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Decisões: Recurso em sentido estrito. Débito tributário. Diante de lei em sentido estrito regrando detalhadamente os efeitos do parcelamento do débito tributário, não se admite que produza efeitos norma anterior com orientação contrária por força d

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Élcio Pinheiro de Castro

RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº 2001.71.00.012912-1/RS RELATOR: DES. FEDERAL ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO EMENTA PENAL. TEMPESTIVIDADE DO RECURSO. ART. 168-A, § 1º, I, CP. LEI 9.964/2000, ART. 15. PARCELAMENTO DO DÉBITO. REFIS. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO E DA PRESCRIÇÃO. NORMA MISTA. APLICAÇÃO RETROATIVA. POSSIBILIDADE. LEI 9.249/95. ART. 34. INAPLICABILIDADE. 1 - O prazo de interposição do recurso para o Ministério Público somente começa a fluir da ciência pessoal do seu representante. 2. As disposições de natureza penal da Lei nº 9.964/2000 podem ser aplicadas retroativamente. Embora o § 1º do artigo 15 preveja suspensão do prazo prescricional, não representa óbice à concessão, quanto a fatos anteriores à sua entrada em vigor, tendo em conta o enorme benefício previsto no caput do comando legal em tela (suspensão da pretensão punitiva do Estado). 3 – Incabível a aplicação, na hipótese, da disposição inscrita no artigo 34 da Lei nº 9.249/95. Diante de lei em sentido estrito regrando detalhadamente os efeitos do parcelamento do débito tributário, não se admite que produza efeitos norma anterior com orientação contrária por força do entendimento jurisprudencial predominante. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 08 de outubro de 2001. JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra R.S., F.B., E.A.Z. e S.L.F.S. pela prática do delito inscrito no art. 168-A, § 1º, inciso I, do Código Penal, em continuidade delitiva. Pelo que se depreende da leitura dos autos, os acusados, na qualidade de responsáveis pela administração da empresa Ponte de Pedra Hotelaria e Turismo Ltda., deixaram de recolher ao INSS, no prazo legal, as contribuições previdenciárias descontadas dos seus empregados, no período de 02/98 a 12/99. O valor originário representa R$ 12.921,54 (doze mil, novecentos e vinte e um reais e cinqüenta e quatro centavos), totalizando R$ 17.556,71 (dezessete mil, quinhentos e cinqüenta e seis reais e setenta e um centavos) com os acréscimos legais (NFLD nº 35.066.702-0). Diante da informação, anexa à própria peça acusatória, de que a empresa Ponte de Pedra Hotelaria e Turismo Ltda. ingressara no Programa de Recuperação Fiscal em 13/03/2000 (antes do oferecimento da peça acusatória), o digno magistrado federal deixou de receber a denúncia, determinando que os autos permanecessem na Secretaria do Juízo durante o parcelamento, sendo oficiado o INSS, a cada três meses, a fim de informar se a empresa vem cumprindo, de forma regular, as regras do REFIS (fls. 95/96). Contra essa decisão, o Parquet interpôs o presente recurso criminal em sentido estrito. Em suas razões, aduz, resumidamente, que o art. 15, caput, e § 1º da Lei nº 9.964/2000 somente pode ser aplicado aos fatos ocorridos posteriormente a 1º/04/2000, data em que entrou em vigor a referida lei. Tendo o delito se consumado em 1998 e 1999, tal norma, porque mais gravosa, não pode retroagir, devendo prosseguir a persecutio criminis. Contra-arrazoada a irresignação ministerial, subiram os autos. A douta Procuradoria da República, oficiando no feito, manifestou-se, preliminarmente, pelo conhecimento do recurso e, no mérito, pelo seu improvimento. É o relatório. VOTO JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: – Inicialmente, não merece prosperar a preliminar de intempestividade do recurso interposto pelo Parquet, suscitada nas contra-razões (fls.146/7). Os autos foram recebidos pela Procuradoria da República