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Decisões: Penal e processual penal. Princípios primários: imparcialidade, juiz natural, inércia da jurisdição. Inadmissibilidade de interrogatório sem a presença do defensor.

As opiniões expressas nos artigos publicados responsabilizam apenas seus autores e não representam, necessariamente, a opinião deste Instituto

Amilton Bueno de Carvalho

APELAÇÃO CRIME QUINTA CÂMARA CRIMINAL N° 70004496725 PORTO ALEGRE APELANTE: ADILSON ANDRE NUNES DO AMARAL APELANTE: F.F. APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO EMENTA PENAL. PROCESSUAL PENAL. JURISDIÇÃO. INTERROGATÓRIO. ATO PRIVATIVO DO JUÍZ. INADMISSIBILIDADE. SISTEMA ACUSATÓRIO. LIMITES DEMOCRÁTICOS AO LIVRE CONVENCIMENTO. PENA. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. PERSONALIDADE. INACEITÁVEL NO SENTIDO PERSECUTÓRIO, EM RESPEITO AO PRINCÍPIO DA SECULARIZAÇÃO, VALORAÇÃO NEGATIVA DOS ANTECEDENTES. INCONSTITUCIONALIDADE. - O exercício da função jurisdicional, no sistema jurídico penal democrático (fatalmente acusatório), é regido por princípios primários: imparcialidade, juiz natural, inércia da jurisdição. Além de outros, de cunho processual, intimamente ligados aos primeiros, como do contraditório, e do livre convencimento, que têm ainda outros como pressupostos: publicidade, oralidade, eqüidistância, etc. - Neste sentido, não há que se falar em local de atuação privativa, pessoal, oficiosa, que denote qualquer excesso de subjetivismo. O trabalho do juiz deve – em observação aos limites principiológicos a ele impostos – ser realizado de forma que evite, ao máximo, espaços temerários, abertos à arbitrariedade e à injustiça: eis porque não se admite interrogatório sem presença de defensor. - Nesta direção, eis, em suma, o aspecto que se pretende aqui reforçar: o convencimento só atinge certo grau de liberdade, quando alcançado por meio de instrumento democrático. Na espécie, o ambiente contraditório! Sem ele a convicção – marcada pela inquisitoriedade – jamais será livre e a democracia desaparece! - A valoração negativa da personalidade é inadmissível em Sistema Penal Democrático fundado no Princípio da Secularização: ‘o cidadão não pode sofrer sancionamento por sua personalidade - cada um a tem como entende’. - Outrossim, o gravame por valoração dos antecedentes é resquício do injusto modelo penal de periculosidade e representa bis in idem inadmissível em processo penal garantista e democrático: condena-se novamente o cidadão-réu em virtude de fato pretérito, do qual já prestou contas. - Lições de Luigi Ferrajoli, Modesto Saavedra, Perfecto Ibáñes e Eugênio Raul Zaffaroni. - Apelo parcialmente procedente. Unânime. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento aos apelos para fixar as penas dos réus Adilson André Nunes do Amaral e Fábio Fogassa em 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime semi-aberto, mais pecuniária mínima para ambos.
Custas, na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Paulo Moacir Aguiar Vieira, Des. Aramis Nassif.
