemente hediondo dessas mesmas infrações penais.
Esse entendimento, como já mencionado, reflete-se na jurisprudência que esta Suprema Corte firmou a propósito do tema em análise (HC 74.710-SP, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, Primeira Turma - HC 81.277-RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma - HC 81.288-SC, Rel. p/ o acórdão Min. CARLOS VELLOSO, Pleno, v.g.):
"HABEAS CORPUS - ESTUPRO - ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - TIPO PENAL BÁSICO OU FORMA SIMPLES - INOCORRÊNCIA DE LESOES CORPORAIS GRAVES OU DO EVENTO MORTE - CARACTERIZAÇÃO, AINDA ASSIM, DA NATUREZA HEDIONDA DE TAIS ILÍCITOS PENAIS (LEI Nº 8.072/90) - LEGITIMIDADE DAS RESTRIÇOES FUNDADAS NA CONSTITUIÇÃO (ART 5°, XLIII) E NA LEI N° 8.072/90 (ART 2°) -PEDIDO INDEFERIDO."
- Os delitos de estupro e de atentado violento ao Pudor; ainda que em sua forma simples, configuram modalidades de crime hediondo, sendo irrelevante - para efeito de incidência das restrições fundadas na Constituição da República ( art. 5°, XLIII) e na Lei n° 8.072/90 (art. 2°) - que a prática de qualquer desses ilícitos penais tenha causado, ou não, lesões corporais de natureza grave OU morte, que traduzem, nesse contexto, resultados qualificadores do tipo penal, não constituindo, por isso mesmo, elementos essenciais e necessários ao reconhecimento do caráter hediondo de tais infrações delituosas. Precedente (Pleno). Doutrina.
(HC 81.317-SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, indefiro o pedido de medida liminar formulado pela ora impetrante.
2. Achando-se o processo adequadamente instruído, ouça-se a douta Procuradoria-Geral da República.
Publique-se.
Brasília, 09 de agosto de 2002.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
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