em 10/05/2001 (fl. 96v.). No entanto, a certidão do MPF da fl. 97 refere que a Dra. Andrea Falcão de Moraes deu-se por ciente no processo em 14/05/2001, pelo fato de estar substituindo uma colega em outra cidade no período de 07 a 11/05/2001, conforme a Portaria nº 41 da Procuradoria da República no Estado do Rio Grande do Sul, publicada no DJ em 09/04/2001. Ocorre que o prazo para a interposição do recurso para o Ministério Público somente começa a fluir a contar da ciência pessoal do seu representante. Assim, tendo sido a ilustre Procuradora cientificada da decisão em 14/05/2001 e sendo de cinco dias o prazo previsto no artigo 586 do CPP, o recurso é tempestivo, pois protocolado neste Tribunal em 16/05/2001 (fl. 98). Nesse sentido o REsp nº 122.779, julgado pela 5ª Turma do STJ em 14/04/98, Rel. Min. José Dantas (DJU 18/05/98, p. 124), transcrito no parecer da douta Procuradoria da República à fl. 157. No mérito, insta registrar que a Medida Provisória nº 2004, e suas reedições, não continham, em seu texto original, qualquer previsão de suspensão do processo nas hipóteses de adesão ao REFIS. Tal conseqüência jurídica surgiu na Lei de conversão – Lei nº 9.964, de 10.04.2000 – que, em seu artigo 15, estabelece a suspensão da pretensão punitiva do Estado em relação aos crimes definidos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90, e no art. 95 da Lei nº 8.212/91, durante o período de inclusão no Programa de Recuperação Fiscal. Para aclarar as circunstâncias que envolvem o presente caso, necessário se faz transcrever o disposto no artigo 15, caput, da Lei nº 9.964, e seu respectivo parágrafo 1º: Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal. § 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. Da análise desses dispositivos, constata-se que a norma em exame tem natureza mista, ou seja, apresenta conteúdo de Direito Processual (suspensão da pretensão punitiva do Estado) e material (suspensão do prazo prescricional). Quanto à primeira, por ser norma de caráter processual, tem incidência imediata, ou seja, passa a surtir seus efeitos tão logo a Lei nº 9.964/2000 tenha entrado em vigor (art. 2º, CPP) o que ocorreu em 11.04.2000 (data de sua publicação) nos termos do artigo 18 do referido Diploma. Por outro lado, a regra da suspensão do prazo prescricional, revelando aspecto de natureza indubitavelmente material, subordina-se à disciplina da lei penal no tempo, podendo somente ser aplicada retroativamente para beneficiar o réu, consoante o disposto no artigo 5º, XL, da Constituição Federal, c/c art. 2º, parágrafo único, do Código Penal. Logo, a suspensão da prescrição, configurando norma mais gravosa para o réu, aplicável somente às infrações perpetradas a partir do dia 11.04.2000, data em que entrou em vigor a Lei nº 9.964. Poder-se-ia cogitar, então, da aplicação retroativa tão-somente da parte da norma que beneficia o réu, no caso, a suspensão da pretensão punitiva do Estado. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião da alteração efetivada no artigo 366 do Código de Processo Penal, consolidaram o entendimento no sentido da impossibilidade da cisão de norma mista para aplicar somente a parte processual sem que também repercuta a de direito material. Nesse sentido: “PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. REVELIA. ART. 366 DO CPP, COM ALTERAÇÃO DA LEI Nº 9.271/96. IRRETROATIVIDADE TOTAL. I - A suspensão do processo, prevista no art. 366 do CPP, com alteração da Lei nº 9.271/96 só pode ser aplicada em conjunto com a suspensão do prazo prescricional. II - É inadmissível a cisão de texto legal que evidencia, claramente, sob pena de restar sem conteúdo e finalidade, a necessidade de sua obrigatória incidência unificada. III - A lei penal não pode retroagir para prejudicar o réu (art. 5º, XL, CF). Recurso conhecido e provido.” (STJ, Recurso Especial nº 161872/SP, 5ª Turma, Rel. Ministro Félix