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Decisão: Habeas Corpus. Inexistência de comprovação da ausência da justa causa para trancamento do writ. Dilação probatória.

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Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro

HABEAS CORPUS Nº 2001.04.01.062630-3/PR RELATOR: DES. FEDERAL ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO EMENTA PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. JUSTA CAUSA. DILAÇÃO PROBATÓRIA.
1. Inexistindo demonstração inequívoca da ausência de justa causa, inviável o trancamento do inquérito policial. 2. O procedimento do writ não admite aprofundado exame de provas. Configurando-se, em tese, prática delituosa, descabe cercear a regular investigação dos fatos pela autoridade competente. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de outubro de 2001. JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - Cuida-se de habeas corpus impetrado por N.M. em favor de G.R.A.A. e N.R.L.C. objetivando o trancamento do inquérito nº 96.0019627-3, que tramita perante a Delegacia da Polícia Federal em Curitiba. Consoante se depreende da leitura dos autos, o apontado procedimento inquisitorial objetiva apurar a suposta prática dos crimes de “falso reconhecimento de firma ou letra” (art. 300, CP) e “falsa perícia”, previsto no art. 342 do Estatuto Repressivo, sendo que este último teria sido perpetrado pelos pacientes em concurso com Orivaldo Buzarelo e Luiz Carlos Capovila. O feito foi instaurado a pedido da Procuradoria da República, em razão da existência de fortes indícios quanto à conduta criminosa de G.R. e N.R., respectivamente médico veterinário e engenheiro agrônomo, pela elaboração de laudo pericial nos autos do processo de liquidação de sentença nº 90.0003582-1 em trâmite no Juízo da 6ª Vara Federal de Curitiba. Consta que os experts apresentaram valores exorbitantes (mais de R$ 167.000.000,00), bem como utilizaram falsos dados técnicos, conforme apontou outra perícia apresentada por docentes da Universidade Federal do Paraná. Sustenta o impetrante ausência de justa causa, tendo em vista estar evidenciada mera divergência entre o laudo realizado pelos pacientes e aquele elaborado pelos referidos professores. Considera esse fato insuficiente para caracterizar o ilícito. Refere, ainda, inexistência de dolo, afastando a tipicidade da conduta. Aduz, por outro lado, que o inquérito policial era destinado, ab initio, a investigar o crime de falso reconhecimento de firma ou letra e, em momento posterior, foi injustificadamente ampliado para esclarecer a falsa perícia. Por fim, alega que o procedimento em tela decorre tão-só da tentativa de reapreciação da prova técnica, o que deveria ser objeto de disputa judicial na seara cível, sem reflexos na esfera penal. As ínclitas autoridades impetradas prestaram informações. A douta Procuradoria da República, oficiando no feito, manifestou-se pela denegação da ordem. É o relatório. VOTO JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - Sustenta o impetrante inexistir justa causa para o procedimento inquisitorial, argumentando que a divergência havida entre o laudo apresentado pelos pacientes e o elaborado pelos docentes da Universidade Federal do Paraná, por si só, não configura o tipo previsto no artigo 342 do Código de Processo Penal. Alega que a prova técnica deve ser objeto de apreciação no Juízo Cível, sem reflexos na esfera penal. Contudo, as distorções verificadas na perícia judicial efetuada pelos pacientes, tendo em vista laudo técnico complementar apresentado por docentes da UFPR, justificam a instauração do inquérito policial. O valor apresentado pelos pacientes chega a mais de R$ 167.000.000,00 (cento e sessenta e sete milhões de reais), importância que não corresponde à realidade, segundo informado pelos professores universitários. Além disso, consta que G.R. e N.R. teriam utilizado falsos dados técnicos. Como bem salientou o agente do Ministério Público Federal à fl. 71, essa elevada quantia não representa mera divergência, “mas sim elemento indiciário da prática de atos ilícitos penalmente reprováveis”. Nesse contexto, importante transcrever parte das informações prestadas pela autoridade coatora, no que diz com as impropriedades técnicas da guerreada perícia: a. com relação ao projeto pastoril relativo a transplante de embriões de gado ‘vacum’ da raça Siemental, o paciente G.R.A.A. apurou o exorbitante prejuízo de cerca de cento e sessenta e sete