Porto Alegre, 07 de agosto de 2002. AMILTON BUENO DE CARVALHO,
Relator. RELATÓRIO AMILTON BUENO DE CARVALHO (RELATOR) – O Ministério Público ofereceu denúncia contra ADILSON ANDRÉ NUNES DO AMARAL, FÁBIO FOGASSA, FERNANDO FREITAS DORNELES, LEANDRO LIMA VIEIRA, por incursos nas sanções do art. 157, § 2º, incisos I e II e art. 288, ambos do Código Penal; ELCI LUIS SOARES DA ROSA e JANE BEATRIZ RODHT DA SILVA, imputando-lhes a prática dos delitos descritos nos artigos 180 e 288, do mesmo diploma legal; e, ANTÔNIO CISZEVSKI por incurso nas sanções do artigo 180 do Código Penal. Narrou a peça angular acusatória os seguintes fatos delituosos: “1 - No dia 08 de março de 1999, por volta das 8h40min, na Distribuidora de Bebidas Russo Ltda, situada na Av. Bento Gonçalves, 7196, nesta cidade, os quatro primeiros denunciados, mediante prévio ajuste e conjugação de esforços, surpreenderam as vítimas, Maria Aparecida Russo e Antônio César Russo ao ingressarem no seu estabelecimento comercial e de lá subtraíram, mediante grave ameaça, exercida com emprego de arma, todo o dinheiro que havia no caixa, além de dois aparelhos celulares e outros objetos, todos descritos no auto de apreensão de fl. 53. Na ocasião, quando Maria Aparecida chegava em seu estabelecimento comercial, observou que o mesmo estava sendo assaltado, pois o pessoal que estava lá dentro encontrava-se sob a mira de arma de fogo, deitado no chão. Diante da cena, a mulher tentou deixar o local, sendo impedida por um dos quatro meliantes, o qual, também, com uma arma apontada para ela a obrigou a entrar na distribuidora e deitar-se no chão. 2 – Em dias e horários não perfeitamente esclarecidos, no ano de 1999, os denunciados Elci Luiz Soares da Rosa e Jane Beatriz Rohdt da Silva receberam, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabiam ser produto de crime. Jane Beatriz tem um relacionamento amoroso com Adilson André Nunes do Amaral, sendo que o mesmo depositou em sua conta bancária, aproximadamente R$ 4000,00 (quatrocentos reais) em cheques subtraídos da distribuidora. Além disso, a mulher ocultou em sua residência os dois cheques subtraídos pela quadrilha do estabelecimento comercial referido. Quanto a Elci Luis Soares da Rosa, o mesmo é vizinho de Jane Beatriz e supostamente proprietário de uma locadora de vídeo. A pretexto de pagamento das locações, Elci Luis Soares da Rosa recebeu diversos dos cheques subtraídos pelos quatro primeiros denunciados, ordens de pagamento, essas que foram depositadas em sua conta. Segundo evidenciam os autos de apreensão, de fls. 57 e 60 os comprovantes de depósitos efetuados nas contas de Jane Beatriz e Elci Luis Soares foram juntadas aos autos. A partir da fl. De nº 196 e seguintes, foi juntado o resultado da quebra do sigilo bancário de Elci. Conforme se depreende da descrição dos ilícitos, Adilson André Nunes de Amaral, Fábio Fogassa, Leandro Lima Vieira, Fernando Freitas Dornelles, Jane Beatriz Rohdt da Silva e Elci Luis Soares da Rosa, associaram-se em quadrilha ou laudo para o fim de cometer crimes. 3 – Em dia e horário não perfeitamente determinados, nesta cidade de Porto Alegre, em 1999, o denunciado Antônio Ciszevski recebeu, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabia ser produto de crime. O acusado, no dia 16 de março deste ano foi surpreendido no caixa de uma agência bancária tentando sacar a importância de um dos cheques roubados da distribuidora de bebidas. Ouvindo, admitiu ter recebido a cártula, no valor de R$ 70,00 (setenta reais), por conta de um televisor e em aparelho de som, do acusado Fernando.” A denúncia foi recebida em 05-05-1999. Os acusados foram citados e interrogados (fls. 480/485 e verso). Vieram alegações preliminares. Coletou-se prova oral (fls. 588/594 e 732/735). Superada as diligências a que se refere o artigo 499 do Código de Processo Penal, o Ministério Público, em alegações finais, pugnou pela condenação dos réus nos termos da denúncia. A defesa de Jane, por sua vez, pugnou por sua absolvição alegando insuficiência probatória. Fernando, Leandro e Antônio – representados por defensor único – requereram absolvição com base no artigo 386, VI, do Código de Processo Penal. A defesa de Fábio Fogaça e Adilson André Nunes do Amaral, também, postulou absolvição forte no artigo 386, VI, do Código de Processo Penal. Elci quer sua absolvição pelo artigo 386, II e IV e alternativamente, em caso de