Fischer, DJU de 19.10.98, p. 130). Todavia, quanto às regras de natureza penal da Lei nº 9.964/2000, tenho que, se produzirem efeitos retroativamente, constituem, em sua integralidade, situação mais benéfica ao réu. Inequivocamente, não é hábil a suspensão do prazo prescricional a elidir circunstância extremamente favorável ao acusado que firma o parcelamento de sua dívida em conformidade com a legislação em comento. Não seria razoável que, tendo-se disposto o acusado a adimplir seu débito, dentro de rígidas condições, persistisse em andamento a ação penal intentada contra si, causando-lhe intenso constrangimento moral. Considerando que a Lei nº 8.137/90 visa, precipuamente, a coibir a sonegação fiscal, parece inadequado negar enorme vantagem – a suspensão da persecutio criminis – àquele que se propõe a saldar seu débito fiscal em função de conseqüência negativa a qual, no contexto, tem menos relevo. Ela deve ser vista como contrapartida natural ao benefício – tem o condão, inclusive, de evitar comportamento irresponsável do devedor, que poderia iniciar o pagamento e, tão logo ocorresse a prescrição da pretensão punitiva estatal, não o completaria. Finalmente, é importante tecer esclarecimento sobre a disposição inscrita no artigo 34 da Lei nº 9.249/95. Conquanto a expressão “promover o pagamento”, incluída no comando em tela, venha abrangendo, por força da jurisprudência dominante, o simples parcelamento da dívida, tenho que, em nosso sistema jurídico, o regramento estabelecido na lei em sentido estrito é a principal fonte de direito. Destarte, em homenagem à certeza e à segurança advindas da primazia da norma positiva escrita em nosso ordenamento, tenho que a orientação jurisprudencial pode estreitar ou alargar seu sentido, jamais o afrontar. Na questão jurídica em análise, a Lei nº 9.964/2000 dispõe minuciosamente acerca do efeito do parcelamento do débito tributário ou previdenciário em face dos delitos das Leis nº 8.137/90 e 8.212/91. Estabelecer exegese que vá de encontro a essa regulação legal é totalmente incompatível com a tradição jurídica brasileira. Impende afirmar, diante dessas considerações, ser inaplicável o art. 34 da Lei nº 9.249/95 ao caso. Nem ao menos se deve cogitar sobre eventual benefício ao acusado pela aplicação dessa regra. Em primeiro lugar, a jurisprudência, como se disse, além de ser fonte de importância secundária em nosso sistema, é, inegavelmente, mais flexível do que a lei em sentido estrito, cuja modificação demanda grandes esforços. Isso pode acabar gerando instabilidade prejudicial ao acusado. Ilustrando esse raciocínio, basta apontar duas recentes decisões do Colendo Superior Tribunal de Justiça entendendo que “o parcelamento da dívida ou o pagamento de uma ou outra parcela antes do recebimento da denúncia não tem o condão de extinguir a punibilidade (...). Nessa condição, a extinção ocorre pelo pagamento integral da dívida e acessórios” (Resps nº 218.108/SC e 229.496/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, julgados em 05.10.2000). No caso dos autos, há informação de que a empresa dos acusados aderiu ao REFIS em 13.03.2000 (fl. 57), antes mesmo do oferecimento da denúncia, em 04/05/2001 (fl. 02). Além disso, como nem houve o recebimento da peça incoativa, cabível, no caso, a suspensão da pretensão punitiva do Estado prevista no caput do artigo 15 da Lei nº 9.964/00. Cessa a contagem, igualmente, do prazo para a prescrição punitiva. Ressalte-se que, embora não haja menção expressa na parte dispositiva da decisão objurgada, inequivocamente devem ser observados os efeitos indicados no art. 15, caput e § 1º da Lei nº 9.964/00. Portanto, restam suspensos tanto a pretensão punitiva do Estado consubstanciada no procedimento criminal nº 2001.71.00.012912-1, como o curso do prazo prescricional. Com essas ponderações, nego provimento ao recurso.


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