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Decisão: Apelação. Estelionato no saque antecipado do FGTS. Pequeno valor. Redução da pena e conseqüente prescrição.

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Juiz Élcio Pinheiro de Castro

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.04.01.098182-2/SC RELATOR: JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO EMENTA PENAL. ESTELIONATO. FGTS. SAQUE ANTECIPADO. FRAUDE. RÉU PRIMÁRIO. PREJUÍZO DE PEQUENO VALOR. ART. 171, § 1º, CÓDIGO PENAL. CABIMENTO. PRESCRIÇÃO. 1. Fraudar a rescisão do contrato de trabalho de molde a sacar o Fundo de Garantia caracteriza crime de estelionato, vez que presentes as elementares do tipo penal. 2. O saque antecipado contra o agente administrador do Fundo com o uso de meios fraudulentos implica prejuízo para a Administração Pública Federal, porquanto os recursos são administrados pela CEF e União. O FGTS, embora de titularidade do trabalhador, somente poderá ser movimentado nas hipóteses previstas em lei. 3. Cuidando-se de réu primário e sendo de pequena monta o prejuízo, cabe aplicar o privilégio do § 1º, do art. 171, do Estatuto Repressivo. 4. Em conseqüência da redução da pena, declara-se extinta a punibilidade pela prescrição. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, e, de ofício, declarar extinta a punibilidade do réu, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de outubro de 2001. JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - O Ministério Público Federal denunciou J.S., por infração ao art. 171, § 3º, do Código Penal. A inicial, recebida em 18 de dezembro de 1995, vem lançada nestes termos: “Consta do inquérito policial que o denunciado, enquanto estagiário da Caixa Econômica Federal em Blumenau, na Central de Atendimento ao Trabalhador, atendendo ao público, inteirou-se da rotina operacional de recebimento e encaminhamento da documentação referente ao FGTS, na Divisão de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço o DIFUS, tendo a partir de então, adulterado, em 01 de abril de 1993, sua própria documentação a fim de sacar o saldo da conta do FGTS, dando início ao processo de liberações fraudulentas que desencadeou até sua efetiva descoberta, em 10 de agosto de 1993, e que redundou num total de treze (13) casos, ocorrendo o pagamento de dez (10), perfazendo um total de Cr$ 336.392,40 (trezentos e trinta e seis mil, trezentos e noventa e dois cruzeiros e quarenta centavos), na época, e o cancelamento de três (03) casos restantes, antes do saque. O modus operandi do denunciado consistia na adulteração no original do documento ‘TERMO DE RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO’ no campo destinado à causa do afastamento do empregado, onde o “X” era apagado e um novo “X” era preenchido no campo que diz ‘DISPENSA SEM JUSTA CAUSA’, que dá direito ao saque. Após o que o denunciado xerocopiava o documento de forma a que a cópia ficasse bastante ruim de modo a não permitir detectar a adulteração feita no documento original, anexando referida cópia no formulário de Solicitação para Movimentação de Conta Ativa ou Inativa (SMA/SMI) conforme a natureza da conta, colocando tais solicitações dentre aquelas acertadas pela CAT em datas de sua livre escolha. Na data prevista para o pagamento, o beneficiário, pessoa de suas relações, comparecia à CAT para efetuar o recebimento.” Regularmente instruído o feito, em 08 de outubro de 1999, sobreveio sentença condenatória por infração ao art. 171, § 3º, do Código Penal, impondo ao réu pena de 01 ano e 04 meses de reclusão, além de 10 dias-multa com valor unitário fixado em 1/30 do salário mínimo. Presentes os requisitos legais, a pena foi substituída na forma da Lei nº 9.714/98 por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços a entidade pública (art. 43, IV, do CP, segunda figura), e obrigação pecuniária de 02 salários mínimos, em favor de instituição social a ser fixada pelo Juízo da Execução. Pessoalmente intimado da sentença condenatória, o réu apelou. Nas razões do recurso busca absolvição, sustentando atipicidade da conduta por ausência de prejuízo. Caso mantida a sentença, requer desclassificação para a forma privilegiada do delito (§ 1º do art. 171 do CP) sancionando-se apenas com multa, ou, alternativamente, concessão de sursis por dois anos (fls. 250/255). As contra-razões do Ministério Público afastam as pretensões da defesa. O parecer da douta Procuradoria Regional da República é pelo provimento parcial do recurso para desclassificar a conduta, ajustando a tipicidade ao art. 171, § 1º, do Código Penal. Conseqüentemente, deverá ser declarada a extinção da punibilidade por ocorrência de prescrição da pretensão punitiva. É o relatório. À revisão. VOTO JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - O apelo da defesa busca desconstituir a condenação por estelionato, alegando não ter a conduta causado prejuízo ao FGTS, nem aos titulares das contas vinculadas. Cuidando-se de crime contra o patrimônio, o estelionato exige vantagem ilícita, prejuízo alheio e existência de fraude. Não obstante o inconformismo da defesa, a transação efetivada através de documentos alterados revelou dolo do agente, porque conhecedor dos requisitos legais para movimentação dos valores depositados no Fundo de Garantia. O saque antecipado contra o agente administrador do FGTS com o uso de meios fraudulentos resultou em prejuízo para a Administração Pública, porquanto os recursos são administrados pela Caixa Econômica Federal. O FGTS, embora de titularidade do trabalhador, somente poderá ser movimentado na forma prevista em lei. O objetivo da fraude era o levantamento do saldo existente nas contas vinculadas. O acusado é confesso desde o apuratório, conforme se constata na declaração que firmou junto à administração da CEF (fl. 72). Admitiu ter alterado os termos das rescisões dos contratos de trabalho, simulando a dispensa como sendo “sem justa causa”. Assumiu total e exclusiva responsabilidade pelos fatos, exculpando os eventuais beneficiários. Sustentou em sua defesa que teria apenas antecipado o recebimento do FGTS por seus titulares, sem causar prejuízo a ninguém e não obtendo vantagem econômica dos favorecidos. Examinando-se o processo administrativo da Caixa Econômica Federal, verifica-se em fl. 22, que os fundistas eram amigos de J.S. e os saques procedidos se fizeram nas contas inativas previstas para saque até dezembro de 1993, dentro do cronograma estabelecido para as contas que se encontravam sem depósito há três anos, obedecido calendário por data de aniversário, com exceção de J.C.A., titular de conta ativa. Todos os beneficiários prestaram declarações no sentido do recebimento integral dos valores depositados em suas respectivas contas. Os depósitos do FGTS, embora de titularidade do trabalhador, são recursos de responsabilidade da União e da empresa pública, utilizados em políticas habitacionais. A norma reguladora do instituto, Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, em seu art. 3º, estabelece que o Fundo de Garantia é regido por um Conselho Curador integrado por representantes de trabalhadores e empregadores, dos Ministérios da Economia, Fazenda e Planejamento, do Trabalho e da Previdência Social, da Ação Social, CEF e BACEN. O art. 4º, da mencionada lei regulou a gestão e aplicação do FGTS a ser efetivada pelo Ministério da Ação Social, cabendo à Caixa Econômica Federal o papel de Agente Operador. O art. 7º atribui à CEF a centralização dos recursos do FGTS, o controle das contas vinculadas e a emissão de extratos individuais. Embora a referida legislação encerre natureza civil, com sanções administrativas direcionadas ao Gestor do Fundo, não se há de mesclar institutos civis e penais. A conduta típica prevista no art. 171, do Código Penal não afasta a prática do ilícito de caráter privado, e a conseqüente reparação através de disciplina específica, com possibilidade de anulação do negócio jurídico por simulação, ou outro vício a ser apurado, hipótese em que o trabalhador poderia ser chamado, inclusive, a recompor o Fundo, conforme se verificou na hipótese de J.C.A. (fls. 108/113). Em se constatando o efetivo saque fraudulento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, não há dúvidas de que houve lesão a bens, serviços e interesses federais, especialmente, se o fato foi praticado por agente de dentro da instituição financeira, a quem cabia a guarda legal dos valores. Sem embargo do efetivo ferimento a interesses da União, a jurisprudência traduz a cautela da lei quanto à potencialidade de lesão patrimonial suportada de forma mediata ou imediata. “Sendo crime contra o patrimônio, exige, ao menos, a possibilidade de prejuízo alheio” (TACrimSP, RT 482/351). Assim, não há como afastar a responsabilidade penal do réu nos fatos denunciados. A conduta de adulterar documentos para sacar indevidamente o FGTS se mostra típica porque fraudulenta, uma vez que mantido em erro o administrador e obtida vantagem econômica para si e/ou para outrem com a antecipação do recebimento dos valores, ferindo interesses da União e causando prejuízo à Administração Pública. Contudo, o Ministério Público ofereceu parecer no sentido da manutenção da sentença condenatória, acolhendo o estelionato privilegiado: “2. A tese da defesa de inexistência de prejuízo baseia-se em declarações de agentes da Caixa Econômica Federal, prestadas em relatório conclusivo da sindicância instaurada para apurar os fatos. Na folha 22 lê-se que "todos os