condenação, a desclassificação do delito do artigo 288, do Código Penal. O ato decisório singular julgou parcialmente procedente a acusação denunciada, condenou os réus Adilson André Nunes do Amaral e Fábio Fogassa como incursos nas sanções do artigo 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal, absolvendo-os e a todos os demais da prática dos delitos dispostos nos artigos 288 e 180, do Código Penal. Ao réu Adilson foi fixada pena privativa de liberdade com base em 04 anos e 03 meses de reclusão – o aumento acima do mínimo se deu pelo uso de arma – acrescida de 1/3 pelo concurso, restando definitiva em 05 anos e 05 meses de reclusão, em regime semi-aberto. Estabeleceu-se, ainda, pecuniária de 60 dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos. A pena de Fábio foi fixada com base em 05 anos de reclusão, aumentada de 1/3 pelo concurso, restando ao final em 06 anos e 08 meses de reclusão, em regime fechado, mais pecuniária de 80 dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos. Irresignados com a decisão do juízo a quo, os réus apelaram, postulando em razões de apelo a absolvição com base no artigo 386, VI, do Código de Processo Penal e, alternativamente, a desclassificação do delito de roubo qualificado para a forma simples, com alteração da quantidade do apenamento. Em contra-razões de apelo o órgão ministerial, requereu o improvimento dos recursos. Nesta Instância, a Procuradoria de Justiça, em parecer exarado às fls. 878/886 pelo Dr. Edgar Luiz de Magalhães Tweedie, manifestou-se pela rejeição da preliminar argüida e improvimento dos recursos. É o relatório. VOTO AMILTON BUENO DE CARVALHO (RELATOR) – Não vinga a preliminar levantada pelo réu Fábio Fogassa: foi devidamente assistido no ato de interrogatório pelo advogado Dr. Luis Carlos Passo Barbosa, conforme se verifica da assinatura de fls. 481/verso. Outrossim, não se anula o processo por ausência de advogado/defensor no interrogatório dos réus Fernado Freitas Dorneles e Leandro Lima Vieira (fls. 483 e verso e, 577e verso) – posição unânime da Câmara (apelação-crime nº 70001997402) – porquanto absolvidos com trânsito em julgado. Eis a ementa do recurso acima mencionado: “NULIDADE. INTERROGATÓRIO. AUSÊNCIA DE ADVOGADO. - Nulo é o processo em que o acusado é interrogado sem a presença de advogado defensor. - Agressão aos princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da Constituição Federal). - Nulidade decretada a partir, inclusive, do interrogatório.” Por outro lado, a manifestação do colega singular sobre o tema, provoca – com a respeitosa vênia – rediscussão que se soma aos argumentos já lançados no acórdão acima referido. Breve, mas imprescindível para o momento, a abordagem sobre alguns aspectos do exercício da jurisdição – já que referidos pelo colega monocrático ao defender a privacidade do juiz no ato do interrogatório. O exercício da função jurisdicional, no sistema jurídico penal democrático (fatalmente acusatório), é regido por princípios primários: imparcialidade, juiz natural, inércia da jurisdição. Além de outros, de cunho processual, intimamente ligados aos primeiros, como do contraditório e do livre convencimento, que têm como pressuposto ainda outros como: publicidade, oralidade, eqüidistância, etc. Tais vínculos definem o grau de legitimidade do poder jurisdicional. Fiel a estes princípios, o juiz deve laborar – em auto-policiamento – evitando confusão entre arbitrariedade e livre convencimento para “reduzir as margens de discricionariedade”, diria Ferrajoli. Tudo se remete para a análise perfeita de Perfecto quando discorre acerca da necessária “correta consciência do juiz sobre seu próprio papel”: “la consiguiente reflexiva tensión hacia la autocontención garantista del própio poder. Y cuando esto suceda – falta do autocontrole – como ocurre con frecuencia, no será razonable esperar buenas decisiones judiciales, caracterizadas por el rigor en la motivación y expresivas del necessário sentido de la responsabilidad.” (Ibáñez, Perfecto Andrés. “Racionalidad y crisis de la Ley”. DOXA 22, 1999, p. 308). Importante, então, que nós juízes assumamos a condição de seres acima de tudo humanos e, portanto, falíveis. Para tanto é necessário que caiam as máscaras da neutralidade e imparcialidade e, de face desnuda, encaremos o princípio da imparcialidade como meta a ser atingida no exercício da jurisdição, buscando cada vez mais