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Decisão: Apelação. Divulgação do nazismo. Arquivamento do inquérito. Restituição de material incabível por constituir meio para a prática do ilícito penal.
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Juiz Élcio Pinheiro de Castro
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.04.01.070128-0/SC
RELATOR: DES. FEDERAL ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO
EMENTA
PROCESSO PENAL. RESTITUIÇÃO DE BENS. MATERIAL DESTINADO À DIVULGAÇÃO DO NAZISMO. DESCABIMENTO
1. Em que pese o arquivamento do inquérito, não podem ser devolvidos ao proprietário objetos apreendidos cuja utilização é vedada, constituindo meio para a prática de ilícito penal. 2. Na hipótese dos autos, os materiais apreendidos se destinam a divulgar ideologia nazista, fato tipificado como crime pelo art. 20, § 1º da Lei nº 7.716/89, com redação determinada pela Lei nº 9.459/97. 3. Apelo improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - Em inquérito instaurado a partir de requerimento do Ministério Público Federal W.A.P. foi indiciado pela prática, em tese, do crime de racismo previsto no art. 20 da Lei nº 7.716/89 com a redação dada pela Lei nº 9.459/97, com base nas declarações e imagens veiculadas em reportagem exibida no programa “Fantástico”, transmitido no dia 20 de fevereiro de 1994.
Foi determinada expedição de mandado de Busca e Apreensão, culminando no recolhimento de diversos objetos na residência do inquirido, entre eles, livros, quadros, revistas fotografias e uma camiseta, que serviriam, segundo o Parquet, para propagar idéias neonazistas. O material encontra-se descrito especificamente às fls. 27/29 dos autos nº 98.2003838-3, em apenso.
Inconformado, WANDERCY ajuizou este incidente de restituição de coisas apreendidas.
Após o regular processamento dos feitos, o ilustre Juiz a quo prolatou sentença determinando o arquivamento do caderno inquisitorial, ante a manifestação do titular da ação penal no sentido de que a conduta passou a ser tipificada somente a partir da Lei nº 9.459/97, ou seja, posteriormente à data dos fatos, ocorridos em 1994. Quanto ao pedido de restituição, foi julgado improcedente, ao fundamento de que os mencionados objetos se prestam a finalidades ilícitas.
Irresignado, apelou o Postulante visando a reforma do decisum no que tange ao indeferimento da devolução dos bens.
Em suas razões alega, em síntese, ser professor de história, não se destinando o material apreendido à divulgação de idéias nazistas, e que o fato de possuí-lo não constitui delito algum, porquanto faz parte de uma coletânea sobre a história mundial, utilizado apenas para efeito de estudos, sendo totalmente injustificável sua destruição. Afirma, por fim, que o MPF pleiteou unicamente o arquivamento do inquérito, tendo o magistrado proferido julgamento extra petita.
Contra-arrazoado o recurso (fl. 35), subiram os autos. A douta Procuradoria da República, oficiando no feito, manifestou-se pelo improvimento do apelo (fls. 39/41).
É o relatório.
VOTO
JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - O artigo 118 CPP é a regra norteadora do instituto da restituição, disciplinando que: “Antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo”. Assim, a contrario sensu, tem-se que os objetos poderão ser devolvidos aos seus donos quando não mais importarem ao feito criminal.
Diferentemente ocorre nas hipóteses em que as coisas apreendidas são objetos cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constituem fato ilícito. Os instrumentos que se encontram nesse rol, mesmo após o arquivamento do inquérito, sentença absolutória ou decisão extintiva de punibilidade, passarão ao domínio da União (podendo ser destruídos), dependendo, para tanto, de decisum fundamentado da autoridade judiciária, eis que a perda não se revela automática.
Assim dispõe, o artigo 91 do Código Penal:
“São efeitos da condenação: II – a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso”.
Nesse contexto, consoante leciona Júlio Fabbrini Mirabete, aplica-se à espécie o disposto no artigo 779 do Diploma Processual Penal, nas seguintes letras: “O confisco dos instrumentos e produtos do crime, no caso previsto no art. 100 do Código Penal, será decretado no despacho de arquivamento de inquérito, na sentença de impronúncia ou na sentença absolutória”.
Ao comentar o referido dispositivo, o ilustre jurista ensina que: “Previa o art. 100 do Código Penal o confisco dos instrumentos e produtos do crime, desde que consistissem em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitui fato ilícito embora não apurada a autoria. O dispositivo não foi reproduzido na nova Parte Geral do Código. Assim, permite-se na hipótese, a apreensão de tais objetos, que não podem ser devolvidos ao proprietário quando não detém autorização legal para a sua fabricação, alienação, uso, porte ou detenção”.
Portanto, no caso em tela, embora não tenha havido condenação mas sim o arquivamento do feito pela atipicidade da conduta à época do fato, impende verificar se é, ou não, lícita a posse dos guerreados objetos. Caso a resposta seja positiva, os bens deverão ser entregues ao respectivo proprietário.
O citado artigo 20, § 1º da Lei nº 7.716/89, com redação determinada pela Lei nº 9.459/97, tipifica expressamente (cominando pena de um a três anos de reclusão e multa) as condutas de: “Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada para fins de divulgação do nazismo”.
Verifica-se dos autos do inquérito policial que W.P. concedeu entrevista ao programa Fantástico, mostrando diversos objetos que detinha em sua residência, declarando-se admirador da ideologia do nazismo capitaneada por “Adolf Hitler”.
Na lista de coisas apreendidas, resumidamente, encontram-se fotos e cartões postais com a estampa do líder alemão, gravuras mostrando soldados do seu exército, objetos adornados com a cruz suástica, uma camiseta e diversos cartões contendo a cruz gamada bem como dizeres nazistas e a figura de Hitler, fotografias, 9 (nove) livros a respeito do tema e cópias de artigos publicados em jornais e revistas também sobre o assunto.
Evidentemente, a “fabricação, comercialização, distribuição ou veiculação” de materiais destinados à divulgação do nazismo constitui ilícito penal, a partir da edição da referida Lei nº 9.459/97, motivo pelo qual os objetos que se prestam a esse fim não podem ser restituídos ao Postulante.
Diante do exposto, nego provimento ao apelo.
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