fundistas eram amigos de James Scheunemann e em nenhuma das contas sacadas houve danos a terceiros. Com exceção de José Carlos Alves, demitido em 10.08.92, todos os saques são referentes a Contas Inativas que teriam direito a saque até dezembro/93, de acordo com calendário por data de aniversário” (fl. 22, itens 8.1 e 8.2). José Carlos Alves, o único que não teria direito ao saque, devolveu o valor recebido, correspondente a CR$ 5.424,22, como se vê pelo contido nas folhas 111 e 113. O valor foi sacado em 28 de julho de 1993, e corresponde a R$ 180,00. Segundo ainda a própria CEF, "os saques seriam objeto de liberação logo em seguida”, razão por que não havia necessidade de "demandas judiciais para recuperar os valores, porque não chegariam a termo antes da efetiva data da liberação”. Daí a conclusão de que não haveria “prejuízo ao Fundo” (cf. fl. 115). Apesar da relevância das circunstâncias ressaltadas pela defesa nas razões do apelo e aqui destacadas, não se pode afirmar peremptoriamente que não houve prejuízo com a fraude consumada pelo acusado. O estabelecimento de datas para a liberação dos valores depositados nas contas vinculadas, atende aos interesses do serviço da Caixa Econômica Federal e da racionalização dos impactos resultantes das diversas retiradas possíveis no sistema de liquidez do próprio FGTS. A fixação de datas específicas não pode ser antecipada fraudulentamente sob o pálio da inexistência de prejuízo para justificar a conduta. O FGTS é um fundo administrado pela União Federal e não serve apenas para atender aos interesses pessoais do trabalhador. Não foi criado com o único fim de garantir a poupança do trabalhador e assisti-lo em circunstâncias específicas, como uma despedida imotivada ou a aquisição de casa própria, por exemplo. Não se trata de um remédio para o desaviso do próprio trabalhador ou para a sua incapacidade de poupar. Embora se veja no FGTS uma proteção ao trabalhador titular da conta vinculada, as restrições impostas também servem a um interesse público, pois o dinheiro arrecadado se destina a garantir o financiamento de programas sociais, como o financiamento do sistema habitacional e outras ações do governo. O saque indiscriminado, autorizado pela fraude, atenta contra esse interesse federal, lesa a União, e enfraquece um dos instrumentos criados para a satisfação das necessidades públicas. Portanto, nada há a reparar na r. sentença impugnada, quando classifica como criminosa a conduta do acusado. 3. Apesar disso, não há óbice à aplicação do disposto no artigo 171, § 1º do CP (estelionato privilegiado). Não se pode negar que o prejuízo não foi relevante tendo em vista as circunstâncias acima destacadas. Os beneficiados pela fraude estavam prestes a receber o beneficio e o único que demoraria mais a recebê-lo devolveu a quantia indevidamente sacada. A própria vítima reconheceu a irrelevância do prejuízo e asseverou que qualquer medida destinada a reparar o dano seria completamente inútil diante da iminente consumação das condições necessárias ao saque regular. O quadro autoriza o privilégio, já que o prejuízo foi, então, de pequena monta (...)”. Penso que cabe atender parcialmente o apelo do réu na forma da manifestação do Parquet. Tendo em vista as circunstâncias referidas, constatando-se um efetivo prejuízo patrimonial de R$ 180,00, já retornado ao Fundo, não se pode negar sua irrelevância. A conduta privilegiada do artigo 171, § 1º do CP, autoriza redução da pena em um ou dois terços, ou aplicação somente de multa, se for primário o agente, e de pequeno valor o objeto do crime. Os beneficiados pela fraude estavam prestes a obter o beneficio e o único que demoraria mais a recebê-lo devolveu a quantia indevidamente sacada. A própria vítima imediata (CEF) reconheceu a irrelevância do prejuízo e asseverou que qualquer medida destinada a reparar o dano seria completamente inútil diante da iminente consumação das condições necessárias ao saque regular. Assim, presentes as elementares do estelionato privilegiado, acolho a disciplina do § 1º, do art. 171 do Código Penal para reduzir a pena em um terço. Como o réu foi condenado a um 01 ano e 04 meses de reclusão, a redução fica em 05 meses e 10 dias, resultando a reprimenda definitiva em 10 meses e 20 dias. Recebida a denúncia em 18.12.95 e publicada a sentença em 08.10.99, verifica-se o decurso de mais de dois anos entre marcos interruptivos da prescrição, impondo-se sua declaração pelo Colegiado, forte nas disposições dos artigos 107, IV; 109, VI, e 110, § 1º e § 2º, todos do Código Penal. Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso para reduzir a pena e, de ofício, declarar extinta a punibilidade de J.S., em face da prescrição.


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