consolidar os mecanismos capazes de garanti-la. (Lição de Jacinto Miranda Coutinho). Faço coro também às palavras do mestre italiano “se las elecciones son inevitables, y tanto más discrecionales cuanto más amplio es el poder judicial de disposición, es cuando menos una condición di su control y autocontrol, si no cognoscitivo al menos político y moral, que aquéllas sean conscientes, explícitas e informadas en princípios, em vez de acríticas, enmascaradas o en todo caso arbitrárias”. ( Luigi Ferrajoli. “Derecho y Razón”, p. 616/617, ed. Trotta, Madrid, 1995, p. 174). Neste sentido não há se falar em local de atuação privativa, pessoal, oficiosa, que denote possibilidade de excesso de subjetivismo. O trabalho do juiz deve – em observação aos limites principiológicos a ele impostos – ser realizado de forma que evite, ao máximo, espaços temerários (conscientes ou não), abertos à arbitrariedade e à injustiça. Dito de outro modo, o juiz não deve ter interesse no processo – ele não é parte interessada –, mas diante da incontrolabilidade dos pré-julgamentos, melhor dito, pré-juízos inelimináveis, diria o mestre de Granada Modesto Saavedra (conseqüência lógica da condição humana), os atos processuais devem ter freios inibitórios marcados, nos limites do presente debate – dentre outros –, pelo princípio constitucional do contraditório que “impõe à autoridade judiciária - qualquer que seja o grau de jurisdição em que atue – o dever jurídico processual de assegurar às partes o exercício das prerrogativas inerentes a bilateralidade do juízo.” (grifo nosso). (STF, HC. 69001/RJ, Relator Ministro Celso de Mello, julgado em 18-02-1992): controlado, pois. Ou seja, para além da discussão acerca de sua natureza processual – meio de prova ou de defesa – e da importância do interrogatório no processo, imprescindível reforçar a necessidade de que o magistrado aprimore cada vez mais seu compromisso ético no exercício da jurisdição, negando-se de ofício à pratica de atos ilegítimos. A redução do decisionismo e o constante respeito aos direitos e garantias fundamentais, definirão o maior ou menor grau de legitimidade da atividade jurisdicional penal. Esta sempre será legítima quando tenha “sido possível conferir à sentença a qualidade de haver apreendido o tipo de verdade que pode ser constatada de modo mais ou menos controlável por todos, mas isso só acontecerá se forem satisfeitas as garantias do juízo contraditório, oral e público, isto é, na vigência do sistema acusatório. (PRADO. Geraldo, “Sistema Acusatório: A conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais”. Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 1999, p. 39). Nesta linha ressalta o professor de Camerino “Todo el sistema de garantias penales y procesales está dirigido a minimizar el poder del juez, transformandolo em uma actividad potencialmente cognitiva”. No mesmo local, acrescenta que “lo importante es que la existencia de garantias eleva el grado de limitaciones al juez y facilita la decidibilidad de la verdad.”. (Pisarello, Gerardo e Suriano Ramón. “Entrevista a Luigi Ferrajoli”. In: ISONOMÍA, Madrid, 1998, p. 190) Nas palavras de Alberto Silva Franco – como já mencionei em outro momento – compete ao juiz “em resumo ser o garante da dignidade da pessoa humana e da estrita legalidade do processo. E seria melhor que nem fosse juiz, se fosse para não perceber e não cumprir essa missão”. (“O Compromisso do Juiz Criminal no Estado Democrático”, Justiça e Democracia, nº 3, p. 270/271). Nesta direção, eis, em suma, o aspecto que se pretende aqui reforçar: o convencimento só atinge certo grau de liberdade, quando alcançado por meio de instrumento democrático. Na espécie, o ambiente contraditório! Sem ele a convicção – marcada pela inquisitoriedade – jamais será livre e a democracia desaparece! Em tal aspecto reporto-me ao texto constitucional, que dispõe no artigo 93, IX, ao tratar da estruturação do Poder Judiciário, bem como do exercício de suas funções: “IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes” .