milhões de reais, sem ao menos haver demonstrado a existência, sequer, de projeto concreto de transferência de embriões, tampouco solicitação de financiamento junto ao sistema de crédito rural pelos administradores daquela empresa agrícola, ou, ao menos, a existência de autorização do Ministério da Agricultura para o início de tal projeto, baseando-se, em seus cálculos, no quadro fático do ano de 1996, oportunidade em que a técnica era sumamente diversa da época dos fatos; b. ademais, extrapolou, no cálculo da indenização, o período delimitado na sentença (1994), com força de coisa julgada, estendendo o cálculo dos prejuízos projetados até o ano de 1996; c. foi superestimado, ainda, o índice de viabilidade de embriões por colheita, haja vista que enquanto o paciente atribui os valores de 8,5 embriões, a literatura acerca do tema aponta para o mesmo o ‘quantum’ de 5,0 a 6,0 embriões, o que veio a se repetir quanto à média de prenhez, indicada pelo paciente como de 67%, enquanto os técnicos da UFPR apontaram os valores de 55% no caso de transferência de embriões a fresco e de 43% de embriões congelados, indicando o paciente, ainda, a resposta da doadora de 100%, índice contestado a partir de fontes fidedignas, que acenam com o valor de 85%. d. por sua vez, o paciente NILSON ROBERTO LADEIA CARVALHO elaborou o laudo no tocante às lavouras de café e uva, projetando prejuízos de 1984 até a data da confecção do laudo, 1996, contabilizando, com sua conduta, em tese, fraudulenta, prejuízo total de cerca de sete milhões e meio de reais, baseando-se, para a confecção do seu laudo, em depoimentos de pessoas e em documentos produzidos por quem tinha ligação com aquela empresa agropecuária, desconsiderando, ainda, danos provocados por fatores climáticos, atribuindo valores de investimento bastante superiores aos fornecidos pela própria contabilidade, que previa um investimento de 36% no cultivo do café e de apenas 3% no cultivo a uva, apresentando, para ambas as culturas, investimento de 100% com produtividade ideal.” (fls. 72/73) Assim, vislumbra-se haver fortes indícios quanto à existência, em tese, da prática delituosa inquinada, considerando-se as inúmeras irregularidades constantes no referido laudo, segundo apontado pelos professores da Universidade do Paraná. Verifica-se, por outro lado, no tocante ao dolo, a necessidade de dilação probatória, o que, por certo, não se admite em sede de habeas corpus. Se pairam dúvidas acerca da veracidade dos dados constantes no laudo apresentado em Juízo pelos pacientes, mostra-se incabível, in casu, o trancamento do inquérito. Para a concessão do writ, necessária demonstração inequívoca da ausência de justa causa ao procedimento policial. Veja-se, nesse sentido, Acórdão do STJ assim ementado: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FURTO E ESTELIONATO. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL . JUSTA CAUSA. I - A ausência de justa causa só pode ser reconhecida se perceptível de imediato com dispensa ao minucioso cotejo do material cognitivo. Se é discutível a caracterização de eventual ilícito criminal não há que se trancar a ação penal por ausência de justa causa. II - O writ não permite cotejo do material cognitivo. Recurso desprovido. (5ª Turma, Recurso Ordinário em “Habeas Corpus” nº 9852, Relator Ministro Félix Fischer, DJ 11/06/2001, p. 236) De outra parte, não se pode elidir a atuação da autoridade policial, mais ainda quando se apresenta prematura, até porque, adotando o Judiciário tal solução, estaria impedindo a continuidade do procedimento investigatório, imprescindível à devida elucidação de fatos bastante obscuros, como ocorre em casos como este, envolvendo questões extremamente técnicas. A propósito, trago à colacão o seguinte julgado, também do Superior Tribunal de Justiça, verbis: RECURSO ORDINÁRIO EM "HABEAS CORPUS". REQUISIÇÃO DE INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. TRANCAMENTO. - Inocorre constrangimento ilegal com instauração de inquérito policial para apurar fatos que, em tese, constituem crime. - Não se revelando, de plano, falta de justa causa para os procedimentos investigatórios, não há como inibir a atuação dos órgãos da polícia judiciária e do Ministério Público. - Recurso conhecido e desprovido. (5ª Turma, Recurso Ordinário em “Habeas Corpus” nº 7511, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ 29/06/1998, p. 236). Frente a esse quadro, denego a ordem.


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