(grifo nosso) Da leitura de tal texto, extrai-se a dimensão da importância conferida pela Constituição à presença da defesa para a legitimação de todos os atos jurisdicionais. Vê-se que a norma constitucional – tamanha a importância do ambiente contraditório, na garantia da ampla defesa – chega a prever a possibilidade de se vedar a participação das próprias partes a determinados atos, mas nunca a de seus defensores! Então – renovada vênia –, reafirmo, incansavelmente, o posicionamento de que o processo é procedimento realizado em contraditório e só neste espaço estará legitimado o poder jurisdicional! O interrogatório lançado ao passado inquisitorial, sacrifica a mínima fiscalização das partes, ou seja, o necessário controle dos atos judiciais, assumindo inegável cunho persecutório. Retrocesso inadmissível diante das garantias libertárias fundantes do Estado Moderno. A atividade jurisdicional sustentada em base inquisitória padece de legitimidade em dois planos: no pessoal por representar ato extremamente autoritário e, no formal, é totalitarismo! Por derradeiro ressalto: é irredutível e necessário certo grau de discricionariedade na formação da convicção. Contudo, nos limites de uma fonte procedimental legítima! No mérito. O apelo vinga parcialmente. A reforma, todavia, alcança apenas o periférico: dose da pena. O bem elaborado juízo condenatório da lavra do colega José Ricardo Coutinho Silva, não restou abalado pelas razões recursais e, portanto, vai mantido. Colhe-se do contexto probatório, que ambos os réus – Adilson e Fábio – foram, de forma inequívoca, reconhecidos judicialmente pelas vítimas Maria Aparecida Russo, Antônio Cézar Russo, Ciro da Rocha Fagundes, Fábio Medeiros Isidoro e Ramão Ferreira Robalo (fls. 588/591 e verso e 733/735), que narram com detalhes os fatos. Mais, em delitos da espécie, como bem colocado pelo colega monocrático, a palavra da vítima assume especial relevo – tudo se dá longe da vista de terceiros –, máxime quando, como aqui, não há indício de interesse espúrio na condenação. Neste ambiente, a negativa dos réus não ultrapassou os limites da mera retórica. Outrossim, no que atine às alegadas controvérsias entre depoimentos policiais e judiciais prestados pelas vítimas, reitero que, desde muito, tenho sustentado posicionamento de que a única prova hábil a gerar convicção é a coletada perante autoridade eqüidistante, com sóbria fiscalização das partes, no espaço público. Aliás, o inverso, onde vigora o segredo e a busca da verdade máxima a qualquer preço, se situa no sistema inquisitorial vigorante na idade média. Repito, é temerário e inaceitável levar um cidadão (seja quem for, seja qual o delito cometido) a presídio ou absolvê-lo com base em elementos vindos da fase não garantística (ou seja, sem as garantias do devido processo legal), que são coletados (e todos sabemos disso) de forma absolutamente confusa, com fuga da publicidade que para Ferrajoli é a primeira das garantias, eis porque tudo deve "produzirse a luz del sol, bajo el control de la opinión pública". E Ferrajoli cita Betham: "La publicidad es la alma de la justicia... cuanto más secretos han sido los tribunales, más odiosos han resultado" ("Derecho y Razón", p. 616/617, ed. Trotta, Madrid, 1995). Finalmente, não vingam as demais alegações defensivas: um – ao reconhecimento da majorante do uso de arma desnecessária perícia – basta, vez mais, a palavra da vítima; e, dois – a prova demonstrou – também pela palavra das vítimas – a presença do concurso de agentes. Bem condenados, pois. Passo à reforma das penas. As bases – desde meu ponto de vista – foram fixadas com pequeno exagero. No tocante à análise da personalidade de Fábio, registra-se que ela – na direção do aumento de pena – é recebida com reserva: o cidadão não pode sofrer sancionamento por sua personalidade – cada um a tem como entende (ver Carvalho, Salo. “Aplicação da pena no Estado Democrático de Direito e Garantismo: considerações a partir do Princípio da Secularização”. p. 46 e seguintes. in CARVALHO, Amilton Bueno de & CARVALHO, Salo de. “Aplicação da Pena e Garantismo”. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2001). Neste sentido, é preciosa a lição do eminente Des. Sylvio Baptista: “As circunstâncias judiciais da conduta social e personalidade, previstas no art. 59, do CP, só podem ser consideradas para beneficiar o acusado e não para lhe agravar mais a pena. A punição deve levar em conta somente as circunstâncias e conseqüências do crime. E excepcionalmente minorando-a face a boa conduta e/ou a boa personalidade do agente. Tal posição decorre da garantia constitucional da liberdade, prevista no art. 5º da Constituição Federal. Se assegurado ao cidadão apresentar qualquer comportamento (liberdade individual), só responderá por ele, se sua conduta (lato sensu) for ilícita. Ou seja, ainda que sua personalidade ou conduta social não se enquadre no pensamento médio da sociedade em que vive (mas seus atos são legais) elas não podem ser utilizadas para aumentar sua pena, prejudicando-o” (Apelação-crime nº 70000907659, j, em 15/6/2000). Mais, a alegação de “voltada para a prática delitiva” é retórica, juízes não tem habilitação técnica para proferir juízos de natureza antropológica, psicológica ou psiquiátrica, não dispondo o processo judicial de elementos hábeis (condições mínimas) para o julgador proferir “diagnósticos” desta natureza. Ainda, na esteira do que leciona Ferrajoli, afirma-se que o princípio da secularização (separação entre direito e moral), inerente ao direito e ao processo penal do Estado Democrático de Direito, exige que os juízos emitidos pelo julgador não versem “acerca de la moralidad, o el caráter, u otros aspectos substanciales de la personalidad del reo, sino sólo acerca de hechos penalmente proibidos que le son imputados y que son, por outra parte, lo único que puede ser empíricamente probado por la acusación y refutado por la defensa. El juez, por conseguiente, no debe someter a indagación el alma del imputadado, ni debe emitir veredictos morales sobre su persona, sino sólo investigar sus comportamientos prohibidos. Y un cidaudano puede ser juzgado, antes de ser castigado, sólo por aquello que ha hecho, y no, como en el juicio moral por aquello que es.” (FERRAJOLI, Luigi, ”Derecho y Razón: Teoría del garantismo penal”, Madrid: Editorial Trotta, 1995, p. 223). Outrossim, no que atine aos antecedentes, tenho a valoração por inconstitucional. Ainda que se os considere apenas no caso de condenação definitiva anterior que não configure reincidência – como vinha me posicionando –, tal critério, vigorante em nossa legislação, representa o injusto modelo penal de periculosidade, paradigma que legitimou a atuação dos Estados Totalitários, onde vigora o repulsivo e antidemocrático direito penal do autor. Esta estrutura na qual o sujeito é estigmatizado – ad eternum – como ser perigoso, é na lição de Zaffaroni; “uma corrupção do direito penal em que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma “forma de ser” do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva. O ato teria valor de sintoma de uma personalidade; o proibido e reprovável ou perigoso seria a personalidade e não o ato. Dentro desta concepção não se condena tanto o furto como o “ser ladrão”, não se condena tanto o homicídio como o ser homicida, o estupro como o ser delinqüente sexual etc.” (ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique, “Manual de Direito Penal Brasileiro”. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 118). Mais, representa bis in idem inadmissível em processo penal garantista e democrático, pois, a cada nova condenação, impõe-se ao cidadão-réu novo apenamento em virtude de fato pretérito, do qual já prestou contas. Em suma, a agressão ao princípio ne bis in idem se explica nas palavras de Adauto Suannes: Censurável esse bis in idem (o fato anterior é levado em conta duas vezes: quando sentenciado lá e quando sentenciado aqui!) – ver Adauto Suannes, “Os Fundamentos Éticos do Devido Processo Penal”, Revista dos Tribunais, 1999, p. 239. Por fim, não se pode deslocar uma das majorantes como elemento elevador da base porque tem momento próprio à definição: terceira fase. A dupla valoração acarreta o já mencionado e inadmissível bis in idem. Portanto, nada há a justificar patamar além do mínimo. Logo, fixo as bases em 04 anos de reclusão para ambos os réus O aumento pelas majorantes – concurso de agentes e uso de arma – é de 1/3 (o acréscimo se dá pela qualidade e não pela quantidade), aqui tudo ocorreu dentro do normal. Final: 05 anos e 04 meses de reclusão, em regime semi-aberto. As pecuniárias vão também redimensionadas para o valor mínimo legal, para ambos os réus. Diante do exposto, dá-se parcial provimento aos apelos para fixar as penas dos réus Adilson André Nunes do Amaral e Fábio Fogassa em 05 anos e 04 meses de reclusão, em regime semi-aberto, mais pecuniária mínima para ambos. DES. PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA (REVISOR) – De acordo. DES. ARAMIS NASSIF – De acordo. Decisor de 1º Grau: Jose Ricardo Coutinho Silva. rsbs


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